No cativeiro da Criméia. História chocante de três pessoas de Kyiv
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 15.03.2014
Acontecimentos da "ternura russa" vividos pelo fotógrafo Oles Krompliasu, engenheiro-eletrônico Yevhen Rakhno e jornalista freelance Olena Maksymenko.
Na sexta-feira, dia 14, os jovens conversaram com os repórteres e relataram tudo o que lhes aconteceu nos dias 9 e 10 de março, quando o país inteiro preocupava-se com o seu destino.
Da esquerda para direita: Yevhen Rakhno, Olena Maksymenko, Oles Krompliasu e Oleksi Byk.
Yevhen Rakhno: Eu-motorista do carro, no qual todos fomos a Criméia onde reside minha sogra. Eu queria ver o que está acontecendo lá. De acordo com os funcionários do posto de controle (na entrada da Criméia), no meu carro havia técnica profissional.
No carro havia três assentos, o primeiro ocupou Oles Krompliasu, depois o jornalista Oleksi Byk (que não passou pelo posto de controle porque antes passou para o carro de um amigo. Posteriormente ele divulgou a notícia do nosso desaparecimento). Foi ele que nos apresentou Olena Maksymenko.
Olena Maksymenko: As primeiras suspeitas a mim surgiram quando eles encontraram minhas licenças jornalísticas (eram duas) e a câmera. Mas o pior é que havia acreditação da Sede Nacional da Resistência - do centro de imprensa do Maidan. Jornalista para eles - a priori é inimigo, que veio para incitar as pessoas e distorcer a situação.
Oles Krompliasu: Eu tinha duas câmeras, de algum modo consegui explicar-lhes que isto não era equipamento profissional. O que mais os irritou é que Yevhen Rakhno tinha um colete à prova de balas. O colete tinha o distintivo do Ministério do Interior, onde foi comprado. Yehven explicava que o colete é necessário para segurança...
Depois nosso carro foi direcionado mais para o lado. Olena foi colocada do lado e eu com Yevhen de joelhos e mãos levantadas atrás da cabeça.
Neste posto de controle havia cerca de 200 pessoas, blindados e tendas. E todas estas pessoas começaram a se reunir em torno de nós, com lições de moral, xingamentos Paralelamente revistavam moças do Automaidan.
Nós pensávamos que depois disto seríamos dispensados...
Então veio um certo "berkutivets" e disse: "Olhe para cá", e depois : Por que você está olhando!" E, com força bateu com o pé no meu estômago. Eu estava de joelhos. Nossas mãos foram amarradas atrás com embalagens plásticas, inclusive Olena.
Yevhen apanhou mais porque o carro era dele. O carro é projetado para falta de estradas, dentro havia um macaco e cordas. Queriam saber para quê. A cada resposta insatisfatória para eles, batiam.
Alguém viu um filme na minha bolsa e começou a gritar: "São terroristas, eles estiveram em Beslan." E, afinal, qual a relação de alguns filmes com Beslan?
Atração ao invisível sadismo
Oles Krompliasu: Quando eles compreenderam, que nós, de acordo com seu atendimento, éramos "passageiros graves", nos levaram para uma vala. Colocaram-nos de joelhos, e teve início o circo.
Quando estávamos próximo ao ponto de controle, confiávamos que tudo se resolveria porque todos nos viam. Mas, na vala, nossa esperança por um final feliz evaporou.
Cada um dos representantes das unidades presentes - "titushky", "Berkut", caucasianos e auto-defesa local vinham até nós.
Alguém com uma granada propôs enfiá-la na boca. Alguém aproximou-se e deu um soco em minha barriga. Graças a um dos meus treinadores, que me aconselhou contar a todos sobre meus traumas. Assim, ainda próximo do ponto de controle comecei dizer a todos que tinha uma lesão grave na cabeça, e que qualquer pancada - eu morreria. Então vinham os "berkutivstsi", levantavam minha cabeça, olhavam a cicatriz e batiam em outras partes do corpo.
Um "berkutivets" começou ameaçar com arma. Primeiro ele a colocou na minha cabeça, carregou-a. Alguém veio com duas pás e disse que iríamos cavar as sepulturas...
Os "berkutivstsi" vieram com faca, pegavam na orelha, ou perguntavam se cortavam a orelha ou o nariz.
Depois de algum tempo entendemos que era apenas escárnio, que a ordem era não bater no rosto.
Yevhen Rakhno: Na vala estávamos deitados com as mãos para trás. Eles deitaram minha cabeça de lado e dispararam 5-10 centímetros do meu rosto. Dava para ver o buraco que ficou na terra feito pelo cartucho. Depois apontavam o pé, a mão, e perguntavam: "Em que parte você quer que eu atire?"
Oles Krompliasu: Nos colocaram no chão, ombro a ombro. Fincaram o pé nas costas do Yevhen, encostaram a pistola na cabeça, carregaram e atiraram. Do susto Yevhen desviou a cabeça, eu tive 20% de certeza que ele morreu. Não escutamos bem até hoje.
Cortaram minhas calças e cuecas, o traseiro ficou nu. Fomos fotografados.
Alguém jogou a ponta do cigarro. Eu entendi que o cabelo iria queimar, senti a queimadura na cabeça. Torci-me e bati com a cabeça na terra. Todos riram.
Na foto é possível ver a falta de cabelo de um lado, no alto da testa.
Yevhen Rakhno: Ameaçaram arrancar meus dentes. Pegaram a tenaz e enfiaram na boca, mas não arrancaram.
Olena Maksymenko: Nós, as moças fomos torturadas mais psiquicamente que fisicamente. Queriam saber para quem trabalhávamos, quem nos pagava, e se não tínhamos vergonha escrever artigos encomendados. Os representantes dos chamados "kazaky" são terríveis. Eles não são estúpidos como "Berkut", eles maltratavam com finura e perversão. Um deles lia um poema em ukrainiano, artisticamente, mas pronunciando cada palavra entre os dentes, com ódio. E depois dizia que o mundo está superlotado e precisa atirar nas pessoas desnecessárias. "E em quem atirar, mas não é em pessoas, como vocês?"
Outros abordavam e diziam: Como provar-lhe que a "Centena Celeste" está no inferno? Somente mandando você para lá, para você explicar-lhes que eles estão errados" ("Centena Celeste" é o nome que os ukrainianos deram aos que morreram no Euromaidan. Já são 103 pessoas falecidas. Ainda há feridos graves nos hospitais - OK).
Me obrigaram retirar os cadarços dos sapatos. Um dos homens começou me enforcar, bateu com os punhos nas maças do rosto e cortaram parte do meu cabelo.
Disseram que vão matar meus amigos, diante de mim cortarão suas cabeças, e ameaçaram cortar minha orelha. Eu me esforçava para manter um diálogo com eles, dizia que nós não queríamos guerra. Acredito que isto afastou um pouco a tensão.
Havia um "homenzinho de verde" que vinha de tempo em tempo e dizia que não nos matariam, mas o principal não fazer coisas estúpidas, nem movimentos bruscos. Todo tempo, cerca de 13 horas, estivemos com mãos amarradas.
Resumindo o final:
Depois todos fomos transferidos para o porão do posto de controle. Oles sempre sem calças e cueca. Logo veio um militar e xingou a organização porque o veículo já esperava a muito tempo. Fomos jogados num caminhão, de bruços, como gado.
Nos deram dois guardas que não cobriam seu rosto e diziam que tudo estava bem. Recebemos alguns trapos para vestir e pudemos sentar. A viagem demorou umas 5 horas.
Ao chegar numa base do exército nos colocaram de frente à parede e mãos atrás. Ficamos assim duas a três horas. Tivemos muito medo porque às nossas costas andavam pessoas armadas.
Em seguida começaram os interrogatórios, um por vez. Nos despiram, examinaram e ficaram surpresos quando o exame de sangue não revelou presença de drogas. Eles realmente acreditavam que todos os participantes do Maidan eram viciados.
O tratamento durante o interrogatório foi bem mais civilizado, mas tentaram nos atribuir atividades não exercidas. Quando não gostavam de nossas respostas, diziam que o próximo interrogatório será com "Berkut".
Acabamos sendo acompanhados por um militar para o mesmo posto de controle e auxiliados para retornar ao lado ukrainiano. Segundo o militar russo que nos acompanhava, Berkut e os tais "kazaky" saíram do controle.
Tradução: Oksana Kowaltschuk
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