sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Buraco negro. "DNR" - novas regras de vida.
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 25.12.2014
Catherine Serhatskova

Emblema da "DNR" (República Nacional de Donetsk)
Em Donetsk ocupado, como antes, funciona o transporte público. A cidade pode ser facilmente alcançada a partir de qualquer território controlado pela Ukraina. A rota mais complicada - a entrada do lado de Dnipropetrovsk. Aqui, na região Kurakhovo, no outono instalaram uma
verdadeira fronteira. Em cabines de metal trabalham funcionários do Serviço de Fronteiras da Ukraina. Cada passageiro é registrado.  Cada estrangeiro recebe o carimbo da saída do território da Ukraina. As áreas sob controle da "DNR" nos documentos, não são consideradas parte do país.

Nós consideramos Ukraina como nosso povo, que é portador de várias doenças", - diz o líder dos militantes "Leste" e secretário do Conselho de Segurança "DNR" Aleksandr Khodakovskyi.

Ele se apresenta numa sala da Academia de Música de Donetsk - Prokofiev, que em novembro foi transferida pelo Ministério da Cultura da Ukraina para além do território ocupado. Às costas de Khodakovskyi - retrato de Prokofiev e piano.

Dirigente do batalhão de militantes "Leste" se apresenta.
Ouvem o militante os pensionistas, professores da Academia e várias pessoas jovens. A sala está cheia, mas nem todos ouvintes parecem compreender por que vieram.

- Ele agora sobre o quê? O que ele diz? Sussurra alto uma mulher no ouvido da companheira.

- Quem é esse, afinal? - Pergunta a outra.

"Kyiv - mãe de cidades da Rus (Rus foi o primeiro nome da Ukraina do qual os moscovitas se apoderaram. Moscovitas, primeira denominação dos povos da então chamada  Moscóvia, hoje Rússia - OK), nós estamos saindo desta reforma, - continuou Khodakovskyi. - Mas os processos, que prevalecem lá, agora, e ampliam-se com propaganda, são tendenciosos e unilaterais, não nos dão possibilidade de interagir. Se fosse possível, levemente, curar Kyiv... Nisto está nossa concepção básica."

O chefe dos militantes de Donetsk fala monotonamente, como padre, quando lê a oração. Ainda no verão ele - ex-chefe das forças especiais "Alpha" da divisão do SBU (Serviço de Segurança da Ukraina) - declarava que seu "Vostok" lutava aqui pelo futuro da Rússia e contra USA. Logo a retórica mudou. Khodakovskyi começou frequentemente repetir que "DNR" - é parte da Ukraina. "Há uma tentativa de completar a ação da decomposição de uma nação, - diz Khodakovskyi aos seus "paroquianos".- Para evitar a infecção, nós, por enquanto, somos obrigados a nos isolar. Nós não queremos nos separar da Ukraina, mas não queremos que conduzam o povo de Donbass como a um elefante, para onde queiram. Nós nos equilibramos em um limiar muito fino e queremos continuar a desenvolver laços culturais e econômicos. Donbass - não é um objeto independente. Mas Ukraina, segundo visão geopolítica - moeda de troca entre Rússia e USA.

A palestra de Khodakovskyi dura mais de duas horas. Os ouvintes dispersam-se gradualmente. No final, na sala permanecem apenas os representantes da imprensa que perguntam ao chefe do "Conselho de Segurança" sobre o que está acontecendo no aeroporto de Donetsk - um ponto chave do confronto russo ukrainiano.

Khodakovskyi promete reunir todos no local e mostrar a famosa cobertura no nono andar, da qual os militantes disparam sobre o edifício do terminal e bairros residenciais.

O prédio da Administração Regional de Donetsk, que desde o verão é conhecido como "Casa do Governo" está invulgarmente vazio. Nas paredes não existem mais desenhos dedicados à "junta" e "pastor sangrento", mas no chão - sujeira e detritos. Corredores limpos pela ODA (Administração Estatal Regional) estão semelhantes a administração, nas portas dos gabinetes apareceram mais ou menos distintas plaquinhas com o nome de cargos e "agências".

Com o início da trégua de setembro na "capital da DNR" parece que começaram a pensar em estruturar a vida cotidiana e, especialmente, a economia. "Não é possível permanecer, constantemente, em estado de guerra, e agora há uma sensação que nos negócios tudo irá, gradualmente, progredir", - diz meu conhecido empresário de Donetsk, que na primavera foi obrigado a fechar seu negócio.

Eu me recuso a concordar com ele: os negócios não podem desenvolver-se nos territórios ocupados dirigidos por militantes. Se com Criméia isto ainda é possível imaginar, com Donbass - definitivamente não.

"Já mais de 4 mil empresários fizeram registro na República Popular de Donetsk, - diz ele. - Entre eles - patriotas da Ukraina e separatistas -  todos, que não querem perder seu dinheiro. Agora eles pagam impostos para o tesouro "da república". E o que você pode fazer? Trabalhar é preciso..."

O chamado Serviço de Registro da "DNR" traz dados um pouco diferentes: a partir de 8 de novembro na "república" supostamente re-registraram-se 33% dos empresários particulares e companhias, até a guerra eles eram, aproximadamente 160 mil.

Os meios de informação que apoiam "DNR" anteriormente avisavam, que a re-matrícula para as empresas - 170 UAH, para pessoas físicas - 34 UAH. O imposto de renda é de 20%, e para pessoas físicas - 13 %.

Tais cifras, declara o chefe do Ministério da renda e encargos da "DNR" Aleksandr Tomofeev, a quem eu conheço como Sasha Tashkent - militante responsável pela troca de prisioneiros. Ele - é um daqueles que negocia com o chefe do Centro de libertação de prisioneiros Volodymyr Ruban.

Donetsk tem a aparência quase igual a antes da guerra. As pessoas vão para o trabalho, embora poucos recebem salário. Trabalham alguns centros de produção, alguns centros comerciais e de escritórios.

As pessoas comuns vivem com pequenas ajudas irregulares do Ministério de Política Social da "república" e pensões ukrainianas.
Os restaurantes e cafés cheios quase à capacidade. Na entrada para a popular anteriormente "Cervejaria Yusovsky" podem ser vistos adesivos, que informam, que este objeto popular é protegido pelas forças da "DNR" e paga imposto ao orçamento da "república". Na porta há uma placa correspondente aos tempos de guerra - "Por favor, deixe as armas na sala especial."

"Aqui em Donetsk tiroteios no café acontecem regularmente - diz o morador local Aleksandr Borenko. - Outro dia na "Casa do Previsor (do tempo) atiraram em dois rapazes - chechenos encenaram confrontos comuns de bêbados. Com a investigação de crimes nos territórios ocupados preocupa-se a polícia local, rebatizada de "polícia da DNR". Separadamente funciona "promotoria militar", Ministério de Segurança do Estado", que cumpre as funções do FSB (Serviço Federal da Segurança) e outras agências completadas desde o verão com várias forças paramilitares.

De onde vem o dinheiro das pessoas que compram comida, bebida cara e, que se tornaram consumidores da ostra por 75 UAH nos restaurantes, não está claro. Permitir-se viver em grande estilo podem somente aqueles que trabalham nas estruturas da "DNR" e recebem pagamentos da Rússia, ou aqueles, que se adaptaram a ganhar nas condições de guerra. Estes não são muitos. As pessoas comuns vivem com pequenas e irregulares ajudas do Ministério da Política Social da "república" e pensões ukrainianas.

O próprio surrealismo em Donetsk - quase genuína vida cultural. Trabalha o teatro da ópera, que recentemente ganhou fama com o fato de, Anna Netrebko, cantora de ópera, enviar através de Oleg Tsarev um milhão de rublos para sua "recuperação".

Funciona a maioria dos colégios e Faculdades da região, inclusive a Universidade Nacional de Donetsk, que no início de outono foi transferida pelo Ministério da Educação a Vinnytsia. Alguns professores de Donetsk transferiram-se para departamento de estudos por correspondência da Vinnytsia, então vivem e trabalham em Donetsk. Os jovens que se encontraram do lado da "DNR", continuam os estudos na ocupada Universidade Nacional de Donetsk. 

Próximo ao Museu de Arte , seu diretor e devido ao acúmulo de cargos, presidente do Conselho de Diretores de Museus de Donetsk Halyna Chumak discute com os jornalistas da NTV (Canal russo). Eles exigem remover as inserções de madeira compensada, para remover os vidros quebrados pela onda da explosão. Halyna recusa: os funcionários do museu não trabalham para TV russa "fazer imagens".

Museu Regional de Arte de Donetsk - A placa, como antes, em ukrainiano.
- Nós temos as nossas leis para os museus, que eles não entendem, - irrita-se Chumak, - Ainda querem ver nossos fundos. Por que eu deveria mostrar?

- E se as pessoas com armas ordenassem? - Pergunto interessado.

- Bem, se exigissem armados, eu mostraria, o que fazer... - irremediavelmente, responde Halyna, mas observa, que por enquanto tais precedentes não houve. 
A frágil mulher, de 66 anos conta, que certa vez teve uma conversa com o "ministro da cultura". Ele declarou, que todos os valores culturais da região pertencem ao "povo da DNR", mas ela explicou-lhe que ele estava errado. "Aquele ministro já trocaram", acrescenta Chumak. Pela lei, tudo o que preserva-se nos museus locais, pertence ao fundo de museus da Ukraina. A própria Halyna, como os demais funcionários do Museu de Artes, nas regiões ocupadas de Donetsk, não recebe pagamento desde julho. "Nós já escrevemos cartas para o Tesouro, e através da gestão do Ministério da Cultura tentamos resolver o problema, mas não adiantou - queixa-se Halyna - depois da mudança dos dirigentes de nós esqueceram.

- É assustador aqui? Sim, é assustador, e, às vezes você não sabe como se comportar - perdida, diz ela. 
Já a muito eu poderia sair daqui, mas eu tenho responsabilidade - preservar o museu do país.
Trabalham outros museus no território controlado pela "DNR". Até mesmo o da história local, o qual, no verão, foi atingido por algumas bombas. Nestes dias, este museu até vai comemorar 90 anos e nesta ocasião fará uma exposição sobre "Art-Donbass".
O diretor do Museu de Arte também planeja fazer uma grande exposição com objetos de novas aquisições.
Literalmente um dia depois de 13 de junho, quando próximo a ODA (Administração Estatal Regional) explodiram dois automóveis, diz ela, os familiares do maior colecionador de Makiivka trouxeram duas malas pesadas com uma grande coleção de ex-libris. Outro patrono deu dez pinturas de artistas de Donetsk. 
"De algum modo vamos continuar o trabalho, não jogaremos tudo, - sorri Halyna, - os museus possuem missão especial".


Na saída de Donetsk, em direção a Mariupol há uma fila de caminhões carregados de carvão e lenha. Os militantes verificam cuidadosamente o conteúdo e os documentos.
O posto de controle, que recentemente ocupavam os militantes da "DNR", está vazio: transporte público e automóveis ninguém detém para revistar. Parece que tais restrições simbólicas não são mais necessárias. A direção da "república" entende, que o exército ukrainiano, sobre eles não irá, e marcar suas fronteiras para população civil, em princípio, não é necessário - tudo, todos compreendem. 

Donbass atravessou a guerra, de zona cinzenta no balanço geral, transformou-se em um buraco negro de vida que absorve o senso comum.  Agora, aqui agem suas regras de vida, e a elas, em geral, já se acostumaram.

Tradução: O. Kowaltschuk

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