Ukrainska Pravda Zhytia (Verdade Ukrainiana Vida), 24.02.2015
Tatiana Oharkova
Como vivem hoje os ukrainianos? O que nos une? Quais são os problemas, expectativas e sonhos das pessoas em diversas regiões do país - incluindo aquelas, onde há guerra? Como nos ajudamos aqueles, que mais precisam? Quais são os caminhos possíveis de reconciliação?
Todos estes tópicos nós destacaremos na série "Vida de ukrainianos" preparados por "Internews - Ukraina" com apoio do "Projeto de mídia ukrainiano" e apoio de agência de USA de desenvolvimento internacional.
O primeiro material é dedicado aos filhos dos migrantes em Kyiv.
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"Minha Eva - otimista", - sorri Olga (33 anos) de Horlivka. - "No início ela dizia a todos, que o pai foi à loja, depois - que o pai foi trabalhar, e agora diz, que ele perdeu-se na rua".
Eva ainda não completou três anos. Ela é bonita, alegre e engraçada.
Ao contrário de Eva, seu irmão Vova (7 anos) não pode dizer isto. De modo geral ele não pode dizer nada. Há dois anos, o menino foi diagnosticado com autismo.
Nós nos encontramos na cave da nova construção Borshchahivka Pedro e Paulo. O fundo beneficente "Coração aberto" forneceu esta acomodação gratuita para o uso dos migrantes. Aqui houve uma boa reforma, cozinha moderna, quatro quartos confortáveis. Neste centro vivem quatro mulheres e seis crianças.
Olga com as crianças Eva e Vova. |
Olga com as crianças chegou em Kyiv no final de julho. Então, em Horlivka começaram os combates. A seu marido ofereceram trabalho em Kyiv. No início viviam com conhecidos, na aldeia, em Bordyansky perto de Kyiv. Depois, quando os conhecidos pediram para sair da casa - o marido passava as noites no local de trabalho. Os voluntários de Frolivka ajudaram Olga - Lessia Letvenova, ela própria mãe de quatro filhos, acomodou-os em sua casa. Assim passou o verão e início do outono.
Com a chegada do frio, o marido abandonou Olga. A mulher ficou sozinha, com Eva e Vova, em cidade estranha.
Olga é cabeleireira. Antes do nascimento do filho trabalhava como secretária, como garçonete e até no lava-car.
Quando o pai nos deixou, eu estava pronta para qualquer trabalho. Pensei em obter um trabalho de zeladora num prédio - deixaria as crianças com as vizinhas", conta ela. Mas, logo ficou claro, que isto também era impossível. Olga soube que estava novamente grávida.Vai dar à luz em junho.
O mais difícil para mim em Kyiv - é acomodar Vova", - diz Olga. Nem ao jardim de infância, nem à escola tais crianças não podem ir. A um ano, em Horlivka, eu encontrei o centro especializado no desenvolvimento de crianças autistas. Lá ensinavam escrever, contar, cuidar-se. O menino até seis anos aprendeu vestir-se sozinho, comer, ir ao banheiro, outros.
Em Kyiv tais escolas gratuitas, tipo abertas, que envolveria o desenvolvimento de crianças com autismo, não há. Existem instituições privadas, mas seus custos são altos - para uma mãe-migrante, solteira, grávida, que vive com benefício estatal, o preço é muito alto.
Dadas as circunstâncias e condições de vivência deles, para este menino - caminho direto para o orfanato, - diz Yulia, uma parteira - ginecologista, que já por vários anos ocupa-se com homeopatia. - Mas Olga não é assim. Ela é observadora, amável e atenta mãe.
Eva e Vova |
Yulia também é mãe solteira de três filhos - ela compreende, porque é válido lutar por cada filho. Por sua própria iniciativa, ela começou ajudar Olga.
Yulia já encontrou uma escola para Vova. Esta é uma pequena instituição privada, "Centro de Pedagogia curativa Luz do Sol". Nas classes onde estudam até oito crianças, trabalham pedagogos qualificados, terapeutas físicos e fonoaudiólogos, que se esforçam para descobrir e desenvolver cada criança com necessidades especiais.
No centro estudam crianças com autismo, síndrome de Down e paralisia cerebral. O ensino custa 3.300 UAH por mês. Yulia conseguiu encontrar um patrocinador privado, que concordou em pagar os primeiros meses de treinamento do menino. Mas, no futuro, vão precisar de dinheiro. (Pelos salários citados nos jornais, a mãe, mesmo trabalhando, não poderá assumir este custo, provavelmente seu salário será até menor que esta mensalidade - OK).
A mãe de Vova acredita, que conseguirá quebrar o círculo vicioso de sua própria impotência e dependência do Estado.
" Autistas - muito talentosos e promissoras crianças, - diz ela. - Se elas forem cuidadas e desenvolvidas, elas, ao invés de serem um fardo para família e o Estado, que é forçado a mantê-los e proporcionar-lhes aposentadorias desde a infância, pelo contrário - eles podem trazer benefícios à sociedade e ganhar recursos para sua própria existência".
Os especialistas na escola já disseram, que ainda há chance, que Vova vai falar. Se isto acontecer, uma das primeiras palavras, com certeza será "obrigado".
"Promessa da Floresta".
No antigo sanatório, além da aldeia Diemer, na região de Vyshgorod, localiza-se o acampamento "Promessa da Floresta". No verão aqui havia tendas, onde viviam até 300 crianças. Hoje, aqui vivem 20 crianças de 6 a 18 anos, e elas vivem no reformado, com esforços filantrópicos do fundo "Pelo direito à vida", edifício com eletricidade e aquecimento. Todas as crianças o ônibus, pela manhã leva à escola em Diemer, e traz de volta após as últimas aulas no ensino médio.
Inscrição na placa: Amor, paz, alegria. |
Os pais visitam o acampamento apenas aos sábados. Alguns deles recentemente vieram a Kyiv dos porões das cidades orientais, alguém, por enquanto, conseguiu apenas um "beliche-place" na capital, alguém teve a casa destruída em Slov'iansk, que precisa reconstruir.
"Muitos pais sentem-se envergonhados. Eles escondem os olhos, - conta a dirigente do acampamento Nástia Stepanova, 29 anos. - Muitos deles, anteriormente bem sucedidas e ricas pessoas, mas agora perderam tudo. Metade de nossos pais - são mães sozinhas".
Nástia é professora de educação física na escola de Kyiv, mas agora, mais da metade da semana passa aqui, mais de 50 quilômetros de casa. Frequentemente sua filha de 4 anos a acompanha.
É esta a casa da "Promessa da floresta". |
Com as crianças vivem e trabalham quatro psicólogos profissionais. Todos eles - da zona ATO. A família de Polina Chesnokova permanece em Donetsk, a moça, psicóloga profissional, trabalha no acampamento desde verão.
Oleg Ivanov 52 anos - chefe dos serviços psicológicos. No passado empresário, recebeu formação psicanalítica e, durante muito tempo trabalhou como organizador de acampamentos de crianças. Sua filha de 10 anos, também vive no acampamento com outras crianças. Para casa em Sieverodonetsk Oleg não se apressa - sente-se necessário aqui.
Estas pessoas, não apenas cuidam, educam e mantem crianças alheias, enquanto seus pais tentam levantar-se nas próprias pernas. Eles desenvolveram um programa especial de reabilitação psicológica.
"As crianças que vêm até nós, normalmente são fechadas e assustadas. Frequentemente apresentam quebrada sua adaptação social" - diz Oleg Ivanov.
Oleg Ivanov |
Em primeiro lugar, o que fazemos - é a construção de um espaço psicologicamente seguro - acrescenta Polina. - Trata-se da criação de conexões contínuas nas quais a criança se sinta segura".
No acampamento não tem TV nem internet. Aqui não olham e não comentam novidades de "lá". Esta é uma escolha consciente dos psicólogos.
Frequentemente os pais, que constantemente assistem TV ou telefonam aos parentes ou amigos na zona da ATO, transmitem às crianças sua ansiedade, medo e desespero. Eles transformam-se, para as crianças, em transportadores da ansiedade", - diz Polina.
Muitas crianças têm suas próprias memórias traumáticas sobre a guerra. Às vezes isso se manifesta em confusão, reação fraca ao mundo exterior, em estados alterados da mente, em histerias, etc. Os psicólogos tentam devolver as crianças ao atual.
Nós nos esforçamos para lhes dizer: "Agora você está aqui. Pergunte a si mesmo, o que você pode fazer agora para si? Não vá lá, às lembranças, fique conosco", diz Polina.
Polina Chesnokov |
Mas causam dor às crianças não apenas as memórias da guerra. No Ano Novo os psicólogos prepararam um verdadeiro feriado - Oleg era o Papai Noel, havia árvore de Natal, jogos e presentes. As crianças se divertiram, mas isto lembrou a cada um outros tempos de paz e a casa da família. À meia-noite eles começaram chorar e perguntar pelas suas mães.
Um menino, Max, de 12 anos, ficou histérico. Ele fechou-se no banheiro e gritou: "Eu não acredito em felicidade!" "Eu não acredito em alegria!" Isto foi extremamente doloroso", - diz Oleg.
As crianças sofrem com ausência dos pais.
Nós não tentamos substituir-lhes a família, porque a família - é o mais importante. Ninguém pode ocupar o lugar dos pais - afirma Polina - Eles precisam compreender, que agora a situação é esta. Que sua tristeza pelos pais e pela casa - é normal. E é temporária".
Todos os sábados todos os habitantes vão a Frolivka 9/11, ao Centro de ajuda aos migrantes. As próprias crianças assam pasteizinhos e levam aos voluntários.
Nástia, diretora da "Promessa da Floresta." |
Nós ensinamos as crianças a ajudar os outros. Nós dizemos a elas, que agora é um momento que nós, simplesmente, não podemos deixar de prestar ajuda aos outros. Precisamos educar nossos filhos para serem úteis." diz Polina.
Além dos filhos dos migrantes, os psicólogos da "Promessa da Floresta" desenvolveram um programa especial para crianças de soldados dos batalhões voluntários.
No final de janeiro, no acampamento, por uma semana viveram 13 crianças do batalhão "Donbas" - alguém com pai no cativeiro, ou morto, ou desaparecido.
No final da estadia, fui abordado por uma menina de 10 anos, que disse: Agradeço-lhe porque, por pelo menos por um breve tempo, eu consegui deixar de pensar na morte de meu pai", - lembra Oleg. Num futuro próximo, o acampamento receberá um grupo de crianças dos combatentes do batalhão "Azov". Nós preparamos um programa para 21 dias, que será dirigido por uma psicóloga, também migrante do leste.
Os psicólogos do acampamento ficam muito felizes, quando seus educandos vão embora com os pais - isto significa, que os adultos conseguiram erguer-se em seus próprios pés e estão prontos para assumir a responsabilidade por seus filhos. Mas isto não acontece com todos, e nem sempre.
Voluntários da "Promessa da Floresta". |
Cada semana chegam novas crianças, no corredor ressoam novas vozes, e os psicólogos tratam novas feridas.
Os voluntários, sempre prontos para trabalhar o quanto for necessário: "Nós já compreendemos que o eco da guerra não passará logo. Mesmo se tudo acabar agora, esta geração precisará de ajuda. Eu penso , que nós seremos necessários", - diz Nástia.
Direito à habitação: problema de famílias numerosas.
"Foram pessoas comuns que nos salvaram e nós sobrevivemos fisicamente", - diz Vadim Viktorovych. Ele e a esposa tem seis crianças, de três a onze anos. Casa, jardim, escola e trabalho ficaram em Donetsk.
Este pai de muitas crianças tem profissão perigosa - ele é ativista de direitos humanos. Em 2010 - sua grande família encontrou-se sob estatuto de "Forçado migrante" - fugiam da retaliação do governo de Donetsk, por expor o procurador local, o qual ocupava-se com tráfico de drogas..
O cidadão, já por 14 anos é chefe da organização cidadã "Proteção jurídica"; um ano atrás, ele foi um dos principais iniciadores do Maidan em Donetsk.
"Para nós olham, como para condenados à morte. Há uma avalanche, mas nós estamos tentando que nos ouçam, queremos explicar algo" - lembra ele.
Família Vadym Viktorovich |
A família teve que deixar Donetsk no início de junho de 2014: o verão passaram numa aldeia de Odessa, depois numa cooperativa, na aldeia Pidhirtsi, na região de Obukhov, próximo de Kyiv.
"Na escola não poderão entrar, o orçamento não prevê vagas para vocês - disseram aos pais de quatro filhos em idade escolar na aldeia. - Sobre o jardim - esqueçam. Melhor ir para casa - lá vão ajudá-los".
Mas as crianças em idade escolar foram aceitas - não tinham o direito de recusar.
Tivemos que andar 5 km para um lado, ou pagar 12 UAH por um assento no ônibus. "Para quatro crianças nos custou 48 UAH para um lado. Quase 100 hryvnia por dia", - lembra a esposa Jana. Declaração de família numerosa não dá isenção para ônibus.
Quando nós perdemos vários dias de aula apenas porque havia chuvas torrenciais, - compreendemos, que algo precisava mudar", - diz o pai.
Agora a família reside num apartamento de três cômodos em Troieshchyna: não indiferentes moradores de Kyiv ofereceram alugar moradia a um preço acessível. As crianças matriculamos no jardim e na escola, legalizamos benefícios sociais.
Recebemos ajuda do católico "Caritas". Durante 4 meses ele deposita no cartão especial 200 UAH para cada membro da família.
As crianças pediram maçãs - compramos maçãs. Quiseram pêssegos - compramos pêssegos. Nós não recebemos aquilo que os outros dispensam, recebemos aquilo que necessitamos. Este fundo - é exemplo para todos os voluntários, que trabalham com ajuda humanitária", convence Vadim.
Mas o dinheiro só pode ser gasto em produtos alimentícios, e apenas em produtos úteis para saúde das crianças. Chips, por exemplo, não pode comprar. O fundo verifica os cheques.
Já no mês de maio, a família precisará pensar sobre o próximo local de residência.
"Todos os nossos pensamentos - sobre formas legais de obtenção ou construção de moradia para nossas crianças", - diz Vadim. Ao homem não faltam idéias sobre como isso pode ser posto em prática.
Ele mostra a relação de creches em condições precárias em diferentes regiões de Kyiv. Nós poderíamos nos reunir com algumas famílias, pegar uma dessas e, pessoalmente, fazer os concertos. Mas, nós não vemos nenhum decreto presidencial, nenhum regulamento do governo, nem mesmo autorização da prefeitura de Kyiv sobre possibilidade de fazer isto".
Em Kyiv há grande quantidade de construções inacabadas, mas inventário do fundo de habitação não aproveitada não há.
"Nós, em nosso Donetsk bandido, um ano antes desta guerra conseguimos a realização de tal inventariação e conseguimos decisão do Conselho da Cidade de transferência para propriedade comunal 22 construções inacabadas", - conta Vadim.
Então, em condições determinadas, estas construções inacabadas transferiram para investidor que concluiu os prédios, vendeu alguns apartamentos - e o resto transferiu para comunidade local.
"Por que aqui em Kyiv isto não poderia ser feito?" - pergunta o ativista dos direitos humanos.
Pensaram, também, sobre opções de novas moradias.
Nós temos projetos de construção de pequenos prédios, de tecnologia canadense: custo do m² - 200 dólares, e a construção leva 3 - 4 meses. Nós não precisamos de empreiteiro, nós mesmos construiremos. Nós conseguiremos. Apenas precisamos do local.
Vadim admite que se considera um sem-teto. Ele compreende muito b em, para onde conduz política social míope e irresponsável.
O que é o Donbas? É uma sociedade completamente criminal: formas criminosas de comunicação, formas empresariais criminosas, formas criminosas no sistema estatal - diz o ativista. - Mas nenhum tribunal do mundo, até mesmo o internacional, não pode condenar toda a sociedade. Como é possível condenar toda a sociedade?".
Agora Donbas explodiu, as pessoas correram para todos os lados, a outras cidades e aldeias. A estas pessoas é preciso dar possibilidades, para que elas não pensem voltar para lá. Precisa que sobre espaço para elas, para que possam cultivar uma horta, para que possam construir e trabalhar. É preciso lhes mostrar, que existem outras formas de relacionamento, outras condições sociais.
Para Vadim Viktorovych Maidan foi exatamente para isto. Sobre os direitos das pessoas, sobre restauração da ordem constitucional, sobre o Estado de direito e justiça social.
Seus filhos frequentaram uma das melhores escolas de Donetsk, estudaram música e participavam de atividades esportivas. São crianças desenvolvidas, bem cuidadas e educadas. Seus pais estão prontos para lutar pelo seu futuro.
Eles lutarão por seus filhos.
Nossos filhos.
Tradução: O. Kowaltschuk
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