Algumas fotografias guardam-se em caixas de sapatos nos armários. Outras, cuidadosamente coladas em álbuns, que ficam nas prateleiras de livros da família. Muitas fotos foram perdidas para sempre, destruídas devido ao pânico ou indiferença. Na Ukraina, cuja tempestuosa história do século XX transformou-se em guerra sangrenta pela existência do Estado no século XXI, cada imagem conta a sua própria história. A jornalista Deisi Sindelar visitou seis cidades ukrainianas, para saber o que as fotografias das famílias dizem aos ukrainianos, sobre quem são eles e quem foram seus pais.
História de hoje:
Mýkola Chaban, 56 - Jornalista, etnógrafo de Dnipropetrovsk.
Todo ukrainiano tem uma história interessante. Eu estudei a história de muitas famílias - minha e de terceiros. É sempre emocionante.
Meu bisavô e minha bisavó, Martin Harzha e Vustia Horpyna, são exemplos. Vustia era ukrainiana de puro sangue, mas o meu bisavô era Volokh, de origem romena. Eles eram agricultores e tinham dois cavalos. Na época eles eram considerados bem ricos.
Estes cavalos chamaram a atenção. Havia um tal de Nestor Ivanovych Makhno, líder anarco-comunista ukrainiano que se negou à submissão ao governo bolchevique após a Revolução de Outubro, sendo um dos principais figurantes da Revolução Ukrainiana. Seus seguidores se diziam Robin Hood ukrainianos. Roubavam dos ricos, davam aos pobres...
Então, quando chegaram ao meu bisavô, não roubaram os dois cavalos, só um.
Meu bisavô, muito irritado, foi falar com o comandante do grupo, pai Makhno. Todos temiam o pior. O bisavô explicou que ele não era tão rico assim, e que, realmente, precisava de dois cavalos.
O cavalo foi devolvido. Ocasionalmente Makhno gostava de praticar tais gestos generosos.
Martin morreu de gripe espanhola em 1919. Vustia morreu de fome durante o Holodomor. Ela foi ao hospital pedir ajuda, mas eles, simplesmente disseram: "Você necessita de alimento, não auxílio médico". Eles deixaram-na morrer num lençol, no chão.
Sua filha, minha avó Eudoxia, sobreviveu a fome, mas sua vida foi muito difícil. Ela trabalhou com seu marido Andrii na fazenda coletiva, em sua aldeia, Maiorka. Certo dia Andrii foi preso porque declamou uma poesia sobre Stalin: "Obrigado a Stalin-georgiano, porque ele calçou a nação com borracha!".
Isto era uma pequena piada sobre o déficit, mas não a aceitaram bem. Meu avô foi condenado pelo artigo 58 por "propaganda anti-soviética".
Andrii foi enviado ao campo de trabalho "Solikanskyi" nos Urais. No mesmo ano ele morreu. Disseram, que foi devido a doença cardíaca, mas isto foi apenas uma maneira politicamente correta para relatar sua morte. Mais tarde soubemos que ele morreu de pelagra (avitaminose), devido a desnutrição. Muitas pessoas morreram nos campos por este motivo.
Petró, Andrii, Lídia, Eudoxia e Mykola Chaban. (da esquerda para direita). |
O nome me deram em honra ao tio Mykola. Ele tornou-se o ganha-pão da família aos 14 anos.
Minha avozinha e três seus filhos sobreviveram à ocupação alemã, mas durante a Batalha do Dnieper, no outono de 1943, quando o exército soviético empurrava os nazistas para Oeste, Mykola foi forçado a ir para guerra. Já no início ele foi morto. Ele tinha 17 anos.
Ele não recebeu nenhum treinamento militar, ele não sabia como proteger-se. Stalin queria libertar Kyiv no aniversário da Revolução de Outubro, e ele pressionava o Exército Vermelho, tanto quanto podia. Isto levou ao desnecessário derramamento de sangue.
Mykola Chaban (esquerda) e seu amigo de infância Vania Zaskoka. |
Mataram meu tio a mais ou menos 20 quilômetros de Maiorka. Quando minha vovozinha soube, ela foi no local da batalha procurá-lo. O corpo de Mykola estava em uma vala comum. Mas ela não conseguia identificá-lo.
Ela lhe deu um cachecol, colher e bolos de carne antes de partir. Ele ainda os tinha consigo, - tão rápido o mataram.
O oficial disse, que ela poderia recolher o corpo, mas ela não conseguia carregá-lo. Então voltou a aldeia para perguntar se poderia emprestar um cavalo na fazenda coletiva.
Eles recusaram, porque temiam que o exército soviético simplesmente lhe tiraria o cavalo. Mas permitiram levar uma vaca. Então ela voltou para a sepultura irmã com a vaca, e depois, vagarosamente, arrastou o corpo de Mykola para enterrá-lo em Maiorka.
Lídia, Eudoxia e Petró Chaban, Bacu, 1948. |
Durante 10 anos minha vovozinha perdeu a mãe, o marido e filho mais velho.
Depois da Segunda Guerra Mundial começou a segunda onda de fome na Ukraina, por isso minha vovozinha, com duas crianças que restaram, - Lídia e meu pai, Petro - mudou-se para Azerbaijão.
Eles levavam três pequenas malas. Uma delas lhes roubaram no trem. Mas eles conseguiram chegar a Azerbaijão, onde ganharam dinheiro suficiente para alimentar-se.
Meu pai entrou no exército. Ele serviu na Armênia. A vida militar não o impressionou. Ele, até hoje não suporta, quando os veteranos usam suas medalhas. Para ele, os verdadeiros soldados são os que foram mortos ou feridos.
Depois da morte de Stalin em 1953, eles se sentiram seguros para voltar a Ukraina. No entanto, sua vida agrícola terminou. Eles se estabeleceram em Dnipropetrovsk. Meu pai encontrou trabalho na construção civil.
Mykola e Eudocia Chaban (2º e 3ª da esquerda) no cemitério em Maiorca. |
Quando minha vovozinha ainda vivia nós, regularmente, frequentávamos o túmulo de Mykola. Ela morreu em 1994, com 87 anos. Ela foi enterrada ao lado dele.
As pessoas aqui são muito fortes. Nós passamos por muita coisa. As mulheres idosas frequentemente dizem:"Eu posso suportar qualquer coisa, apenas não haja guerra. Então, para mim, é muito doloroso, olhar tudo o que acontece na Ukraina hoje. Nós sabemos o que é a guerra e como isto é assustador.
Tradução: O. Kowaltschuk
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