quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Na prisão da "DNR": como era. História do voluntário liberado.
Ukrainska Pravda - Zhyttia (Verdade ukrainiana - Vida), 17.09.2014
Galina Tytysh


Gennady Krotcha, 45 anos, na aparência lembra o médico Aybolita: bondosos olhos sob óculos, não apressados movimentos e desejoso de ajudar. Mas Gennady não é médico, mas um simples pequeno empresário de Uman que nos últimos meses não tem nada em comum com ganhar dinheiro.
Ele - um voluntário, que na Ukraina, iguais a ele são centenas. Gennady recolhe, em diferentes lugares, através de conhecidos , encomendas para combatentes e leva-as para linha de frente. No entanto Krotcha não teve sorte - ele sentiu na própria pele os "riscos" deste trabalho. No sentido literal das palavras  "sentiu na pele": Em primeiro de agosto caiu nas mãos dos combatentes da "DNR" (República Popular de Donetsk) em Mariinka.

Durante três semanas de cativeiro - no início, no SBU de Donetsk (Serviço de Segurança da Ukraina - prédio agora ocupado pelos terroristas), depois em Shakhtarsk - o homem várias vezes despedia-se da vida, colocava no bolso uma cartinha para família e constantemente pensava num plano de fuga, apesar de saber, que era impossível. Ele foi libertado em 24 de agosto.

... Em liberdade Krotcha conseguiu descansar, os hematomas sararam. Apenas uma longa cicatriz no intercílio e dor nos rins lembram os acontecimentos de agosto.
Mas o homem não desanimou, planeja ir novamente ir à linha da frente. Embora reconheça, que depois de tudo que passou, deseja mais juntar-se ao exército.

Encontraram cápsulas para estômago: metade preta, metade vermelha. "Setor Direito" - gritam.

Eu viajava com Ivan Kryvenko ao batalhão "Luhansk 1". Ivan tem 57 anos, ele é arquiteto, eu 47, sou empresário. Neste batalhão há muitos de nossos conhecidos do Maidan. Nós levávamos ajuda para eles. E também levávamos encomenda para um combatente em Granito - seus amigos de trabalho juntaram tudo  necessário: armadura, capacete, cotoveleiras, cigarros e remédios.

Então, depois de "Luhansk 1" nós fomos para Granito através de Chervonoarmiysk. Estava escuro, decidimos passar a noite - e pelas notícias soubemos que Donetsk estava cercada. Mar'inka é nossa, diz meu parceiro: "Lá eu conheço tudo, iremos por Mar'inka". Então nós fomos. Estrada plaina, sem bloqueios. O primeiro ponto de verificação não era visível da estrada - ele está na subida, nem a bandeira é visível, talvez vindo do outro lado. Na estrada ônibus com inscrição "Crianças". Nós nos aproximamos ao ponto de verificação, aproxima-se um militar e nós vimos... fita de São George (símbolo russo - OK).

No meu carro - um Ford Transit azul, o qual eu usei durante todo o Maidan, havia lenha e adesivos. De um lado "Auto-defesa do Maidan, bandeira ukrainiana, no meio, "Putler kaput" (Presumo que deve significar "Putin acabou, morreu - OK), e também Yanukovych na aparência de um cachorro.
Aqui nos começaram bater com cassetetes, automáticos, pés, punhos! Batiam com gosto - aonde acertavam. Eu conheço um pouco desta arte, então posso dizer que não batiam profissionalmente. Eles são selvagens, cheios de ódio, mas não sabem como fazê-lo.

Gritavam que nós prestávamos assistência à aviação. Eles não sabem que os assistentes não entram em território alheio com bandeiras. Começaram procurar faróis no carro, gritavam: "Com quem você deveria contactar?"

Como anteriormente participamos de ações, no carro havia hastes para banners. Eles disseram que era para dar sinais aos aviões"
Depois encontraram pílulas para estômago. Cápsulas - metade preta, metade vermelha. "Setor direito"(¹)- gritavam. A bandeira deste grupo é nestas cores - OK). Encontraram comigo 50 unidades de dinheiro chileno, eu as carregava junto aos documentos. Já nem lembro aonde as consegui, mas quando as viram, disseram: Isto é uma senha! Com quem você deve contactar?!

No carro lançaram-se, como reage um bando de macacos quando lhe jogam bananas: removiam assentos, rasgavam o forro.
Eram moradores locais. Os que nos espancavam, na maioria tinham 20 - 30 anos. Os mais velhos observavam. Talvez sentissem vergonha em nós bater - afinal não somos pessoas jovens.

Queimavam nossos cabelos, gritavam e batiam... Eu fiquei coberto de sangue. Um deles colocou a arma na testa do Ivan - eu vi com o canto do olho, mas não vi que ele desviou a arma antes de atirar.
Depois este rapaz cutucou minha testa com uma pistola, e o outro no prumo. Então, de repente corre para o comandante e grita: "Estes pertencem a algum grupo de inteligência, porque eles não se urinaram". Alguém numa situação semelhante, parece que urinou-se, mas nós não sabíamos que precisava proceder assim. Se soubéssemos poderíamos passar por pessoas normais (risos).

Depois o comandante chamou a "TV" local, veio um rapaz magricela, com trança. Interrogava-nos: "Quem são vocês? O que está acontecendo aqui?" Eu respondo: "guerra, você não vê?" Ele explica: "Bem, isto é ATO". Eu retruco - "não , isto é guerra real". Parece que assim é. 
Doía muito minha cabeça - foram muitos golpes Ela me dói até agora, por isso eu não lembro tudo, o que ele perguntou. Depois ele foi embora e nós fomos levados ao SBU de Donetsk.

Fomos colocados no corredor, de frente para parede. Batiam principalmente nos rins. Simplesmente aproximavam-se e batiam - desde a entrada no prédio. Parece que você está aqui, então pode apanhar bastante e com muita força. Logo perguntaram de onde éramos. Eu - de Uman, Ivan de Odessa. Isto, parece, que diminuiu um pouco a sua raiva - os locais são considerados como traidores. Disseram que eles tem um "decreto" de 24.07.1941. Eu não entendi a correlação. Lá o tempo parou, pegaram algo do passado, algo do presente, e assim vivem.  Certo dia eles tiveram uma procissão ortodoxa, cantavam hinos, eu ouvi da câmera.

Os mais odiados são os dos batalhões voluntários. A Guarda Nacional denominam "natsyki" (pejorativo da palavra "nazista" - OK). A todos os outros - "ukropy" (? - OK) e ainda "Setor Direito".
Como é que eu sei? Em nossa câmara havia dois militares. Eles disseram que o tratamento a eles é mais leniente porque eles não foram à guerra por conta própria, foram convocados.

Ele, na minha presença acessa na Internet "Luhansk" 1" e aparecem sinais fascistas. Eu não entendo, o que está acontecendo, mas também no Facebook e em toda parte - estes sinais.

Antes de chegarmos a "Luhansk 1", paramos em Kharkiv, no acampamento de refugiados. A chefe Helena presenteou-nos com uma bandeira ukrainiana. Pensamos colocá-la no automóvel. Mas eles encontraram. 
O carro ficou no ponto de controle, mas tudo o mais - bandeira, anotações - juntaram e transferiram para o SBU. 
 No início do interrogatório em Donetsk, jogaram a bandeira no chão e começaram limpar com ela os pés, pular e dizer: "Tem sangue nesta bandeira". Depois gritaram: "De joelhos!" e começaram bater nas pernas. Depois ajudei Ivan, porque sozinho ele não conseguia levantar. Depois o levaram para outra sala, me disse um ex-berkut. (Berkut era o nome de parte da milícia do governo Yanukovych. Esta milícia, até nas manifestações comemorativas de datas nacionais agia com muito rigor e selvageria. Quase sempre muitos manifestantes acabavam presos. Geralmente os tumultos eram provocados por elementos pagos pelo governo. Então, Berkut entrava e "estabelecia" a ordem com cassetetes - OK). Ivan até teve sorte, o "berkut" que cuidou dele, tinha alguma consciência e até pediu desculpas pelo espancamento.

Eu fui entrevistado por um ex-berkut. Embora isto foi mais uma surra com gritos, não um questionamento. Ele começou dizendo: "Agora você será dado às mulheres para ser torturado. Àquelas cujos filhos vocês mataram". Na imaginação deles, tudo o que não lhes deu certo, então foram os ukrainianos os causadores dos problemas. Mas, na praça nos levavam, caso contrário, eu não sei o que seria...
Começaram me dizer. "Então, aonde você vê os chechenos e os russos?" Eu ficava quieto, porque ali eu via gente de Donetsk, mas eu não tinha a imagem perfeita...

Todos contavam a história da criança de Sloviansk(²).  Às vezes ela foi fuzilada, às vezes pregada numa tábua. E eles acreditam nisto. Vocês não imaginam como eles acreditam!...
O "Berkut" dizia, que nossa mídia é toda ela mentirosa. Mostrava imagens onde 4-5 seus combatentes, na rua Vasselkiv bebem café. Mas, na imprensa avisaram que era vodka.
Ainda diziam, que a duração para aprisionamento são 5 dias, 15 dias e fuzilamento acontece no 16º dia. Se era para nos assustar? Não sei.
Mostravam vídeo para que víssemos como guerreavam. E víamos jovens de 15 anos como comandantes.
Perguntavam aonde levávamos ajuda. Resolvi não mentir e disse: "Para Luhansk-1". 
O "berkut" liga a internet "Luhansk-1" e aparecem símbolos nazistas. Eu não entendo. No Facebook e em todos os lugares por eles pesquisados não há sinal de "Luhansk-1" apenas sinas fascistas.
Diziam: final aos seus, subleva-se Kherson, Odessa. Breve nossos estarão em Kyiv. Eu entendo que isto é blefe. Depois escrevi explicações a Strelkov (um dos líderes separatistas - OK).

Depois nos enviaram para câmara. Tivemos cerca de 12m², geralmente com 14 pessoas. Quando deitados sobrava espaço apenas para os calçados. Entre os presos havia duas pessoas presas no aeroporto. A noite toda alguém gritou. Quem e porque eu não sei.

Nos dias em que fiquei preso passei fome. Não havia muito o que comer. 100 - 150 gramas de papa por pessoa e um pão para todos.

Todos os dias eu pensava em fugir, mas não estava claro para onde. Assim ficamos três dias, depois nos levaram para Shakhtarsk.

Eles são tão bitolados, que eu não sei, o que poderá convencê-los do contrário.

Mandaram cavar trincheiras. Você cava, cava, e ali - pedra. Você passa para outro local. Apesar de que trincheiras não eram realmente necessárias. Bem, imagine a área. Campo e a uns três quilômetros, prédios. Se a pessoa está em uma trincheira, ela espera o inimigo vencer esses três quilômetros enquanto nele atiram de cima... É apenas circo.

A cidade está vazia. No quinto andar, por exemplo, vivem duas pessoas. Este era o território de meio quilômetro, dividido em alguns setores. Nós podíamos andar por ali, ele era guardado por 30 pessoas.

Um homem foi pego porque carregava uma lanterna que era necessária no seu trabalho, mas ele foi detido, porque decidiram que a lanterna era para sinalização aos aviões.

Quando cavávamos trincheiras, eles vinham contar vantagens. Talvez tenha sido essa intenção porque Ivan já dizia que eles são bons rapazes...
Cada um conta que"viu pessoalmente" como de uma ambulância retiravam órgãos humanos ou de veículos blindados com identificações médicas, e que americanos e poloneses lutam por nós. Coisas assim.
E ainda - que esta sua terra é muito valiosa. De diferentes modos, mas todos repetem a mesma coisa. "Aqui nós temos gás de xisto, urânio, viveremos às mil maravilhas. E também a história do menino de Sloviansk - que de forma diferente repetem todos.
Eles são tão bitolados, que eu não sei, o que pode convencê-los do contrário, não imagino.

Todos estes 5 dias ficamos nas trincheiras: cavávamos num local, depois no outro. Eles seguem o slogan soviético: "O trabalho resgata a culpa".
Quando cavávamos, recebíamos pão, às vezes Mivina (? - OK) , grandes quantidades de cigarros e chicles - bombardearam uma loja e tudo estava diretamente no chão. Depois não tinha o que comer, nós nos aproximávamos e perguntávamos: "Vocês têm alguma comida?" Imediatamente eles respondiam - pegue cigarros.
Mas lá havia hortas abandonadas, algo nelas nós encontrávamos.

Entre os voluntários havia umas dez pessoas mais ou menos conscientes. Eu os chamo ortodoxos: todos usavam barbas, andavam com cruzes mas armados, de uniforme. Mas estes não bebiam, não fumavam e não xingavam o tempo todo.

Tive a impressão que a maioria não guerreava. Eles estiveram em Sloviansk, mas não tinham experiência de luta. Um deles disse que atirava. Para onde, não sabia, mas atirava. Em Shakhtarsk, eles atiravam todas as noites. Vinha um carro, ouviam-se tiros, o carro se afastava, novamente tiros. Das áreas civis atiravam novamente.

Nos primeiros dias, a noite inteira atiravam, por vez, do autômato. De dia atiravam em qualquer lugar. Passou um avião, já não é visível, eles atiram... Mataram muitos pombos, não têm nada para fazer.

No porão havia ratos. Nós conseguimos velas com os locais, e as queimávamos a noite toda. Durante este tempo estivemos em três porões diferentes.

Até o último momento não pensei que ficaríamos vivos. Era mais simples enterrar-nos aqui, do que levar-nos para algum lugar.

Em Shakhtarsk ficamos 18 dias. Depois nos trouxeram de volta para SBU. Jogaram na câmera - que era o antigo arquivo. Lá há seis andares de prateleiras de metal. Eu contei as "camas", lá havia, mais ou menos, 70 pessoas. Eles jogaram fora os documentos. 
Eu escrevi uma cartinha para minha família e coloquei-a no bolso - pensei, não ficaremos vivos. É mais fácil nos enterrarem aqui.

Todos diziam que haveria anistia. À noite começaram soltar aos poucos. Entregaram o telefone a Ivan, ele começou telefonar a todos os conhecidos. Todo nosso dinheiro pegaram. Mas em Donetsk encontramos pessoas que nos deram dinheiro para voltar, e roupas para Ivan.

O carro não nos devolveram. E agora nós procuramos algum carro para podermos continuar nosso trabalho.
Para uma viagem já temos "ajuda humanitária". Em Petrivtsi, parte na margem esquerda. Na última vez assim viajamos. Aqui carregamos parte da "humanitária" - em Lubni, depois Poltava - lá temos Sasha, com pernas paralisadas, eu não sei como ele faz isso, mas ele consegue obter produtos. 5 - 6 caixas sempre recebemos dele para levar. E daqui partimos, totalmente carregados, vamos para Luhansk.
Se eu não tenho medo ir lá - não ouvirei os porta-vozes da ATO, irei pelo caminho indicado por combatentes do batalhão. Eles sabem quais as cidades são nossas, e em quais alguém entrou por uma hora...

l .A história do "menino crucificado" para "Primeiro Canal" inventou a esposa do combatente da "DNR" refugiada de Sloviansk. É uma história de atrocidades do exército ukrainiano, no centro da cidade, no dia de sua libertação. No libertado Sloviansk não se encontrou nenhuma pessoa que, pelo menos ouviu falar, sobre a crucificação da demonstrada crucificação, de um menino de três anos de idade, na presença de sua mãe. O jornalista Eugene Feldman conseguiu provar que esta estória é mais uma falsificação da mídia russa. A resposta dos moradores que testemunharam as primeiras horas de estadia do exército ukrainiano que libertou a cidade, foi: Nada parecido houve. São fofocas. Pelo contrário, o exército Ukrainiano, soldados - eles apareceram como anjos-libertadores.

2. Setor Direito. Nos últimos dias do Maidan é que o Setor Direito começou a ser falado. Compunha-se de cidadãos resolvidos, de pouca conversa e bastante disposição. Sua participação foi importante na vitória. Depois do Maidan eles formaram partido político e seu líder Dmytro Yarosh chegou a se candidatar à presidência, mas não se empenhou. Ele é presidente da Organização Nacionalista "Tryzub" em nome de Stepan Bandera. Stepan Bandera foi um dos organizadores da resistência aos bolchevique antes da II Guerra Mundial. Ele contava com a ajuda dos alemães. Mas, assim que os alemães entraram na Ukraina, os lideres da resistência declararam o Estado da Ukraina. Stepan Bandera foi preso pelos alemães e enviado a prisão na Alemanha. Posteriormente lá ele foi assassinado por um espião ukrainiano a serviço da União Soviética. Os russos não se conformam, até hoje, com o desejo de uma Ukraina livre da Rússia e denominam de "nazista" a todo ukrainiano que não quer se submeter ao jugo russo.

Tradução: O. Kowaltschuk

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