quinta-feira, 24 de abril de 2014


DEZ  HORAS  EM  SLAVIANSK
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 23.04.2014

Dmytro Halko - jornalista da edição bielorrussa "Nova Era" - na Ukraina já a um mês e meio. Contou à "Verdade Ukrainiana sobre sua viagem a Slaviansk, única bandeira azul-amarela, detenção ilegal e soldados ukrainianos que guardam os postos de controle sob a bandeira russa.
Slaviansk - é centro do Triângulo das Bermudas, que agora localiza-se em Donbass. Chegamos pelas oito horas da manhã. A cidade, neste horário, parecia um fantasma: ruas completamente vazias, algumas pessoas nos postos de controle.

-  Que pessoas?
 - Elas são todas diferentes, locais ou não - não está claro. Vestidas de alguma forma. Armadas com quaisquer tacos, barreiras, facas. Mas há forças militares reais.

- Há suporte da Ukraina?
- Não, da Ukraina em Slaviansk não ficou nada, além da bandeira ukrainiana no prédio da Universidade Pedagógica de Donetsk. Milícia ukrainiana lá não há.
Apareceu uma espécie de declaração do Ministério do Interior que não houve testemunhas de nossa detenção, testemunhas de nossa estadia em Slaviansk. É surpreendente ouvir isto, uma vez que conosco não contatou nenhum agente da lei, e lá, em Slaviansk não havia nenhuma milícia.

- Você falou sobre os militares...
- Eu, não posso afirmar com toda certeza que eram militares russos. Mas houve a possibilidade de trocar algumas palavras, e perguntamos: Eh! vocês, rapazes, de onde são? Mas, nenhuma pessoa respondeu que era de Slaviansk. Somente um respondeu que era de Donbass, bem Donbass, é grande. (Inclusive inclui uma parte do território russo - OK).
Além disso, os habitantes locais - sempre falavam sobre essas pessoas, como aquelas que vieram de algum lugar, que desabaram sobre elas do céu. Mas não como seus concidadãos.

- Conte-me mais detalhadamente sobre a vinda a Slaviansk...
- Próximo a prefeitura não havia ninguém, ela estava atrás das barricadas, não tinha como entrar. Nós fomos ao edifício do SBU (Serviço de Segurança da Ukraina). Lá havia uma barricada significativa, guardada por uma pessoa camuflada, com Kalashnikov nas mãos e uma pessoa com roupas casuais. A esta  perguntamos se podíamos entrar. Ela pegou nossos passaportes de jornalistas estrangeiros e disse que iria perguntar ao comandante. Ela também nos contou que sua mãe vive em Roma, eles se comunicam, mas ela está aqui pela Rússia.

O comandante, em minha opinião, era russo, pela aparência e pelo dialeto. Acompanhou-nos por 20 - 30 minutos pelo alojamento. Eles tem técnica blindada, capturada ou dada sem luta - eu não sei. O comandante, com grande orgulho mostrou esta técnica, dizia que ela vai forçar a passagem do Dnieper para quebrar Kyiv.

- Que técnica e quanto?
- Acho que havia 4 carros BMP (tanques). Naquele momento havia apenas dois. Na entrada do edifício sob, a bandeira russa, passaram pessoas vestidas de preto, com armas a vista. Estas pessoas, fomos categoricamente proibidos fotografar. Neste caso, eles atirariam.

Separatistas nos tanques de desembarque próximo ao Serviço de Segurança da Ukraina em Slaviansk.
- Uniforme negro? Como em "Alpha"?
- Sim, um uniforme de forças especiais.
Depois de meia hora o comandante nos dispensou. Ele parecia um oficial, um general. Ao meu pedido para andar pela cidade e fotografar ele não podia atender, seu comando era apenas nesta parte.
As pessoas que estavam ali paradas, e às quais fizemos perguntas, respondiam apenas: "Nós não estamos autorizados".

Em Kyiv poderia falar com qualquer pessoa, e ninguém, nem uma vez respondeu que não estava autorizado. No Maidan as pessoas vieram com seu pensamento e sua verdade. Aqui as pessoas respondiam exclusivamente como militares.

Estas pessoas replicam completamente Maidan. As barricadas são iguais, e oferecem chá ou um pouco de comida. Havia muitos bêbados.
Havia mulheres, e quando souberam que somos jornalistas estrangeiros, puseram-se a espantar os bêbados. Depois quisemos visitar a área dos ciganos. Queríamos saber se realmente houve ataques. Pelo caminho conversávamos com as pessoas. Quando passávamos pela grande ponte de Slaviansk, fotografamos uma plaquinha que diz "Minas". Nada mais fotografamos. 
Mas apareceram pessoas camufladas. Não eram militares. Um estava armado com mosquete, outro com faca, o terceiro - já não me lembro.
Eles aproximaram-se e disseram que nós espionamos, que realizamos fotos ou gravações secretas. Eu quis mostrar as fotos, mas mandaram esperar, viria um carro e fariam averiguações. Fomos levados ao terceiro posto.

- Quem estava com você?
- Fotógrafo italiano Kossimo Attanasio e jornalista francês Paul Gogo - ambos freelancer.
O carro foi cercado por umas dez pessoas.  Perguntaram quem éramos, exigiram entregar a câmera, ameaçaram quebrá-la. Em geral comportaram-se grosseiramente. Todos nós ficamos muito assustados. Eu ainda servia de intérprete.

- Levaram nossos documentos e câmeras para verificação. Mandaram sair do carro e esperar no local determinado. O grupo ficou a uns 15 metros de distância - vestiam camuflagem militar. Estavam armados com AK, aparentemente novo modelo. Segundo Kossimo Attanasio era um novo modelo Kalashnikov, presente somente no exército russo.

Barricadas numa rua de Slaviansk. Foto ITAR-TASS/Mihail Pochuevo
Quando a situação desanuviou um pouco, perguntamos que arma era aquela. Responderam apenas que a receberam para uso temporário.
De repente eles mudaram drasticamente, preocuparam-se com sua imagem "Vocês desculpem, compreendam, situação militar". E nos dispensaram e entregaram nossos pertences.

Nós pensamos que já estava tudo explicado e seguimos por aquela ponte. Fomos parados no posto de controle do outro lado. Nós mostramos as fotos no posto anterior. Dissemos que já fomos inspecionados. Mas, ouvimos em resposta: "Nós não sabemos, quem vos verificou. Aqui é cada um por si. Se vocês não tem licença do nosso governo - dancem! Ou a obtenham na prefeitura!" Já ouvi de outros jornalistas, mesmo de Paul Gogo, que anteriormente esforçou-se para entrar no prédio, que receber a permissão é impossível. Durante tal tentativa o jornalista de Moscou Times - Oleg Sukhov - foi detido como membro do "Setor Direito". Ele foi conduzido a uma sala, em frente da qual, estava, talvez, Serhii Lefter (jornalista ukrainiano sequestrado anteriormente - ed.) Suas mãos estavam amarradas a uma cadeira, ele estava sendo guardado por um "homenzinho verde" com uma arma (Quanto aos tais "homenzinhos verdes", eles já foram assumidos por Putin como pertencentes ao exército russo _ OK)
Portanto nós não fomos atrás da acreditação. É engraçado - lá não há governo, é algo incompreensível. E ainda pelo caminho, quando nós íamos a partir do segundo posto de controle, aproximou-se um jeep pintado com cores da bandeira russa. Dentro havia pessoas com novíssimo uniforme, com máscaras e armas, e nos olharam com tal rigor, que foi a gota d'água. Resolvemos sair dali.

- E o número do jipe era russo ou ukrainiano?
- Eu acho que não havia número. E próximo do prédio do SBU eu vi  um carro com números batidos, mas com alguma ordem de passagem no vidro. O papel grudado no vidro tinha uma bandeira russa, algo oficial. 
Na cidade notei vários carros da polícia, parecendo ukrainianos, nos quais estavam pessoas com esta camuflagem, com armas.

Slaviansk. Separatista. Foto uainfo.org.
- E como se denominam estas pessoas armadas?
- Elas não se apresentam. Elas tem escrito na roupa "Milícia Popular de Donbass". Conosco ninguém conversou. Única pessoa que conversou conosco era um civil que estava nestes postos de controle, com fita de St. George e sem máscara. Um fundamentalista ortodoxo. Entendemos que ele era da localidade, até mostrou seu passaporte, preservado da União Soviética, onde estava escrito "Nacionalidade russa".
Com isto ele se orgulha. E diz, que aqui todos somos russos ortodoxos. O que significa, não queremos este "contágio europeu".
Somente ele conversou normalmente conosco, contou seus motivos. Entre estas pessoas há muitos barbudos, e não é porque não fizeram a barba, mas realmente com uma barba grande, parece uma fraternidade ortodoxa. Pode ser, eles sejam de Slaviansk, não sei.
Muitas pessoas de aparência marginal, bêbados e criminosos. Este é o segundo grupo. E terceiro - militares. Militares, como militares.

- Então, isto é o exército russo no território da Ukraina?
- Penso que sim. Temo que sim. Se quisessem refutar, eles nos diriam. Mas eles nada dizem sobre si, não mostram os passaportes, não se apresentam. Mas não se atrevem dizer que são de Slaviansk.
O que pensar?! Resta apenas uma coisa. Enquanto isso, os moradores locais não os consideram seus compatriotas. 

- E os apoiam?
Sabe, a relação deles com os invasores, como à alguma intempérie. Eis, uma trovoada, tempestade ou procela: o que fazem com isto?! Eles não apoiam, eles simplesmente precisam aceitá-lo.
De diversas pessoas soou a frase: "Até sua chegada, tudo estava normal". Em certo sentido isto pode ser considerado como apoio a Ukraina. Naturalmente, é pouco. A pessoa, certamente, não vai lutar por ela e até tolerará se o território for ocupado. Mas, no entanto, eu não encontrei uma única pessoa que dissesse: "Sim, estes são os meus defensores, eles estão aqui por nós. Você saiam daqui, malditos europeus!"

- Houve outros encontros?
- Atravessamos a ponte sem problemas, pegamos um táxi e fomos para estação e aqui, acidentalmente, encontramos o último cigano que encontrava-se em Sloviansk.
Esta pessoa estava terrivelmente assustada. Ela voltou para pegar pertences da criança. Eu o parei, pedi para contar o que acontecia. No dia anterior toda comunidade cigana abandonou a cidade. Porque, segundo ele, as casas receberam disparos da rua. E todos os representantes da comunidade receberam ameaças de que seriam destruídos, inclusive crianças, se não forem embora.
Esta pessoa disse, que os homens armados querem que permaneçam na cidade somente os russos. E isto não se referia apenas aos ciganos. Ele deu exemplo de seus vizinhos que em casa falavam somente no idioma ukrainiano. Eles também receberam ameaças semelhantes.
O homem da comunidade cigana pediu, para ajudá-lo de alguma forma chegar a Rinal Akhmetov (O oligarca mais rico da Ukraina - OK), porque quer conversar dom ele.
Ou seja, Rinat Akhmetov é percebido como uma espécie de árbitro e governante de fato. Embora, por exemplo, os separatistas da administração regional de Donetsk consideraram traição   o fato  de que durante o último jogo Dínamo - Shakhtar no pódio estavam bandeiras ukrainianas. Eles consideram que desta forma Akhmetov os traiu. Mas ainda assim consideram-no rei.

Acabamos nos atrasando para o trem, pegamos táxi e fomos para Kramatorsk. Pelo caminho, em posto de controle rodoviário havia um franco grupo de marginais, que disseram que nós éramos espiões da União Européia, apresentando pretensões ao italiano e ao francês quanto aos seus passaportes, apesar de que nunca viram um passaporte italiano ou francês.

E no quilômetro 16 eu vi um posto de controle muito surpreendente, no qual, supostamente estavam militares ukrainianos sob bandeiras russas e de St. George. Estavam com os chamados voluntários.

Cossacos exilados em um dos postos de controle. Foto: Ekspert.onlain
- Quero esclarecer sobre os militares: eles possuíam marcas de identificação?
- Sim-sim, eles possuíam distintivos ukrainianos. Isto é simplesmente chocante. Sobre que operação terrorista pode-se falar?!...
Este Triângulo das Bermudas - Slaviansk - espalha-se por toda parte. E com isto algo é necessário fazer, caso contrário, será pior.

- Quanto tempo você permaneceu em Slaviansk?
- No total foram aproximadamente dez horas. Ficamos detidos não mais que duas. 
-Eles bateram?
- Não, no início agarravam com as mãos, mas foi só.
- Quanto tempo você está na Ukraina?
- Na Ukraina estou desde 8 de março: Kharkiv, depois Donetsk, Dnipropetrovsk, Odessa, Kherson, Zhytomyr, Novgorod-Volynskyi, Kyiv, Kharkiv, Donetsk
- A Criméia você foi?
- Depois da "conversa" em Donetsk compreendi que estou tomando posição pela Ukraina, apesar de que sou jornalista. Por isso entendi que é melhor não ir a Criméia. Além disso, eu conheci duas pessoas que estiveram duas semanas detidas na Criméia, que ficaram em Kherson para tratamento médico. 
Em Donetsk fiquei preso no SBU com agente do GRU (Central de Inteligência da Rússia). Aqui ainda entendi que havia Ukraina e eu aquietei-me, porque ainda trabalhavam alguns serviços, denunciavam alguém, algumas bombas.
E o que aconteceu agora, é difícil eu dizer.

Tradução: O. Kowaltschuk




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