quarta-feira, 22 de abril de 2015

Slovyansk. Um ano após "DNR"
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 15.2015
Anastásia Rinhis


Em 12 de abril do ano passado o Departamento de Polícia da cidade de Slovyansk foi capturado por um grupo de militantes liderados por Igor Hyrkyn=Strelkov.
Como contou mais tarde em sua entrevista Hyrkyn, os militantes vieram à cidade diretamente da Criméia, em um pequeno grupo de 52 pessoas.
Após poucos meses - 7 de julho - deixaram a cidade de madrugada. 
Os locais contam que a coluna foi tão grande que os carros iam um atrás do outro por uma hora e meia.
Os moradores não dizem "fomos libertados". Eles dizem que os "militantes fugiram" e, polissêmicos silenciam.
Durante os meses do "governo da DNR", eles pareciam desempenhar o papel de figurantes em um filme de horror sem fim. Em Slovyansk houve tudo - torturas, assassinatos, morte pela fome, noites no porão, trabalho escravo e incessante tiroteio.
Parece que tais feridas não cicatrizarão por anos.
Mas a maioria dos deslocados obrigatórios, com registro de Slovyansk, por sorte, voltaram para casa. Eles não esperam por ninguém e até agora consertam suas casas destruídas, organizam sua vida modesta.
Com todas as forças tentam não lembrar os acontecimentos do ano passado.
"Recentemente, na estação de ônibus, um rapaz jogou um petardo. Os, que não se ausentaram de Slovyansk, jogaram-se no chão, outros - nem se viraram", - conta o voluntário Denis, de Slovyansk.
Ele, agora é treinador de boxe, como um terço dos moradores, que não deixaram a cidade. "Você sabe, quando eu vi, quem apoiava "DNR", eu tinha a sensação que escancararam-se as portas do inferno. Eu, tal quantidade de desclassificados elementos nas ruas, ainda não tinha visto", - lembra ele.
Quando ele fala sobre o que acontecia na cidade, durante o período de Hyrkyn, seu discurso torna-se lento. Parece que ele escolhe as palavras, digere os acontecimentos. Depois de um ano, mesmo os que não saíram de Slovyansk durante a ocupação, preferem dizer, que na cidade não estavam.
Simplesmente explicam - lembrar é assustador. A cidade ainda não se recuperou de todo horror, que aconteceu.
Depois de um ano encontram-se ainda os que, parece, não se livraram da síndrome de Estocolmo. Muitos moradores esperam o retorno dos invasores, e os próprios invasores cobrem-se com lendas.
Em algumas cabeças perambula o pensamento de que, em algum lugar, há "bons milicianos".

Foi Hyrkyn? Foto Ria Novosti
Com o georgiano Fridon Vekua, que seguramente podemos considerar como participante ativo dos eventos do ano passado, nós nos encontramos na praça principal de Slovyansk, em frente à Câmara Municipal.
Aqui ainda está a estátua de Lenin. Recentemente embelezada com as cores amarelo-azuis a gravata pioneira.
Desmontar Ilich (prenome de Lenin -OK), derrubá-lo sob a escuridão da noite, ninguém dos moradores locais ou ativistas, ousam. (Esta sujeira deverá desaparecer da paisagem ukrainiana. Pelo menos, sobre a renomeação de ruas e demais locais públicos já foi assinada a lei pelo presidente, a poucos dias - OK).
"Você sabe quantos pensionistas temos? - Pergunta Vekua. Antes da guerra tínhamos 42 mil, mas agora, com os migrantes temos mais. E isto é com mil habitantes. Para estas pessoas Lenin - é o símbolo de sua juventude! Derrube-o e levantar-se-ão uivos".

Fridon Vekua, ex-segurança. Ele se denomina agente secreto. Ele diz que no final dos anos oitenta foi demitido pelas autoridades porque investigou seu chefe quanto a prática de corrupção.
Ao invés de dispensar seu chefe, o sistema o dispensou.
Vekua dedicou-se a negócios.
Quando começou a captura do Departamento da Polícia, ele telefonou aos ex-colegas de Kyiv denunciando a situação, e tomar conhecimento sobre o plano de ação. Não havia plano. Havia apenas confusão. Fridon diz que foi exatamente por isso que se tornou agente duplo.
Os ativistas locais o descrevem como uma pessoa que sabe sair seco da água. E brincam, que é provável ele ser agente triplo. Ele se acostumou com o papel de advogado da "DNR".
No entanto, Fridon é um dos muitos que pessoalmente conversava com Hyrkyn. Ele recebeu provas de abuso na distribuição de ajuda humanitária do "deputado popular Ponomariov".
- Eu sabia bem, quem é Ponomariov. Ele nem mesmo é, pequeno bandido! Ele era líder dos "titushke"
(Em Kyiv, titushke eram elementos quase sempre criminosos, que constituíam a guarda do ex-presidente, no interior defendiam o partido do governo - OK) em Slovyansk. Nossa cidade é pequena e logo ficou claro que os parentes de Ponomariov negociavam com ajuda humanitária.

"Prefeito do Povo" Ponomariov foi acusado de roubo da ajuda humanitária. Foto atn.ua

Enquanto caminhamos pela rua Karl Marx até o prédio do SBU (Serviço de Segurança da Ukraina) Vekua fala sobre abusos de Ponomariov.
Nós paramos próximo ao restaurante "Ilusão". O edifício vizinho, antigo, de tijolo vermelho - é o prédio do SBU, onde na primavera e verão passados torturavam pessoas. Esta quadra, por alguns meses, foi isolada dos dois lados por altos postos de controle..
- Quando me trouxeram, Hyrkyn estava aqui - Vekua indica o local. Ele olhou em minha direção e disse ao comandante militar Viktor Nosov: "Então pegue este homem, você sabe o que fazer em seguida". "Eu fiquei com medo" - lembra Vekua. Fridon, com suas investigações criou problemas entre Hyrkyn e o "prefeito do povo "Ponomariov", o qual logo seria afastado de seu cargo.

Em vez de Ponomariov nomearam Volodymyr Pavlenko, ex-chefe do Trabalho e Proteção Social do Conselho da cidade de Slovyansk. Posteriormente ele fugi para Belarus, temendo perseguição dos militares ukrainianos. Vekua foi seu auxiliar, encarregado da distribuição de ajuda humanitária.

- Eu não usei camuflagem, não carreguei armas, insisti para que abrissem o armazém com a ajuda humanitária e colocassem uma pessoa independente. Dividi a cidade em quatro partes e organizei a distribuição equitativa das doações, - explica Vekua.

Ele precisou, por várias vezes, explicar aos voluntários e aos órgãos de aplicação da lei, o que ele fazia nas fileiras da "DNR". Alguns dias antes dos militantes abandonarem a cidade, o prefeito Pavlenko chamou Fridon e avisou que Hyrkyn o demitiu de suas funções. "Eu compreendi o que se aproximava, e em meia hora saí da cidade - diz ele.

Vekua voltou para Slovyansk, quando os militantes deixaram a cidade. Os voluntários do Batalhão de Kyiv quiseram prendê-lo, mas os conhecidos do SBU o defenderam. Ele ainda dá provas, restaura o curso dos acontecimentos.

A espinha dorsal dos militantes, especialmente no início, constituiu-se de aposentados russos. São pessoas de 45 - 50 anos, - conta Fridon  enquanto nós observamos o prédio danificado com fragmentos, no primeiro andar do qual vivia Hyrkyn-Strelkov.

- Quantos militantes russos vieram a Slovyansk?
- Bem, conte 1.600 pães diariamente. Depois ele diz que havia de 3 a 5 mil. Eles alojaram-se no hospital, no internato, na escola Nº 16, no Sanatório, no DC "Railroaders" e na fábrica de motores.

Fridon possuía longas listas de militantes, aos quais ele distribuía ajuda humanitária (Então a ajuda humanitária, do governo e povo ukrainiano, não se destinava à população ukrainiana sob ocupação, mas aos ocupantes??? - OK).
Durante estes meses ele viu tanto mal que é suficiente para vários filmes de terror. Mas o que mais o impressionou, foi o papel dos sacerdotes ortodoxos. Ele conta que os militantes escondiam armas nas igrejas da Igreja Ortodoxa Russa do Patriarcado de Moscou, abençoavam as armas, pediam a bênção antes das lutas, e os padres levavam armas camufladas através dos chekpoints. (A igreja na Rússia não serve a Deus, serve ao governo - OK).

Vovozinhas com ícones colocavam na frente para que os militares ukrainianos não abrissem fogo.Foto dumskaya net,
Especialmente ativo revelou-se, na primavera do ano passado, o padre Vitaly, da Igreja de Ressurreição. Ele abrigou o grupo de Strelkov no Centro da "Ortodoxa Culture Center", organizou mulheres com ícones no bloqueio de soldados ukrainianos. E, para se divertir, viajava pelos chekpoints ukrainianos e amaldiçoava os militares. Hoje ele não está na cidade. 

Novos mártires de Slovyansk
"A nos, o tempo todo, em todos os serviços militares, faziam lavagem cerebral" - diz a paroquiana da Igreja Ortodoxa, que não menciona seu nome.
A moça concorda conversar somente depois de muita persuasão. Ela, já por vários anos, canta no coral da igreja local.
Lembra, como em abril do ano passado, em todas as igrejas ortodoxas começou a campanha para "DNR" e no léxico dos padres surgiu a palavra "fascistas".
_ Isto foi assustador, eu não reconhecia os meus irmãos na fé - diz ela. Depois de um ano a retórica mudou. Aqueles, que anteriormente consagravam as armas, agora chamam para paz e compreensão.
- Mas eu posso dizer, que metade de nossos paroquianos ainda esperam o retorno da "DNR", diz a moça.
Ela sobreviveu "os tempos da "DNR", via como pegavam as pessoas na rua, sabia sobre as torturas nos porões do SBU, ajudava os voluntários na retirada de crianças. 
Mas há algo que lhe é difícil aceitar.
- A nós, muitas vezes disseram, que os protestantes são sectários, que eles são espiões americanos. Eu penso, que foi exatamente isto que causou o assassinato sem sentido, de quatro homens da Igreja da Transfiguração, - disse ela.
Nós caminhamos com ela na rua empoeirada Karl Marx. No final - a mesma igreja protestante.
Às vezes minha interlocutora pára e conta algo. Aconteceu que seu trabalho voluntário levou-a às comunidades protestantes, que alimentavam, medicavam e levavam as pessoas para locais pacíficos.
- Em nenhuma igreja ortodoxa havia tal serviço, lamenta ela. E acrescenta: "Eu diria, que havia serviço reverso".
Nós chegamos, finalmente, a pequena igreja da Transfiguração. Um belo edifício com colunas monumentais - o antigo Palácio da Cultura em homenagem a Artem. Dez anos atrás ele foi comprado e doado para comunidade protestante, liderada pelo Pastor Alexander Pavenko.

Após o culto de domingo, em 8 de junho de 2014, os filhos do Pastor, Ruvema, 30 anos, e Albert, 24 anos, e dois diáconos - Victor Bradarskyi, pai de três crianças, e Volodymyr Velechko, pai de 8 crianças, os militantes em máscaras (que cobrem a cabeça até o pescoço, deixando apenas abertura para olhos e boca -OK) obrigaram entrar no carro e levaram para destino desconhecido.

O pastor de outra igreja protestante "Boa Notícia" Peter Dudnik, me aconselhou a entrar em contato com a esposa de um dos assassinados, Viktor Bradarskyi - Natália. 
Ela escreve um livro sobre o marido, a guerra e Deus. E desde o primeiro segundo de nossa conversa telefônica eu concordo com o encontro. 
Sua casa é no setor privado de Slovyansk, é preciso ir de táxi. Pelo caminho pergunto ao motorista, se ele soube sobre o assassinato de quatro protestantes. "Sim, eles estão enterrados próximo ao Hospital das Crianças" - disse ele com indiferença. E depois acrescentou: "A isto eu sou indiferente, Porque na guerra acontece".

Natália Bradarska me encontra no portão. Em sua casa aconchegante a mesa está posta para um chá. Bradarska alcança seu diário, no qual anotou todos os dias de procura do marido - de 8 de junho a 15 de julho. Eis a anotação de 17 de junho: "Fui procurar você no serviço de informações da cidade, disseram para procurar um advogado. Ele prometeu procurar. Eu esperei por horas. Depois ele disse que não constava nas listas.
Primeiro de julho: "Ontem o comandante da Polícia Militar, Nis, instruiu seu ajudante Lelyk para me ajudar. Nós fomos até o Corpo de Bombeiros, aonde deviam nos levar. Lelyk disse: "Vocês são pessoas estranhas. No início nos chamavam, agora não nos apoiam." E me disseram, olhando nos meus olhos, que pegaram o carro, mas dispensaram os rapazes.

Os militantes mentiam. Eles torturaram quatro protestantes durante o dia todo. E às três da manhã, disseram que os dispensavam no carro do Viktor. Mas assim que o carro se moveu - todos foram fuzilados.

Família de Viktor Bradarski. Viktor foi morto pelos partidários de Hyrkyn-Strelkov. Foto apresentado pela N. Braderska
Fridon Vekua soube sobre esta história no dia seguinte, na reunião com "DNR". Ele sabia o local do enterro. "Lá havia 14 cadáveres - 13 homens e uma mulher, 4 deles - os desaparecidos protestantes, diz ele.

Natália Bradarska descreve em detalhes o dia em que soube, que seu marido foi morto. No necrotério, ela viu centenas de fotos de corpos humanos. Até agora é difícil acreditar, que aconteceu de verdade.
Repetidamente lhe deram a entender, que os protestantes foram levados por ordem de Hyrkyn. Caçavam alguém da família do pastor Pavenko.
"A questão não foi dinheiro, isto estava relacionado com a nossa fé", - disseram a ela num encontro.
No dia anterior ao nosso encontro ela concluiu o cenário para um filme-documentário sobre o marido.
 - Victor era mito estimado. Ele tinha um programa na TV local: "Duas perguntas".  Ele era mestre de cerimônias em festivais da cidade. Era uma pessoa muito boa - diz Natália e silencia. Na sala há muitas fotografias do marido - Vktor sorri de todas..

- Para você é difícil imaginar os acontecimentos daqui. Parecia, realmente, o ano de 1937. Todos suspeitavam de todos - explica o pastor Peter Dudnik. As instalações de sua igreja ocuparam os militantes. Dudnik diz, que depois "que Deus milagrosamente libertou Slovyansk", da igreja retiraram 3 caminhões de armas.
Agora, Dudnik - herói da Ukraina. Com uma equipe de voluntários ele retirou de Slovyansk, Gorlivka, e Debaltseve mais de 12 mil pessoas. A cidade ainda vive com medo. Todos temem a volta dos militantes. Eles prometem: retornaremos no dia tal, ou tal - dá de ombros o pastor. Nos seus sermões ele diz, que não capturarão a cidade. Sua comunidade já recuperou 112 edifícios destruídos. Psicólogo por formação, Dudnik afirma que Slovyansk precisa terapia psicológica. Ele próprio descobriu como ajudar as pessoas, realiza treinamentos "Como continuar vivendo?". No qual ensina regras simples - ser agradecido, alegrar-se com o que tem, ajudar os necessitados. "Por exemplo, dar ardósia a uma pessoa, mas antes pedimos a ela que cubra a casa do vizinho. Quando ela cobre a casa de outra pessoa, ela experimenta o prazer de ser útil. A pessoa torna-se melhor, diz Peter.

Como continuar a vida
"O atual prefeito de Slovyansk - Oleg Zontov parece otimista. Antes de iniciar uma conversa sobre o assunto, Zontov aprofunda-se em fatos históricos. Com precisão e bom gosto fala sobre comércio em Slovyansk. Ele é presidente do Sindicato local dos jornalistas e principal adversário de Nelly Shtepa
(Ex-prefeita de Slovyansk, aprisionada sob acusação de violação da integridade territorial e inviolabilidade da Ukraina, o que resultou na morte de pessoas e criação ou organização de grupo terrorista. Está ameaçada de prisão perpétua. - OK).


Mas, que a situação em Slovyansk é séria, Zontov compreendeu quando, com o deputado de Horlivka, Volodymyr Rybak desviava-se da perseguição dos militantes. E, em 17 de abril, na Quinta-feira Santa, soube, que V. Rybak foi sequestrado e morto devido a tentativa de hastear  a bandeira ukrainiana sobre o Conselho Municipal. Depois de alguns dias, seu corpo, como o corpo do estudante de 25 anos, encontraram com a barriga aberta, na margem do rio.
No aniversário da tragédia, o prefeito de Slovyansk decidiu reunir todos os deputados oposicionistas - e colocar uma placa em memória de Volodymyr Rybak.

Em Slovyansk havia 60 deputados do Conselho Municipal: 48 "regionais" (do Partido das Regiões , do ex-presidente Yanukovych), 8 comunistas, e do partido de Vitrenko, e um do Zonta, da Frente Popular.
Nas eleições parlamentares ele candidatou-se pelo bloco de Petro Poroshenko (presidente). Depois tornou-se prefeito em exercício.

Dias atrás Zonta fez um estágio semanal em Kalish - Polônia. Com entusiasmo conta que o orçamento é composto pelo imposto pago por empresas locais, e a comunidade controla a distribuição dos gastos.

De 100 mil habitantes de Slovyansk, há cerca de 20 mil oficialmente empregados, e aproximadamente 5 mil empresários. Antes da guerra havia 2,5 mil mais.

"Nosso orçamento é muito modesto. As pessoas não veem estabilidade e temem c continuidade da guerra. Embora todos queiram - "viver como antes", - diz o deputado Oleg Marchenko, responsável pelo abastecimento da água, que eu encontro casualmente, n café.
Ele conta nos dedos as empresas que fecharam em Slovyansk. Mas os dedos das duas mãos não são suficientes.
Marchenko diz que as pessoas que apoiavam os militantes não desapareceram da cidade. E muitos deles ainda esperam que Hyrkyn voltará, como prometeu.

À noite, antes de partir, entrei na igreja de Alexander Newsky, localizada próximo estação ferroviária. No verão, nos sermões dos padres, ouvia-se: "fascistas" e "milagre da cultura russa". No sermão da Sexta-feira Santa já houveram chamadas para aceitação e perdão à família e ao mundo.

Na igreja eu vi o taxista que me levou à família do protestantes que perdeu seu pai. Ele atraiu minha atenção porque segurava uma enorme vela que, de longe, parecia um pau tosco.

Tradução: O. Kowaltschuk

 

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