segunda-feira, 22 de junho de 2015

Andrea  Graziosi: "Hoje lidamos com os efeitos do legado soviético em um ambiente totalmente novo.
Tyzhden.ua (Semana Ukrainiana), 18.06.2015

Famoso historiador italiano compartilhou com a Semana seus pontos de vista sobre o papel da iletrada, isolada elite soviética e processos de transformação de início dos anos 1990, sua relevância para o atual conflito russo-ukrainiano, destruição da arquitetura de segurança no mundo e os perigos da propaganda durante a guerra.


Semana: Com o que, em sua opinião, gira a influência da história e propaganda soviética e como isto afeta diretamente as realidades?

- A primeira e mais importante questão, que imediatamente vem à mente, - consequências adotadas em 1933, decisão que impõe dobrar a "ukrainização" (idioma, cultura, costumes - OK) e impor a russificação. Isto levou ao fato de que, a nação ukrainiana sobreviveu como marginalizada, com padrões não apropriados de idioma e cultura, o que não contribuiu adequadamente ao processo construtivo da nação. Outra questão, sobre a qual quero falar (a qual é verdadeira para todas as repúblicas soviéticas), - é o regime de isolamento da URSS como um todo, inclusive com a Rússia, não do Ocidente, mas de toda a civilização mundial. Stalin alcançou êxito criando uma cultura soviética, que cobriu todos os aspectos na esfera de vida da União Soviética. Permanecendo em isolamento, o desenvolvimento é, naturalmente, muito mais lento que estando em contato com o mundo exterior. Isto refere-se sobre o nível cultural da elite soviética. Yeltsin, pessoalmente, era um bom homem mas ele ultrapassou o nível de secretário do Comitê Regional de Sverdlovsk. Portanto o segundo problema - a elite. Não nos esqueçamos sobre o impacto da economia. Muitos falam sobre as profundezas da crise econômica, mas não lembram que nos anos noventa não existia base legal para fazer negócios. Não havia sistema fiscal, porque se não há negócios privados, o governo simplesmente pega parte do salário, e esse confisco não tem nada a ver com a tributação normal que ocorre em relação aos processos sociais.

Além das influências citadas, há uma série de outras, incluindo demográficas. Pensem sobre o alcoolismo. Verdade, que este fenômeno existe em quase todas as partes do hemisfério norte, no entanto, em países que estiveram sob regimes socialistas, tornou-se catastrófico. Verdadeira catástrofe demográfica, cujas raízes entrelaçam-se com sovietismo e regimes socialistas.

DUGIN E PROKHANOV INFECTARAM O ESPAÇO DA ELITE RUSSO

Semana: Cada regime totalitário, em todos os sentidos, tenta controlar a sociedade sobre a qual reina. Nisto, o quanto foram semelhantes o stalinismo, nazismo e o fascismo?

- Naturalmente, entre eles há muitas características comuns, justamente porque nos anos 1930, estes regimes observavam um ao outro e copiavam. A propaganda oficial soviética foi criada segundo padrão nazista. Estes regimes emergiram das realidades da Primeira Guerra Mundial. Eles tinham, por assim dizer, um pai comum - sociedade militarizada. Embora a diferença entre eles é muito importante. Se, falamos sobre o regime soviético, devemos considerar dois períodos na história da URSS: pós-revolucionário e após Segunda Guerra Mundial. O último, como a revolução de 1917 e a guerra civil que se seguiu a ela, mudou absolutamente tudo. Antes do início da Segunda Mundial, Stalin para o sistema soviético, desempenhou um papel crucial, especialmente durante a década de 1930. Os regimes de Hitler e Mussolini, então, eram populares mas não absolutamente, mas eram apoiados por muitos. Se você considerar o campesinato, então 80% da população da URSS odiava a coletivização.

No caso de Stalin existia a execução social ao seu regime, mas ela não foi tão ampla e poderosa comparando com aquelas em que se apoiava hitlerismo e fascismo. Para o regime soviético tudo mudou depois da vitória da Segunda Mundial porque o regime governamental adquiriu popularidade entre um segmento significativo da população. Não, nem todos o apoiavam (lembre-se do Gulag, deportados chechenos e tártaros da Criméia), mas em 1945 os soldados e suas famílias estavam satisfeitos com a vitória.Tal atitude mudou um pouco a natureza do regime soviético após a morte do secretário geral.

Semana: Então, a lealdade à União Soviética, que se formou após a Segunda Guerra Mundial determina os atuais sentimentos pelos "bons velhos tempos soviéticos", embora os últimos desempenharam seu papel negativo na anexação da Criméia, e da eclosão da guerra no Donbas?

- A guerra dá aos regimes a possibilidade de se tornarem mais atraentes para criar um império. Pense nas famílias da elite soviética. Exatamente para elas abriu-se o acesso à Europa depois de 1945. Moscou, então, se tornou a capital imperial. Após a morte de Stalin a sociedade recebeu aquilo que denominavam reformas: Gulag foi eliminado, novamente legalizaram o divórcio e os abortos, aboliram as regras cruéis segundo as quais poderiam ir para os campos de concentração por um banal atraso ao trabalho. E, exatamente nisto houve a esperança na longevidade do referido regime. Não, isto não foi um milagre econômico como no Ocidente, mas a vida se tornou mais leve.

Em meados de 1960 começaram aparecer certos problemas, momentos de crise e complexidade, que surgiram diante do regime soviético. Isto é bem visível da então imprensa, que escrevia sobre o alcoolismo e criminalidade que rastejava para cima, as pessoas não trabalhavam, roubavam no seu trabalho. No ar pairava a sensação que a economia soviética e o sistema social não funcionavam corretamente. Exatamente naquela época os cidadãos da União Soviética viram o "milagre no Ocidente". Permissão para ter um carro para uso privado ilustra claramente essa mudança.

O modelo soviético começou a ficar desacreditado, primeiramente aos olhos da elite da URSS. Todos que lidavam com elas, sabem, que a elite queria produtos importados para si. O colapso da União Soviética começou porque, a mais privilegiada parte do regime soviético, de Politburo e abaixo, começou a pensar, que a União Soviética não lhes proporcionava o nível de vida igual ao do Ocidente.
Mudanças significativas começaram desde que surgiu a certeza que o regime perdeu. Mas, depois que o regime soviético entrou em colapso, em vez de melhorias ocorreu a deterioração. Isto aconteceu porque não foi suficiente simplesmente dizer: "Não, nós não somos mais pessoas soviéticas, mas do estilo ocidental", preservando elite e sociedade isoladas e ausência de novas tecnologias.

Semana: O nacionalismo tem muitos modos de existência e, obviamente, modifica-se de acordo com as interrogações de seus representantes. Justifica-se tal afirmação no caso de Putin?

- Na verdade, não há um e para sempre nacionalismo de Putin, trata-se antes sobre evolução do discurso nacionalista em tempos desse líder. Muito depende da atitude da elite governante e sua percepção de idéias, bem como o envolvimento de marginais como Dugin e Prokhanov. Importante, que eles infectaram o espaço intelectual desta elite.

Para mim, a evolução do discurso pró-regime na Rússia fazia-se para as necessidades da guerra. No início as declarações de que, o Estado deve controlar os oligarcas e o pagamento dos impostos, muitos percebiam, como, enfim, a guerra na Chechênia. Se Putin acreditava em "Novorossia", quando começou a falar sobre ela? Quem sabe. No início dos anos 1990, estando no círculo da Anatoly Sobchak em São Petersburgo, ele já começava falar sobre a questão das minorias russas no exterior e o que fazer com elas. Então, isto realmente era problema, porque após a fragmentação da URSS milhões de russos tornaram-se cidadãos de outros países, não da Federação Russa.

Putin condenou Rússia ao isolamento do resto do mundo. O que está acontecendo hoje, é muito perigoso. Isto é política de um grupo de pessoas, que não tem oposição, porque o Ocidente praticamente não pode fazer nada, Ukraina é fraca. Sim, seu país revelou-se suficientemente forte para combater a agressão, mas não para enfrentar uma guerra. Em tais condições apenas Putin pode parar por si mesmo. E, isto é muito ruim. Vocês tem a questão com regime de excepcionalmente forte líder que mudou sua comitiva. Agora é importante definir o preço por suas ações, o que não é nada fácil.  

Semana: A instabilidade atingiu não apenas Ukraina, uma vez que a arquitetura de Helsínquia de segurança de no mundo foi destruída por uma espécie de decisão por consenso. Hoje, sobre consenso, você poderá ouvir, que isto é "posição de fracos"...

- Não há nada surpreendente na instabilidade, sobre a qual nós conversamos. Depois da queda do império soviético, foram necessários cinco anos, para que tudo se encaixasse. A situação, então, era muito melhor, porque não havia guerra em curso. As dificuldades surgiram também pelo fato, de que os países que emergiram das ruínas da União Soviética, não muito claramente definiram suas fronteiras. Cazaquistão tem tais problemas até hoje, e por isto não expressa seus pensamentos quanto as atuais ações russas. As elites de Cazaquistão, entre si falam, que a fome em seu país, em termos percentuais, foi ainda pior que na Ukraina, mas publicamente silenciam, para não ter contradições com Moscou. A não regulação de relações entre as ex-repúblicas da União Soviética, é aquele legado soviético que se conseguiu manter tranquilo e sonolento, hoje está descongelando, o equilíbrio estabelecido foi violado. Lembre-se: a guerra civil em 1917 começou com o fato de que a Rússia Soviética lançou uma ação militar contra  socialistas ukrainianos. Sim, entre Ukraina e Rússia por 20 anos não houve conflito armado. Mas hoje temos a questão com as consequências do legado soviético comum, ambiente totalmente novo.

Semana: Na Ukraina a questão da propaganda e contra-propaganda. Qual é a sua opinião sobre isso?

Para mim está claro, que Ukraina - é país em guerra, que esta guerra não quer. Mas é muito difícil não participar nela, se ela destrói o seu território. Portanto, a questão do conflito armado vai aprofundar-se, o que pode causar muito negativismo. Não rejeitemos a possibilidade de uma nova propaganda na Ukraina, a ascensão de um novo regime nacionalista na esteira da guerra. A mim parece, que a tentativa de forjar a identidade ukrainiana, perceber-se numa forma muito mais progressista, num modo mais aberto ao mundo, é uma coisa muito boa para Ukraina. Mas, direi francamente: não tenho certeza que o projeto terá sucesso. O problema é que nem todos concordam com esta tentativa, e eu falo não apenas sobre os russos. Por enquanto não vejo uma visão comum por toda vossa sociedade, como deve ser Ukraina, e apoiar este projeto concretamente. Sim, uma clara maioria do país não gosta de Putin, e isto une. Mas divide vocês a ausência de consenso na visão do futuro de seu país. Putin continuará a guerra para desestabilizar Ukraina de todas as formas, não deixará que os ukrainianos se unam ao redor da idéia de abertura ao mundo.

Nota biográfica: Andrea Graziosi - historiador italiano, pesquisador da história da Ukraina, União Soviética e Europa Oriental. Professor de História Moderna na Faculdade de Ciências Sociais e História Moderna na universidade "Frederico II" em Nápoles. Trabalhou nas Universidades de Pittsburgh, Pensilvânia, Washington, Moscou, Berlim e também na Universidade de Harvard. Desde 2007 - presidente da Sociedade Italiana para o mundo da História Contemporânea. A partir de 2009 - colaborador científico do Centro Davis em Harvard. Autor de "Guerra e Revolução na Europa 1905-1906", "Cartas de Kharkiv".

Tradução: O. Kowaltschuk

Nenhum comentário:

Postar um comentário