sábado, 5 de julho de 2014

Andrei Zubkov: "No leste da Ukraina luta a consciência "sovkova" e européia.
Vysokyi Zamok (Castelo Alto), 20.06.2014
Dmytro Seniak

Este cientista russo pode ser considerado herói da Ukraina. Dia 4 de março o professor do Instituto Estatal de Moscou de Relações Internacionais - Andrei Zubkov publicou na revista russa "Vedomosti" (Boletim, Diário Oficial) um ressonante artigo intitulado "Isto já existiu". Nele comprova a anexação da Criméia a Rússia com anexação da Áustria a Alemanha nazista em 1938.
Poucos dias depois Zubov foi demitido da Universidade. Isso causou ressentimento considerável na comunidade científica mundial, e, posteriormente, o professor voltou, mas... sem direito a ministrar aulas. Recentemente Andrei Zubkov veio a Kyiv, para ler uma aula pública sobre o tema: "Desafios contemporâneos" no Instituto de Jornalismo da Universidade Nacional Taras Shevchenko. A aula, com entusiasmo ouvia o jornalista do "Castelo Alto", que posteriormente conversou com o professor.

Único soldado no campo

- Como o senhor teve coragem de ressaltar-se contra todos?
- Eles dizem que eu me sobressaí na defesa do povo ukrainiano, e por isso sofri. Mas, não é assim. Eu me coloquei, em primeiro lugar, na proteção da dignidade do meu próprio povo. Não queria, que o meu povo fosse considerado um pária. Ser pedagogo significa ter responsabilidade pelas almas dos estudantes. Quando pensava, publicar ou não aquele artigo, entendia, no que isto poderia transformar-se. Mas também entendia, que se silenciasse, então daria aos meus alunos um exemplo imoral. Eu decidi agir com a minha consciência.

- Como os estudantes reagiram a sua demissão?
- Sua reação foi inesperada para mim. Mais de 170 estudantes apresentaram uma petição exigindo a restauração do meu trabalho e punição dos culpados neste caso. Aproximadamente quarenta alunos organizaram um piquete com cartazes: "Hoje Zubov - vocês amanhã". Os estudantes a quem dei aulas de história, sobre idéias religiosas, pediram-me para continuar este curso. O Museu Bulgakov nos deu acomodações para isto. Minhas lições eu lia naquele "mau apartamento", o qual é bem conhecido dos fãs de "Mestre e Margarita".

- Existe desejo de lecionar na Ukraina? Algumas universidades lhe convidaram...
- Possivelmente gostaria de ensinar na Ukraina, mas eu tenho senso do dever... Eu preciso continuar na Rússia, ensinar a juventude russa. Além disso, se com a vontade de Deus eu nasci em Moscou, e não em Kyiv, significa que devo cumprir minha missão em Moscou. No entanto, com gosto, continuarei vindo para cá para palestras públicas especiais.

Frequentemente, "apertavam minha mão debaixo da mesa".

- Há muitos como o senhor na Rússia? Pois muitos cultos e esclarecidos russos foram vítimas da propaganda de Putin....
- A consciência das pessoas nas sete décadas do regime soviético foi extremamente distorcida. Ao longo das últimas duas décadas foi criada uma fina camada cultural, mas sob ela se move o abismo! E em condições favoráveis, essa sujeira sobe em todos aqueles que conscientemente não trabalharam em si mesmos ainda durante a era soviética. Putin fez o que não deve ser feito em nenhuma circunstância. Assim como, por exemplo, não pode transmitir pornografia na televisão. Na maioria, na cabeça de boas pessoas, ainda aparecem más idéias... Quando em 1982 Argentina invadiu as Ilhas Malvinas, onde praticamente não havia tropas britânicas, isto causou um incrível entusiasmo na sociedade argentina. Mas, quando depois, na guerra com a Grã Bretanha morreram 900 argentinos e mais de mil foram aprisionados, as pessoas começaram a olhar de forma diferente os eventos... Devo admitir, que experimentei desapontamentos. Muitos dos meus alunos e pós-graduados ocuparam posições não aceitáveis para pessoas dignas. No entanto, como eu, há muitos. A mim, não uma vez, assim dizendo, apertaram a mão debaixo da mesa.

- Qual será o destino da Criméia?
-  Conquista da Criméia - uma grande violação de todas as normas do direito internacional e todas as tradições que se desenvolveram na Europa. O mundo não engolirá isto. Criméia voltará para Ukraina. Possivelmente, pela realização de um referendo justo. O governo russo mudou, recentemente, a retórica em relação a Criméia. Se no momento da tomada da Criméia, falavam apenas que era necessário proteger os russos locais, agora a propaganda russa diz que, se Putin não  tivesse conquistado Criméia, em Sevastopol já estaria a frota da OTAN, e isto não se pode permitir. Quando ficou claro, que não havia conflito entre os ukrainianos e russos, não há e não havia, o foco mudou do nacional ao geopolítico.

- Até aonde Putin irá em seu desejo de restaurar a União Soviética?
- Isto é difícil prever. Sobre as ruínas da União Soviética surgiram países com formas europeias, mas, na verdade são mini-estados soviéticos, sem liberdade interna, com cínicas e egoístas lideranças. Daí as formas oligarcas do capital, insolência aos direitos da pessoa e a indiferença para com a dignidade humana, e uma inacreditável corrupção. A grande maioria das pessoas ainda pensa, que seu país - está cercado por fortalezas, que ao redor - inimigos que sonham conquistá-los. Este ponto de vista foi imposto pelo sistema soviético, que destruiu todos os intelectuais que poderiam negar esta afirmação propagandista. E, as pessoas ignorantes ainda atrás da Cortina de Fero, não podiam discutir. Lenin, no III Congresso do Comintern declarou, que a moral - é coisa classista, por isso  os bolcheviques não tem moral. Em seguida, Hitler disse coisa parecida: "Eu os liberto da consciência". Eu, muito não gostaria, ver Rússia tornar-se "país inconsciente", como era nos tempos soviéticos.

"Contraposição ao mundo todo sempre foi fatal para Rússia"

- Putin não presta muita atenção à reação do mundo. Uma indicação disso foi a tentativa de trazer ao tribunal Mikhail Gorbachev - pelo colapso da União Soviética.
- Ainda no tempo de Brezhnev os funcionários do partido compreendiam, que à ideologia comunista ninguém acredita, precisava de algo novo para manter o sistema. Com Andropov KGB desenvolvia a ideologia nacionalista, russa como uma alternativa ao comunismo. Mas, felizmente, não a conseguiram
implementar. Gorbachev sentiu o único caminho certo para a solução: integração com o mundo. Todo mundo ficou atordoado quando ele começou a falar sobre valores humanos. Gorbachev não queria o colapso da União Soviética, ele sonhava com a Europa unida - de Vladivostok a Lisboa. Mas sem os valores humanos, sem igreja, na Europa era impossível entrar. A Espanha de Franco foi admitida pela Europa depois da queda do regime de Franco, Grécia - depois da queda dos Coronéis Negros. Exatamente por isso Europa agraciou Gorbachev com o Prêmio Nobel. Na Rússia ele foi declarado traidor.

- Qual é a sua posição sobre a guerra no Leste da Ukraina? A ninguém é segredo, que isto é guerra da Ukraina com Federação Russa...
- Isto é um choque do velho anti-cultural, soviético, egoísta com o novo, moralmente responsável. Esta oposição surgiu nos anos 2.000 numa série de conflitos político sociais. Esta é a Revolução das Rosas na Georgia, o Maidan (Revolução Laranja) em 2.004, os eventos na Armênia em 2.008, e os acontecimentos na Rússia em 2.011-2.012. Os novos estratos sociais exigiram a devolução de sua dignidade humana perdida durante a era soviética. Não é atoa que a última revolução ukrainiana chama-se Revolução da Dignidade Em nenhum lugar a tendência européia manifestou-se tão aguçada, como na revolução ukrainiana dos anos 2.013-2.014. Não porque, cada um pensava, que passará a viver melhor, mas porque cada um entendia isso - a chave para a liberdade, saída da existência amoral soviética. E com uma extraordinária coragem vocês conseguiram vencer.

- Quão rápido a revolução pode explodir na Rússia?
- Eu gostaria que não houvesse revolução na Rússia. Eu penso, que vocês também gostariam que o regime Yanukovych desabasse sem derramamento de sangue, e novo governo fosse estabelecido sem perder a Criméia e sem aqueles horrores que agora ocorrem no leste da Ukraina. Talvez este seja o preço que precisa pagar... Não sei, como se desenrolarão na Rússia, mas eles vão se desenvolver. Na Rússia pré-soviética os momentos, quando Rússia se opunha ao mundo todo, eram trágicos. Houve apenas dois. Primeiro - A Guerra da Livânia de Ivan, o Terrível, que inventou lutar com todo o mundo da época: de Livânia e Polônia até o Canato da Criméia. Rússia quase morreria, não fosse por Minin e Dmytro Pozharskyi, herói nacional e organizador e um dos dirigentes do corpo de voluntários do "Zemstvo" (órgão do governo, limitado, na Rússia pré-revolucionária de 1.6ll - l.612, no período da luta de Moscou contra a intervenção da Polônia e Suécia.  Pozharskyi com Minin organizaram e dirigiram o corpo de voluntários. Os dois libertaram Moscou dos conquistadores poloneses) Segundo - Guerra da Criméia de Mykola I (Nicholas I) aventura dirigida contra toda a Europa. Após terríveis perdas e horrenda inflação Mykola I realmente cometeu suicídio. Em profundo desespero, apenas de uniforme ele saiu na neve para receber a parada militar, depois do que contraiu pneumonia e morreu. Nos dois casos, essas falhas profundas da política externa foram utilizadas as mesmas técnicas: arcaização da vida, fechamento de fronteiras, perseguição aos discordantes. A história ensina que o sucesso da política russa pode haver somente em coligação com outros países europeus. Oposição a todo o mundo civilizado tornava-se fatal para Rússia.

"Stepan Bandera me inspira respeito..."

- Se Putin quer reviver a União Soviética, então lembro, que a União Soviética não tinha aliados iguais: ou inimigos, ou vassalos. Quando um país se tornava forte (Iugoslávia em 1947 ou mesmo a China no final dos anos 50), ele transformava-se no pior inimigo da União Soviética. E isto apesar da semelhança da ideologia. Europa pode dar a Rússia muito mais que Cazaquistão e Quirguistão, cooperação com os quais é improvável que possam modernizar a economia russa. E Rússia tem pouco para dar a Cazaquistão.

- Nós não estamos satisfeitos com a passividade da comunidade européia quanto a situação na Ukraina.
- Se não houvesse suficiente reação aguda às ações da Rússia por parte do Ocidente, não haveria sanções e advertências, não haveria chamadas a Putin de Merkel e Obama, o destino da revolução ukrainiana seria mais trágico. As eleições na Ukraina foram bem sucedidas, graças à proteção do mundo ocidental. Além do mais ele defendia não tanto a Ukraina, quanto seus próprios valores morais.
É simbólico que Petro Poroshenko vem da parte da Bessarábia, que até 1940 fazia parte da Romênia. O governo soviético destruía pessoas cultas com o auxílio do terror vermelho de 1918 - 1921, com o auxílio do grande terror de 1937 - 1938, com o auxílio do Holodomor em 1921 e 1933.
Mas naquelas partes da União Soviética, que entraram em sua composição depois de 1939, depois da guerra, não houve tal luta com religião, nem tal terror. Por isso a parte Ocidental da Ukraina, oeste de Belarus, Estados Bálticos e parte da Bessarábia revelaram-se mais capazes à recuperação da cultura européia . Sua consciência era reforçada pelo assombro das atrocidades dos bolcheviques, que eles observavam do exterior. Exatamente isto é que deu origem a Stepan Bandera. Pode-se não concordar inteiramente com seus métodos, mas é necessário compreender a motivação de suas ações, sua posição. Ele inspira enorme respeito.

-Não estaremos indo para Terceira guerra mundial, a qual é necessária a Putin, tanto quanto a Segunda era necessária a Hitler?
- Eu não diria, que a guerra era necessária a Hitler. Ela foi resultado de sua política de rapina. Captura de territórios - é um peculiar narcótico. Exatamente por isso em 1936 foi capturada Renânia, em 1938 - Áustria, depois Sudetos, em resultado tudo terminou em catástrofe. O atual governo russo não tem nem aqueles recursos econômicos, nem militares, nem humanos, nem relações internacionais, que haviam na Alemanha nazista. Este país tinha uma forte economia em crescimento, crescia também a natalidade. A Alemanha formou aliança com Japão e Itália. Nada disso existe hoje, a mim parece, tudo isto é uma partida falsa. Espero, antes virá o recuo. Mas qualquer refluxo deixa muita sujeira. Tarefa - esta sujeira remover o quanto antes e retomar relações normais depois dessa sujeira.

Consciência "sovkova": A consciência "sovkova" é individualista, heróico-personalista. Herói "sovok" pensa sua existência como projeção da objetividade. Esta é exatamente a síndrome de Estocolmo - o indivíduo endossa a violência, a fraude, o abuso, esquecendo que tudo isto, realmente, é exercido sobre ele. Em compensação esta auto-exclusão é compensada com a identificação virtual com o agressor, uma espécie de ícone, ídolo, em um espelho distorcido, ou que a vítima se vê num pedestal de ouro. Ou pejorativo que define uma pessoa em certas atitudes psicológicas e sociais, que avalia outras pessoas, eventos e o mundo físico, usando o imutável sistema de mitos, trazidos da União Soviética. Na linguagem comum, o termo "sovok" é usado como uma palavra que tem um tom depreciativo ou desdenhoso. 

Tradução: O. Kowaltschuk











 

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