quinta-feira, 5 de junho de 2014

Carta àqueles que não vivem em Donetsk
Vysokyi Zamok (Castelo Alto), 01.06.2014
Oleksandr Polkovoi

Meus queridos, vocês não tem idéia, de como é temeroso e assustador ver, como morre a sua cidade. Donetsk nunca mais será  mesma, a cidade que eu lembro, vocês nunca mais a verão, como antes.

Exteriormente, ela ainda parece florida, cidade primaveril - com verdor exuberante, aonde brincam crianças, abertos bazares e cafés e numerosos canteiros de flores ao lado das largas avenidas. E ao lado da minha janela, no campo de tênis, bate uma bola. Donetsk parece com uma pessoa, mortalmente doente, que ainda não sabe, mas breve morrerá.

Ela é quase como antes. Quase - porque já surgiram feridas na forma de block-posts, sacos com concreto para fortificações, pessoas mascaradas e armadas com autômatos. Os carros nas ruas diminuíram em vezes. E nos finais de semana quase não há - e intimida, o opressivo silêncio.

Ela morre. Após as 10 horas da noite nenhuma loja funciona, nem farmácia, nenhuma pessoa na rua, de carros - apenas táxi. Todos os cafés, todos os estabelecimentos de ensino fechados..

Para acompanhar meu amigo até sua casa depois das dez, andar 500 metros, nós dois pegamos nossos documentos, não estamos à vontade, toque de recolher - e eu moro no centro da cidade, é necessário ser muito ousado, ou bêbado - porque eu carrego uma guitarra na valise, e será que pouco imaginarão as pessoas armadas - eu me apavoro pelo fato de ter medo de andar na minha cidade.

O som se aproxima por detrás do caminhão e agora me lembra o som de algo que roda. Eu me viro. Vejo um caminhão - e às vezes - comboio militar. E ao som de tiros, crianças que brincam nos pátios, assustadas correm para casa, ao lado das também assustadas mães e avós. Acostumam.

Todas as conversas, exceto aquelas, quando começará a guerra na cidade, apenas sobre duas coisas - aonde você vai, e quando. A pergunta sobre partida divide-se em duas categorias: aonde ir, quando começará a guerra, e aonde ir viver, porque aqui já não será possível. Alguém quer ir para os arredores da cidade, alguém para as aldeias próximas ou vilas, para lá onde não há tiros, e não haverá. Onde ainda não haverá guerra. Outros dizem: Lutsk, Zaporizhia, Kherson, Dnipró, Rússia. Estes falam sobre partir para sempre.

Poucos querem ir embora - mas todos entendem que partir precisarão, porque a cidade está condenada. Ninguém acredita em resultados felizes e rápidos. Não acredito também eu.

Nem guerra, nem paz - e selvagem, exacerbada ansiedade, inquietação, espera por algo ruim, horrível. Assim pode-se viver uma semana, duas - mas não mais, mais não dá para fingir que algo extraordinário não está acontecendo, porque precisa continuar vivendo, por isso continuar vivendo aqui não dá.

As empresas estão fechando - eu não falo sobre indústria, metalurgia e minas. Eu falo sobre construções, negócios, magazines, cafés e locais de entretenimento. Com negócios em Donbass e Donetsk acabaram por longo tempo. Quem pode envia os trabalhadores em férias até setembro. Marca encontro para depois da guerra. Quem pode - evacua funcionários para outras cidades - o mesmo Zaporizhia, Poltava, Kryvyi Rih, Odessa, Kyiv. Mas estes são poucos. A maioria prepara-se para fechar, ou fecha-se.

Já saíram aqueles que podiam. Alguém enviou suas famílias. Muitos preparam-se para sair. Os que ficam - é porque simplesmente não podem sair para nenhum lugar, para nada. Ou esperam, e acreditam que tudo pode acontecer, talvez não será tão ruím. Não tão ruím como já é.

O dinheiro das pessoas acabará rápido e ganhá-lo aqui é impossível. Eu, por sinal, penso que os bancos acabarão antes que o dinheiro das pessoas. Portanto, com qualquer resultado os bancos não poderão trabalhar - seja a guerra, ou mesmo alguns milhares de homens armados consigam estabelecer controle total nestas duas províncias onde moram sete milhões de pessoas. Se não houver bancos - não haverá pagamentos, pensões, economia.

E isto vai acontecer. Portanto, a questão não é "ganhar", é "sobreviver". Sim, meus amigos - são pensamentos sobre isto. Ninguém acredita, que os que aqui vivem - são necessários para alguém. As pessoas estão abandonadas - isto é uma célula, prisão, da qual ainda é possível fugir - abandonando tudo, apartamento, bens, trabalho, esperanças e planos para futuro, fugir, porque precisa sobreviver, é mais importante.

Todos entendem que é por um longo tempo. Que vai ser muito ruim. Muito ruim. E muitos morrerão. Como morrerá esta cidade.

Nosso futuro mataram. Cobriram com coquetéis Molotov, autômatos Kalashnikov, outros. E educação de ódio à televisão russa e ukrainiana. Nós - pequena mancha no mapa de pequena escala, onde estão os adultos senhores de diversos países que com arroubo movimentam suas fichas, fazem suas jogadas, para os quais, aqueles que aqui vivem - são apenas estatística. Como são para eles estatística nossas mortes - aqueles que eram, e aqueles, que ainda serão.

Sufocam-me as lágrimas de ofensa, da injustiça, do futuro arruinado, da dor pelo seu filho que precisa ser salvo, impreterivelmente salvo, se algo começar - e do medo, que eu não possa fazê-lo.

Protejam a paz. Vocês não sabem, o quanto isto é importante - é o mais importante. Protejam a paz lá, onde vocês moram, não deixem a guerra acontecer, porque guerra - é morte, e isto não é um filme - é aqui e agora. Protejam a paz em sua casa. Nós em nossa casa não conseguimos.

(Gostaria de observar que eu penso que o governo de Kyiv anda devagar. A reação demorou alguns dias. E, no início, começou tímida, o inimigo cresce a cada dia.
Mas, quero perguntar ao autor da carta, o que fizeram pelo fortalecimento do Estado da Ukraina, nestes pouco mais de 20 anos da Independência, os moradores destas regiões já que nem o idioma pátrio eles quiseram adotar? Se eles tivessem contribuído para o engrandecimento patriótico do país que habitam, até a Rússia os respeitaria (ou temeria) bem mais. - OK)

Tradução: O. Kowaltschuk

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