sábado, 27 de setembro de 2014

Tártaros da Crimeia. A vida num casulo.
Ukrainska Pravda-Zhyttia (Verdade Ukrainiana-Vida), 12.09.2014
Katyrena Serhatskova

Assim que na Crimeia começaram a se desenrolar os acontecimentos sobre a tomada do poder pelos "homens verdes" - primeiros e, em geral, os únicos que maciçamente se opuseram à anexação foram os tártaros da Crimeia.

Nação, que por décadas lutou contra o regime, inclusive o ukrainiano, - assumiu o lado de Kyiv, e os líderes do "Majlis" Parlamento da Crimeia ) Mustafa Jemilev e Refat Chubarov anunciaram, que os tártaros da Crimeia em nenhuma circunstância irão reconhecer Crimeia como território russo.

Tal posição inspirava confiança - a todos, que consideravam as ações da FR na Crimeia como ocupação ilegal e ocupação  de uma parte da Ukraina. A nação crimeano-tártara tornou-se símbolo da luta pela Crimeia.

Passaram-se alguns meses após o referendo de 16 de março. A guerra no leste da Ukraina ganhou força, a península ficou esquecida. As forças dos tártaros da Crimeia diminuíram.

Depois que Jemilev e Chubarov foram colocados na "lista negra" e expulsos da península, esmagaram a série de ações de massa, os tártaros crimeanos começaram a ser chamados em dúzias para "conversas" com os funcionários do FSB - luta pública, na verdade deu em nada. Eles, como antes colocam nos carros bandeiras ukrainianas e cumprimentam-se com o slogan "Glória a Ukraina", mas já com alguma cautela.

De lutadores pela única Ukraina eles transformaram-se em dissidentes, e cada ação coloca sua liberdade em risco.

"Verdade Ukrainiana" conseguiu conversar com alguns representantes da nação tártara-crimeana e descobriu qual é o humor predominante na península e se é possível uma divisão em sua comunidade.

"Eu me sinto como um prisioneiro. Embora ninguém me colocou numa prisão..."

O ex-chefe do distrito de Bakhchisaray Ilmi Umerov sorri tristemente e parece cansado. Em março ele conclamou os tártaros crimeanos recusar-se a votar no referendo ilegítimo, e recentemente, por princípio, desistiu de seu cargo, sem esperar pelas eleições. Seu lugar ocupou Valery Goncharenko, um empresário local, que possui pomares de maçãs e não tem experiência de serviço público e gestão de grandes equipes.

- Nós conversamos com Umerov no restaurante "Muzofir" - uma das cinco instituições em Bakhchisaray, que recentemente foram visitadas por pessoas armadas, com um mandato de busca, a pretexto de que a empresa não está totalmente definida. Os proprietários das cinco instituições são tártaros crimeanos. 

Isto está acontecendo agora em todos os lugares, diz Umerov. Ele pensa, que a finalidade das atuais autoridades da Crimeia é intimidar os tártaros, fazer com que eles se tornem "obedientes". "Porque você não pode ser desobediente na Rússia", - constata ele.
- Nós somos muçulmanos, e nossos templos chamam-se mesquitas, as escolas - madrassas - explica Umerov. Em cada uma, de uma forma ou outra realizaram buscas de literatura proibida. Se encontram, eles abrem processos criminais e começam perseguições". 

Com o próprio ex-funcionário "conversas" semelhantes ainda não houve. Ele explica isto com o fato de que "sua categoria de peso é, diferente", e por enquanto ainda não o pressionam, apesar de suas declarações serem fortes - como as recentes chamadas para ignorar as eleições para o Parlamento da Crimeia.

Eleições agora - o tema mais discutido na comunidade tártara da Crimeia.

Em 14 de setembro, quando se realizará, segundo leis russas "o único dia de votação", eles consideram um momento marcante para península. Umerov considera que as eleições mostrarão, se conseguiram as autoridades russas dividir a sociedade da Crimeia.

"Eu admito, que 5 - 10 por cento dos tártaros da Crimeia podem ir às urnas, não mais, - diz ele. - Nós temos a expressão "bons tártaros" - aqueles que são dispostos ao servilismo, a dobrar-se. Eles concorrem às eleições,  os mais conhecidos, pessoas com autoridade e influência entre eles não há". (Segundo sites ukrainianos, as eleições se realizaram com falsificações quanto ao comparecimento às urnas - OK).

Ulmi Umerov
Remzi Iliaso, ex-membro do Majlis, hoje vice-presidente do Conselho de Estado da Crimeia também foi classificado como "bom tártaro".  O humor oposicionista, de acordo com os representantes do órgão, apareceu depois de sua derrota a Kurultay (órgão de representação popular). 

Segundo Umerov, Iliasov foi escolhido para dividir os tártaros. Na mídia já lançaram "boatos", de que os tártaros já escrevem declarações pedindo votação antecipada, "para não serem vistos nas seções eleitorais no dia da votação".

"Eu tenho certeza , que não ocorrerá o que eles conceberam, - diz Umerov - O perigo existe, mas penso, que argumentos políticos não serão suficientes, apesar de que agora, nós estamos um pouco confusos..."

Mustafa Jemilev e Refat Chubarov não permitiram na Crimeia, os dois nossos líderes estão ausentes. E nós preparávamos Chubarov como sucessor, não como companheiro no exílio..."

Nós sempre estivemos num permanente estado de luta, nem tudo era fácil, mas na Ukraina nós tínhamos amigos, que nos auxiliavam. E somente agora, quando Crimeia - território anexado, surge a possibilidade de tomar algumas decisões no Parlamento.
Apesar de que, conduzir luta política pela liberdade torna-se cada vez mais difícil, diz Umerov, que sair da Crimeia não pode. Se anteriormente, durante o governo ukrainiano na Crimeia, ele e seus amigos falavam que era necessário criar a República Autônoma da Crimeia, agora, na ordem do dia - a luta é pela volta da Crimeia à composição da Ukraina. E quando este problema for resolvido, eles continuarão a lutar pela autonomia e exigirão o status de nação titular no território da península.

"Como você se sente agora?" - Pergunto a Umerov, embora a resposta não é difícil prever.
"Eu estou desconfortável, - responde ele. - Sinto´me como um prisioneiro. Embora ninguém me segure, não me colocaram na prisão....
Mas, não importa o que aconteça, vou continuar a viver na minha terra natal".

"Às vezes nós choramos e nos abraçamos, quando nos encontramos".

Ultimamente, no espaço da mídia cada vez mais surge a questão: o que aconteceria se, então, em março, os tártaros da Crimeia pegassem em armas. Poderiam eles impedir a anexação?

Todos os meus interlocutores respondem claramente: ninguém teria ido para guerra. Os tártaros da Crimeia sempre usaram apenas meios pacíficos de resistência, esforçavam-se conseguir suas metas através do trabalho da sociedade e governo. Não surpreende que socialmente ativos na península eram eles. À parte tártara na Crimeia recebeu mais subvenções e programas nos últimos 5 - 10 anos, eles conseguiram alcançar uma atitude tolerante por parte de outros habitantes.
Verdade, depois da anexação, estes sucessos forma enterrados sob os escombros de ódio, que acordou naqueles crimeanos que apoiaram a anexação à Rússia.
Mais agudamente este ódio manifestou-se na primavera. Mas até agora os tártaros crimeanos sentem olhares de soslaio, e muitas vezes ouvem: "Vá para sua Ukraina, e nós ocuparemos suas casa".

Naturalmente, em um ambiente tão hostil, dificilmente poderão realizar quaisquer atividades sociais. Mas a representante local Dilara - ela, como muitos de meus interlocutores pediu para não nomear o seu nome - considera, que mesmo na situação atual é importante continuar o trabalho anterior.
Junto com correligionários, ela já por muitos anos ocupa-se com a questão do renascimento da educação e escolaridade no idioma tártaro crimeano. No período da independência da Ukraina, ao coletivo de professores a que pertence, conseguiu a criação de 15 escolas com idioma tártaro crimeano, e aproximadamente 100 classes em escolas e jardins de infância.

"Como será agora, não se sabe, - suspira Dilara. - Agora, de fato, o número de aulas de literatura tártaro-crimeana e idioma já foi minimizada, apesar de que , na enviada à Crimeia Constituição a tártara crimeana consolida-se como estatal.
E tudo é necessário experimentar na atual situação - uma vez que, a nenhum outro local não iremos e, em geral, dedicamos a nossa vida voltar à nossa Pátria, - manter o que até agora preservamos, e o nível do idioma proteger.

Dilara lembra, como nas manifestações dos tártaros crimeanos voavam helicópteros, abafando os discursos. Depois disto, diz ela, a netinha de seus amigos se esconde, quando houve este som, - que tanto a assustou. 
Dilara acredita, que as repressões atuais aos tártaros crimeanos são necessárias aos ocupantes para reforçar a imagem das novas autoridades, para mostrar que esse é´"povo sem valor", para que ninguém pense: "Mas nós não vamos parar, nós vamos tentar fazer algo".
Dividir-nos é impossível, apesar de que alguns consideram que isto pode acontecer, mas isto ainda não é o fim."

Eu pergunto a Dilara: e não há ofendidos com Ukraina por ela não ter defendido a península? Ela sorri com indulgência: Muitos, ainda no período do Maidan diziam: Ukraina não nos deu nada, para o quê ela nós é necessária? Mas você não pode juntar todos sob uma Ukraina.
Todo o país vivia com aquelas autoridades, general russo dirigia o SBU, o que poderia se esperar? Nós mesmos nada fazíamos, para mudar o país. Portanto a culpa é de toda a sociedade, e nós somos partícipes. Nós nos esforçamos para mudar algo, mas não conseguimos porque somos poucos.

Pensando um pouco, Dilara acrescenta: "Sim, nós realmente estamos como presos. E, às vezes nos choramos e abraçamos um ao outro quando nós encontramos. É difícil...

"Veja só as nossas prateleiras.Viu? Nada russo não há".

O ativista social e empresário Aider Muzhdaba me atende em uma pequena mercearia, de propriedade de sua família. 
Com satisfação ele aponta o balcão. "Veja, nos temos apenas produção ukrainiana! Inclusive "Roshen" (Chocolates da fábrica do presidente Poroshenko, na Ukraina - OK) exclusivo, não é produção russa, gaba-se ele. - Apenas as gelatinas tive que substituir para russas, não havia outra saída.
Vinham os russos, ofereciam seus produtos. Nós recusamos a todos. Viram? Não há nada russo. Mas se ficar difícil, talvez chamaremos. Eles, silenciosamente se retiraram: talvez não sejamos os únicos que recusam".

Antes da anexação da Crimeia Aider envolvia-se em sua organização social com a integração europeia, ensinava nas escolas, educava para tolerância e desenvolvia educação informal. Agora seu trabalho está congelado: os fundos, ele, por princípio não apresenta, porque reconhece as autoridades russas na Crimeia. Mas, com alegria, dispõe-se a pagar todas as multas, quando a península voltar para Ukraina.

Como muitos tártaros na Crimeia, Aider pensa, que na Ukraina começaram esquecer a Crimeia. "Ukraina preocupa-se apenas com a questão dos refugiados, e por isso perdeu a comunicação com a Crimeia. É necessário, penso eu, envolver ativistas da Crimeia, estudar os humores da população local, criar programas analíticos. Além disso, precisa, em geral, desenvolver a estratégia do retorno da Crimeia. Por que isto não se faz? Na Geórgia há um ministério temporário dos territórios ocupados, eles podem fornecer uma valiosa experiência...

Você entende, eles (os ukrainianos) esperam os tártaros iniciarem aqui um movimento. E nós esperamos que, quando os ukrainianos acabarem com a guerra, dedicar-se-ão à Criméia. Nós ainda toleramos, mas é preciso fazer algo!"

Colega de Aider, Muzafar, também por muitos anos preocupou-se com a questão da integração européia e desenvolvimento do governo local. Vários anos foi presidente da aldeia. Foi afastado quando Yanukovych chegou ao poder, mas esperava voltar para a gestão, quando venceu Maidan. 

Agora Muzafar está desconcentrado: todas as esperanças ruíram. "Eu me sinto deprimido porque vivo num território ocupado, - diz Muzafar. - E, provavelmente, não poderei viver aqui por muito tempo. Agora eu entendo, que não sou necessário para ninguém. Mas ao governo eu não irei, por princípio".

De acordo com observações de Muzafar, com anexação não acostumar-se-ão 95% dos tártaros da Crimeia. Ele não recebeu, e não pretende receber um passaporte russo - como, aliás, ir às urnas.
Mas viver em tais condições é cada vez mais complexo: depois da ação de 18 de maio, Dia da Memória da deportação dos tártaros(¹), na sua região não fizeram mais manifestações públicas. Cada vez mais pessoas temem repressões.

"Nós sempre nos perguntamos: o que é que fizemos para voltar a Ukraina? Muitas pessoas contam com o fato de que as instituições internacionais farão o seu melhor para voltar Crimeia à Ukraina. Às vezes eu penso, que apenas as ações radicais farão com que as pessoas compreendam em que situação se encontram". 


... Todos os meus interlocutores... falando sobre seus problemas, de alguma forma sorriam. Como crianças que foram punidas injustamente, mas em seus olhos surgiam lágrimas e os olhos tremiam.
Os tártaros da Crimeia - que permanecem como apoiantes da Ukraina - parecem como se estivessem enredados em teias e injetados com veneno paralisante. Crimeia para eles hoje é como casulo em que foram forçados entrar. Cativeiro, do qual não dá para fugir mas, enquanto há possibilidade, ao menos pedir por ajuda!

E esta ajuda, eles realmente precisam.

l. Em 1944 os tártaros da Crimeia foram deportados, na grande maioria, para República Socialista Soviética Uzbequistão. Cerca de 20%, segundo União Soviética, morreram no exílio durante os primeiros 18 meses. 46% segundo ativistas tártaros. Devido a fome, sede e doenças 45% do total morreu no processo da deportação - pesquisa Google).

Tradução: O. Kowaltschuk

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