sábado, 29 de março de 2014



Com objetos na saída. Como interrompe-se o destino dos crimeanos.


Ukrainska Pravda Zhyttia (Verdade ukrainiana-Vida), 20.03.2014
Mariana Pyetsukh

Eu até posso trabalhar como zelador. Se houver um cantinho para viver. Os zeladores recebem habitação?

Não recebem. Talvez recebam na Criméia, mas aqui não recebem.

Bem, se não encontrar outro serviço, então aceitarei o de zelador, pois o dinheiro para viver preciso conseguir.

Nós caminhávamos com Oleksandr, artista grisalho da Criméia, pelas ruas do velho Lviv para o lado de seu abrigo temporário. Na semana anterior o homem leu o anúncio para os moradores da península, com proposta de asilo temporário, aos moradores da península, na Ukraina Ocidental. Então, com a esposa apressadamente juntaram os objetos mais necessários - duas malas e uma mochila - e deixando o apartamento em Yalta, vieram para Halychyna.

Hoje Criméia perde não apenas território e tropas. Perde o que é mais difícil retornar - pessoas, e com elas as perspectivas ukrainianas sobre a península. Pessoas que não apoiam o domínio russo na península, fogem da perseguição, sentimentos antiukrainianos, novas realidades com rublos e tanques nas ruas.

Na península evacuação em massa da população pró-ukrainiana - somente na primeira semana pediram asilo mil e quinhentas pessoas - o que favorece Rússia porque ajuda Kremlin ocupar posições nas terras ocupadas livrando-se de pessoas descontentes com o novo governo.

No entanto, essas pessoas não vêem outro caminho: em sua casa, na verdade, caíram prisioneiros.

Como gatos entre matilha de cães

Nas mãos Oleksandr trouxe de Yalta um rolo de suas pinturas - acaba de voltar da galeria de Lviv, onde propôs fazer uma exposição.

"Oh, você vai me fotografar? Espere, eu colocarei um gorro porque o cabelo cresce feio. Preparamo-nos tão rapidamente para viagem que esqueci minha máquina de barbear, com a qual barbeava os ralos fios na cabeça. E, para comprar outra agora não temos dinheiro, vivemos com rigorosa economia", - explica o homem.


Pelo caminho, às vezes ele pára, indeciso. Ainda não conhece a cidade.

"Deixamos em Yalta um belo e espaçoso apartamento. Temo que o estraguem. Lá deixei a maioria de minhas pinturas. Agora vivemos na propriedade de estranhos. Incômodo, embaraçoso. Mas era necessário salvar a esposa, ela se preocupa muito e surgem sintomas do aparelho digestivo devido a excitação. Por isso, agora usa sedativos constantemente" - diz o crimeano.

Esposa de Oleksandr - russa étnica. No entanto, a Rússia atual lhe é estranha e repugnante. Portanto não imagina sua vida na Criméia, se ela passar para as mãos do Kremlin.

À noite ouvi a notícia, que às 5:00 horas da madrugada Criméia será anunciada como área de operações. Foi um grande susto, que não poderemos sair. Por isso, rapidamente, começamos juntar nossas roupas e objetos de primeira necessidade", - diz Tatiana, designer pela especialidade.

Trouxemos conosco somente roupas da estação e um par de sapatos. " Aqui as chuvas já começaram e nós não temos calçados secos". E Tatiana pergunta se tem em Lviv calçados na feira de usados, lembrando o regime de economia total.

Oleksandr interrompe a esposa e pede que não se queixe: "De algum modo sobreviveremos. O principal é encontrar um local para estúdio para poder trabalhar e vender pinturas. Era assim que ganhávamos a vida em Yalta, vendíamos cenários da Criméia. Este apartamento é temporário. Nós não sabemos quando deveremos desocupá-lo".

O casal não acredita, que a situação na Criméia mudará em favor da Ukraina, e que eles poderão voltar para casa. Pois, como afirmam os artistas, "a maioria da população todos estes anos apenas esperava a intervenção da Rússia.

Tatiana explica: as pessoas se sentem nostálgicas pela União Soviética e cegamente acreditam, que Putin irá restaurar-lhes a era soviética com linguiça barata.

"Eu constantemente ouvia de mulheres idosas, como era bom viver na União Soviética. E para elas era bom porque podiam roubar livremente. Nosso prédio veio da Frota do Mar Negro. Antigos trabalhadores da Frota, junto com a direção leal retiravam de lá tudo o que conseguiam. Perder esta "vantagem" lhes dói até hoje. Eles, sem roubo não sabem viver. Eles não apreciam e não compreendem Maidan, porque destrói seu sistema mental", - descreve suas experiências Tatiana.

"Muitos dizem, se na Ukraina independente os crimeanos tivessem linguiça barata e outros benefícios, eles não desejariam pertencer à Rússia. Mas não é assim. Às pessoas "lavam" tanto os cérebros, a propaganda é tão poderosa que os convenceriam, que na Rússia e Belarus será ainda melhor, - simplifica o pensamento difundido Oleksandr. - Para reagir a esta propaganda, era necessário trabalhar seriamente, eram necessários especialistas sérios... Mas nada se fazia".

O homem está convencido - a propaganda na Criméia se conduz não apenas pela TV russa. constantemente trabalham agitadores populares contratados. "Eles estão nos mercados populares ou no transporte, onde há muitas pessoas. Começam dizendo como são altos os salários dos russos e bielorussos, e quão bem as pessoas vivem lá, e assim por diante.

"E até mesmo nas escolas já ensinam odiar Ukraina. Muitas vezes ouvi, como os estudantes falam entre si sobre as aulas da língua ukrainiana, sobre Ukraina - do alto, com desprezo. E isto lhes ministram professores que são pagos a partir do orçamento da Ukraina. Introjetam pensamentos às crianças, que Ukraina - país de terceira categoria. Portanto, crimeanos - são, como são. Desde infância são educados antiukrainianos, e persuadir os adultos é algo muito difícil", - explica Oleksandr.

O que mais indigna Oleksandr é que ao total da propaganda, bem como às ações dos movimentos pró-Rússia, Kyiv sempre fechava os olhos, "como se ao Serviço de Segurança da Ukraina tudo isso fossem coisas facilmente superadas".

"Não houve "lustração" (proibição ao desempenho de cargos, por um determinado tempo, às pessoas que na União Soviética ocupavam cargos, principalmente no Serviço Secreto. Na Ukraina não houve este cuidado. Nos países que isto foi feito, não houve problemas como na Ukraina - OK), após o colapso da União Soviética. Permaneceram os mesmos comunistas, o mesmo sistema, o mesmo esquema, a mesma corrupção. Tudo isso assentou e transformou-se em um silencioso pântano. Ninguém ocupou-se com Criméia, com ela ocupava-se apenas a Rússia. Então, temos as consequências", - sem otimismo analisa a esposa Tatiana. 

Como resultado, estão convencidos os artistas, Ukraina na Criméia já a muito não existe - a população foi transformada em zumbis pela propaganda russa. É assustador porque está ausente a moralidade elementar. Eles frequentam a Igreja Ortodoxa, benzem alimentos na Páscoa, e ao mesmo tempo, glorificam Putin, esquecendo-se dos mandamentos - não bata, não faça mal. Eles rezam na igreja, mas quando matavam pessoas no Maidan, junto a TV gritavam: "Bata, canalha!" Quando Ukraina estava de luto pela "Centena do Céu", (É o nome que os ukrainianos deram às pessoas que morreram lutando pela Ukraina no Maidan. Já morreram 103 pessoas, sendo que ainda há feridos nos hospitais -OK), nenhuma fita preta em Yalta nós vimos. Nos ônibus, como sempre, tocava música. Nenhum vestígio da Ukraina lá não tem!" - resume Tatiana.

O casal que nunca apoiou os sentimentos pró-russos sempre se sentia como forasteiro em sua casa. "Nós parecíamos gatos dentro da matilha de cães, que na primeira ocasião atacarão e despedaçarão.
Anteriormente isto era sem armas, mas agora é arriscado ter uma discussão com fortemente armados "protetores". E a eles não é fácil chegar, porque como, numa matilha de cães, tem o chefe e, sem pensar executam suas ordens", - explica uma situação de impasse Oleksandr.

Tatiana imediatamente dá um exemplo: no outro dia em Sevastopol os pró-ativistas atacaram turistas da Rússia, só porque a mulher usava um vestido amarelo com lenço azul (cores da bandeira ukrainiana) e visitavam o monumento da Shevchenko. Eles gritavam: nós somos patrícios, mas estes, como cães, não ouvem nada", - com horror relata Tatiana.

Ao lado da mulher, na mesinha - há pílulas calmantes. Um sorriso embora irônico - consegui ver em seu rosto - quando perguntei se havia chances de convencer a população pró-Rússia para permanecer sob o Estado da Ukraina. Respondeu: Eles não ouvirão nenhum argumento.

Oleksandr resume: Vocês tentam, com pessoas inadequadas agir com métodos adequados. Esse é o seu erro. Dê-lhes um doce polvilhado com açúcar ou ouro - tanto faz. Putin para eles será o melhor. Na situação atual, o método doce não ajudará. Eles respeitam apenas a força. Seu método de usar com eles o idioma russo e promessas de mais direitos à autonomia - é doce, depois do qual eles vão desprezá-lo ainda mais. E nem acreditarão, estão acostumados a mentiras.

Portanto, seu futuro na Criméia o casal não vê. Mesmo se Criméia permanecer na Ukraina, mentalmente a situação não mudará rápido.

O principal problema de Oleksandr e Tatiana, como vender o apartamento em Yalta, para comprar uma casa em Lviv. Afinal de contas Criméia escolheu o destino não reconhecido mundialmente como território da Rússia, com presença militar constante - então o preço pode cair muito, poucos querem estabelecer-se em locais assim

Família em lados opostos das barricadas

"Poupe as crianças! Se as crianças sofrerem, eu te amaldiçoarei", - tal mensagem-aviso do marido recebeu a crimeana Inessa Vyshniakova, viajando no trem "Simferopol-Lviv". Ia junto com dois filhos-escolares, dois sobrinhos e sua mãe. Ela deixou Bakhchysarai, terra natal, depois que a unidade militar local foi ocupada por tropas russas.

O marido da Inessa é russo. Trabalha na Rússia. Ele acredita na existência dos "maus banderivtsi"(¹). "Ele me telefonou e disse - peque as crianças e corra à embaixada russa para proteger-se dos ukrainianos. E eu, apesar de não ir à embaixada, ainda viajei para onde?! A Lviv - a região dos "bandeivtsi!" - diz rindo Inessa.

Juntar as coisas decidi de vez, quando ouvi anúncio na TV. Diz que não fugia dos tanques mas dos "humanos pró-russos". "Eu fugia desses pesadelos, quando diariamente você vem ao mercado e ouve aquela ininterrupta mentira sobre os fascistas, sobre tártaros assassinados, etc. As pessoas, como enlouquecidas, não querem ouvir nada, só querem a Rússia. Eu lhes digo: então o que lhes dará a tal Rússia? Vai alimentá-los de graça? Não. Estenderá os encanamentos para água? Não. Mas ninguém ouve. Eles sofreram lavagem cerebral".

Anteriormente, nem a mulher, nem sua família estiveram na Ukraina Ocidental. Mas ela compreendia, que não existem "banderivtsi".

"Eu nunca fui do movimento da Revolução Laranja, em 2004 votei tês vezes a favor de Yanukovych. Mas assisto canais ukrainianos. Assistia os acontecimentos do Euromaidan, preocupei-me muito com as pessoas em Kyiv. Agora me chamam "banderivska", apesar de que nem mesmo o idioma ukrainiano eu conheço bem", - de forma divertida Inessa continua contar sua história.

A sua filha-estudante por várias vezes seu colega chamou também de "fascista". "Eu fui a escola, e os professores me dizem: ele também nos chama "fascistas", porque nós somos tártaros da Criméia. E tudo isso se fala calmamente, ninguém reage, ninguém pune, fecham os olhos", - conta Inessa as peculiaridades da educação nacional nas escolas da Criméia.

 

Lembra: todos os anos de ensino dos filhos e sobrinhos na escola com duas aulas semanais do idioma ukrainiano, somente uma vez  sentiu "forçada ukrainização" - aos alunos presentearam livros coloridos e de boa qualidade de impressão, com contos de fadas, os quais de bom grado aceitaram até os filhos dos russos. Aprender o idioma ukrainiano em nível cotidiano o filho e a filha da Inessa somente conseguiram através dos canais da TV ukrainiana, que na Criméia são pouco assistidos. 

Em Lviv Inessa já matriculou seus filhos em escolas ukrainianas. Diz que voltar para Criméia não quer porque lá não há boas escolas ukrainianas - o país não cuidou disto durante os anos da independência. "Eu gosto de suas lições de ética cristã. Nós somos pessoas crentes, isto foi uma surpresa   agradável" , - completa a mulher.

O sobrinho da Inessa é aluno do Liceu naval de Sevastopol "Nakhimov", agora também vai estudar em Lviv - transfere-se para o Liceu Militar local chamado "Heróis de Krut."


"Quando na última semana o neto esteve de guarda da Chama Eterna em Sevastopol, vinham os locais e provocavam os rapazes porque seu uniforme é das Forças Armadas da Ukraina", conta a avó de Serhii Liúbov Pliushkova.


Crimeana nativa diz: não experimentou cuidados nem da URSS, nem da Ukraina independente, mas  a Rússia não quer voltar. "Eu sou inválida do II grupo, também sou mãe-heroína, dei à luz cinco filhos e oficialmente tutora de dois netos, a mãe deles morreu. Mas  não sinto, que comigo se preocupassem, nem então, nem agora. Nenhum pedacinho de terra, nenhuma quota, a terra foi saqueada por bandidos no poder. Mas isto não atrapalha meu amor pela Ukraina, por Shevchenko (grande poeta ukrainiano), porque em mim flui sangue ukrainiano", - diz a pensionista russa, a qual no primeiro dia de sua chegada a Lviv, aos quatro netos comprou roupas bordadas, tradicionais na Ukraina.

Como no caso da filha, o marido (segundo) é russo étnico. E ela também brigou com ele devido a seus pontos de vista políticos. "Ele, pela Rússia, para ele Putin - verdadeiro líder. Sobre Maidan não quer nem ouvir, sobre a "Centena do Céu" também. Como bem sabem, a grande verdade que Shevchenko escrevia: "amem morenas, porém não moscovitas. Isto é verdade!" - de súbito disse com aspereza Liúbov.

Mas a verdadeira tragédia para esta mulher é outra - os próprios filhos a desdenharam. A pouco ela soube, que seus rapazes foram proteger Criméia dos "banderivtsi". Isto é um grande sofrimento, a divisão da família - quase chorando diz a mulher.

Inessa também não se contém. "Os irmãos não se comunicam. Eu não sei o que eles têm em mente, assistiram muito a TV russa, gritam,  que no Maidan todos eram pagos. Quando ouvi, que eles protegem Criméia de alguém falei: esperem, eu virei, e eu estarei nas primeiras fileiras. Que atirem!"

Última gota

A crimeana Olga, mãe de duas crianças, os anos de estudante passou em Lviv. Mas agora ir a Halychyna não quer.

No meu natal Krasnoperekopsk é seguro, a cidade é pequena e ninguém se interessa por ela: campos nus, nem montanhas. Por enquanto aqui não há soldados, porque não são necessários. Olga (pediu omitir o sobrenome) entende: abrigo aos refugiados - é temporário. "Eu não quero viver esperando auxílio de outras pessoas, principalmente agora que consegui minha própria casa".

O idioma nativo de Olga - ukrainiano, mas na Criméia publicamente quase não o usa, "porque viver com lobos, precisa viver como lobo".

No dia do referendum Olga, inesperadamente para si, pensou em deixar a península. E não assustou-se com os soldados russos. "Penso não ir temporariamente, mas para sempre. Eu não posso viver com estas pessoas. Elas são traidoras. Ontem fui ao salão de beleza, onde sou cliente regular. Corto meu cabelo com amiga e converso em ukrainiano no telefone. Então a proprietária do salão ordenou: "Fale em russo!".

Olga acredita que Criméia não está perdida"as pessoas se apaziguarão, e sentindo como é viver sem dinheiro, muitos preguiçosos aqui vivem apenas na base de privilégios sociais, desejarão voltar ao governo ukrainiano.

"Mas meu futuro aqui já não vejo, eu desprezo profundamente os traidores que me cercam. Não quero trabalhar com eles, nem respirar o mesmo ar com aqueles que em qualquer momento podem me furar com uma faca", - não se contém a mulher.

Contudo, Olga não perde o otimismo quanto ao futuro da Criméia. Mas, ukrainiana, ela já não será. "Criméia será tártara o que a muito já deveria ter sido reconhecido. Os ukrainianos fugirão, mas tártaros não recuarão, porque eles não tem para onde recuar" - acrescenta Olga.

Suas palavras confirma Elmaz Apazova de Simferopol. Ela também aproveitou o abrigo temporário em Lviv, na Ukraina, e chegou com dois filhos. Mas, no que ouviu que a região da Criméia poderá ser fechada à entrada, correu comprar bilhetes para casa.

"Temo ficar para sempre no estrangeiro. Aqui é bom, mas minha pátria é lá. Nós, tártaros crimeanos, outra pátria não temos", - explica emocionalmente a mulher.


Elmaz Apazova, na despedida pediu para não publicar seus comentários elogiosos a Lviv, para não incentivar seus compatriotas a emigrar para Ukraina Ocidental - mas ficar e defender sua terra.

1 -  A palavra "banderivtsi"," banderivska" vem do nome de Stepan Bandera, lider do exército insurgente ukrainiano que preparava-se para lutar contra os russos antes da II Guerra Mundial. Os russos acusaram Bandera de entreguismo aos alemães, mas o que realmente desejava Bandera era conseguir a liberdade da Ukraina pois já no primeiro dia após a entrada dos alemães em Lviv, o Estado Ukraina foi proclamado. Por isto Bandera foi preso e enviado para prisão na Alemanha, onde acabou sendo assassinado por um ukrainiano traidor, a mando de Moscou. Houve um pouco de ingenuidade na esperança de ajuda dos alemães. O ódio dos russos, e mesmo dos ukrainianos russificados perdura até hoje, daí chamar as pessoas contrárias à Rússia, até os dias atuais de "banderivtsi" e outros derivados - OK).

Tradução: Oksana Kowaltschuk

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