terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

"Tulipa Negra". Como retornam para casa soldados mortos.
Ukrainska Pravda "Zhyttia" (Verdade Ukrainiana "Vida"), 10.12.2014
Oleksandra Haivoronskaia (repórter)

Yaroslav Zhylkin quatro meses ajuda aos soldados ukrainianos mortos regressar para casa. Ele e outros voluntários da missão "Tulipa Negra" viajam para a área controlada pelos separatistas, apesar de ultimatos das esposas e risco de encontrar=se em perigo.

Anteriormente Yaroslav desenvolvia negócio próprio. Sua vida mudou drasticamente uma conversa com sua avó, cujo irmão desapareceu no início da II Guerra Mundial. Ela chorava frequentemente: "Encontrar, pelo menos, o local, onde ele morreu." Isto foi em 2008. Yaroslav prometeu fazer de tudo, para encontrar o local onde morreu o avô.
Mas, cumprir a promessa, não conseguiu - muito difícil era o caso. Em 2011 Yaroslav Zhylkin transferiu a gestão do negócio para esposa, e ocupou-se com atividade social. Ele tornou-se chefe da organização cidadã "União - Memória da Nação", que até agora procura soldados mortos durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

A insegurança nos assombra constantemente. Mas, verdadeiramente assustador foi no início, quando concordei ir com a equipe buscar os mortos em Ilovaysk e Saur-Mohyla. No meu interior algo estremeceu. Imediatamente surgiram dúvidas. E, se de repente o próprio organismo dá o aviso, e algo de ruim acontece?
Nós não tínhamos certeza - conseguiremos lidar como objetivo futuro ou não, mas contamos como apoio do clero, psicólogos e pegamos a estrada.

Da primeira viagem participaram 12 pessoas e o padre que tentava desempenhar o papel de psicólogo-inspirador. Nós estávamos assustados, não sabíamos o que esperar. Durante o caminho, o padre nos encorajava, dizia o quão agradável a Deus nossa questão, e era necessário fazê-la. Mas, tudo o que ele dizia, eu ouvia apenas com parte da orelha. Pensava como seria. 

Todos nós, anteriormente, trabalhamos com restos de soldados mortos, ainda que em diferentes equipes de busca. Quando os acontecimentos no leste da Ukraina começaram, nós, com amargor brincávamos, que cedo ou tarde teremos de assumir um período contemporâneo. Mas, ainda assim, a proposição do Museu da História Militar, anexo ao Ministério da Defesa, ir à procura dos mortos, foi uma surpresa.

Nós sabíamos que isto iria acontecer, mas não pensamos que seria tão cedo.

No início não tínhamos nada - nem equipamento, nem informação precisa. Muitas vezes nos encontramos sob fogo do "Grad" e entramos em diversas contrariedades. A experiência mostrou, o quão grande distância entre, o que fazíamos antes, e o que fazemos agora.

A história familiar obrigou Yaroslav Zhilkin buscar soldados mortos na II Guerra Mundial
Até hoje lembro, quando vi o primeiro grupo de assassinados. Eles estavam ali cerca de uma semana, ou até duas. Os corpos já estavam parcialmente mumificados. Pelos rostos já não se podia identificar ninguém, moscas, odor. Então eu descobri, como é a consequência da morte. Não simplesmente um corpo "fresco" - mas corpo, sobre o qual trabalhou a natureza. Quando você encontra vestígios de lutas, que ocorreram mais de cem anos atrás - as emoções são outras. Agora nós vemos as consequências de lutas recentes: grande quantidade de matéria orgânica, dispersas ataduras, torniquetes, comida seca. Por estes objetos, a imagem do quadro bem esclarece o acontecimento.

Nós nos esforçávamos não mergulhar no acontecido. Simplesmente começamos o trabalho.

Depois encontramos mais um. No início apareceu a mão, e no pulso - relógio. E, ele funcionava. Eu disse aos rapazes: "A pessoa já não existe, mas o relógio trabalha".

Quando vem o sentimento de repulsa ou pânico, os psicólogos aconselham usar imaginação, que isto não são restos, mas um saco de batatas, ou cantar algo encorajador, escapar. Especialmente a mim, ajuda a canção.
Há pessoas que vêm e percebem que não conseguem trabalhar. Os restantes pedem substitutos. Trabalhamos em silêncio. Compreendemos um ao outro pelo olhar. É visível, quem pode transcender a si mesmo e quem não. Isso não é culpa da pessoa. Nem todos estão prontos para tal teste.

Depois da primeira viagem parte do  primeiro grupo deixou a missão. Precisei telefonar aos conhecidos e formar o segundo. Conosco trabalham pessoas de diferentes regiões da Ukraina. Em áreas controladas pela Ukraina, nós não trabalhamos. Com isto devem ocupar-se as autoridades, estamos prontos para ajudar. Mas, em tais atividades não podemos nos engajar, nos lugares onde as leis ukrainianas são válidas.

A missão trabalha sob a supervisão dos combatentes adversários. Sua presença em nossa máquina dá esperança, que conosco nada ruím acontecerá. Porque um grupo de pessoas que perambula pelo campo e procura algo pode causar suspeita. A nós é mais fácil caçar do que descobrir quem somos.

No início, com os acompanhantes, não nos comunicávamos. Ficávamos em silêncio quase todo o trajeto de ida e volta. Mas quando três meses, no dia a dia, você trabalha com as mesmas pessoas, é difícil não tornar-se mais amistoso.
Nós sabemos os seus nomes e quem eles eram na vida civil. São pessoas comuns. Sem chifres e casos. Com suas certezas e opiniões sobre os acontecimentos atuais. Eles, frequentemente, emitem opiniões, nós concordamos.
"Tulipa negra" - missão humanitária. No grupo trabalham pessoas de diferentes pontos de vista políticos. Mas, lá nós somos obrigados a permanecer neutros. Não discutimos. Permitem trabalhar - e isto é bom.

Às vezes, você encontra uma pessoa no carro. Pelo número do veículo pode-se saber à qual equipe ela pertencia. Isto é um detalhe, pelo qual, realmente identificam soldados. E depois - aproximado número do calçado, alguns defeitos, outros sinais. Tudo reunido ajuda no reconhecimento. Nossa principal tarefa - recolher no local o máximo de informações que ajudarão no reconhecimento. Infelizmente, na Ukraina não introduziram os distintivos das divisões, por isto os corpos, frequentemente, ficam sem documentação.

Mas, enterros comuns não podem ser evitados. Lembro um caso, quando encontraram um carro, dentro - de 3 a 7 pessoas. Elas queimaram completamente, sobrou um punhado de cinzas. A análise do DNA não ajudaria. Quem estava lá, só podemos especular.

Na viagem da qual acabei de voltar, nós encontramos dois rapazes deitados no campo. Os moradores locais nos informaram. 
Um agricultor polvilhou com terra um dos cadáveres. O outro foi visto por acaso, pelo motorista de uma máquina agrícola, quando colhiam a safra.
O último ainda usava colete a prova de balas, mas seus ossos os animais roeram e espalharam. Ao lado estavam capas vazias do passaporte, cartão militar e convite para eleições. Estava desbotado, mas sobreviveu à chuva. Uma rajada de vento e teria voado. Anteriormente nós passamos neste local por várias vezes. Mas, partes do girassol lembram ossos, diferenciá-los é difícil. Transcorre-se mais um mês, dois, e a pessoa estaria perdida para sempre. Os pais, esposa ou próximos, esperariam em vão.

E quantos ainda estão assim? Mas, o que você pode fazer? Dizem, que a guerra não terminará, enquanto o último soldado não for enterrado. Mas é improvável que isto aconteça. Este sentimento desperta o sentimento de impotência. Sentimento presente continuamente e terrivelmente deprimente.

Às vezes estamos no chekpoint, na entrada da "zona". Verificam nossos documentos, com paixão. Ao lado, o povo põe fogo em alguma plantação. Precisamos fingir que não nos importa, que nada percebemos.
Quando um soldado está na frente, ele tem uma arma. Pelo menos algo depende dele. Ele pode defender-se. Mas nós, em tal situação, não podemos fazer nada. É como se você estivesse com as mãos e os pés amarrados, e você pode, já-já cair no precipício.

Grupo de voluntários "Tulipa Negra" - rapazes com nervos de aço.
Vale a pena arriscar a vida pelos mortos?
Por várias vezes me pareceu, que eu encontrei a resposta para esta pergunta. Mas, não é assim. Eu entendo, que corro riscos. Assim como meus amigos que trabalham ao meu lado. Eles têm filhos, esposas, que colocam ultimato: "Ou o divórcio, ou vá à sua zona. Mas, cada vez nós encontramos uma desculpa.
Os psicólogos, repetidamente, nos disseram: "Rapazes, exceto vocês não há ninguém. Únicos que aceitaram - vocês". Esta idéia, de alguma forma ajuda a nos manter e continuar trabalhando. As palavras que as pessoas nos escrevem no Facebook, também encorajam.
Minha esposa não compreende porque eu dediquei-me a este trabalho. Diz:"Com isto deve ocupar-se o Estado". Eis aqui o motivo para brigas familiares. Mas, devo reconhecer que, em princípio, a esposa está certa.

Um Estado normal, sempre faz todos os esforços para devolver o corpo para casa. Não menciono os prisioneiros e evacuação de feridos. A família deve encontrar o túmulo do falecido. Se ele não existe - é uma ferida longa e incurável.
Imagine como dói a uma mãe, não saber nem onde está o túmulo do filho? Isso é terrível. Deus queira que ninguém passe por isto.

Para nós, em geral, não há nenhuma diferença, quem morreu e por quem ele lutou. Se nós encontramos corpos de mortos do outro lado, nós os entregamos aos peritos forenses em Donetsk. Não deve haver "morreu desconhecido". Isto não é humano, não é cristão.

Pesa na alma, quando você volta para casa sem resultado. Mas, quando leva alguém é o contrário, você entende, que não à toa levantou cedo, ficou nervoso, correu riscos...

Dez dias - prazo máximo que você pode aguentar lá. Depois de 5-6 dias, no grupo começam conflitos. Por isso já temos mais grupos.
Viajamos, principalmente com nosso dinheiro, e com ajuda de doadores. Os militares, às vezes, ajudam com gasolina.
Retornar à vida pacífica é difícil. Mas, ao mesmo tempo, esperamos pelo retorno. Lá o mais importante é sobreviver. Os problemas caseiros parecem tão pequeninos, que na cabeça não cabe como tudo pode coexistir.

Tudo o que acontece agora no mundo, já aconteceu. Os mesmos apelos, cenários, motivos. Mudam as pessoas, geografia, datas. Todo o restante é repetição.
O cenário atual é muito parecido ao existente no início da Primeira Guerra Mundial. Os eventos na Ukraina adquirem os mesmos tons.

Temo que isto poderá levar a um conflito muito quente em todo o mundo. Então o número de vítimas ultrapassará um milhão. Mas, lembrem, quais os resultados da Primeira Guerra Mundial. Todos os impérios entraram em colapso. Mesmo países vencedores sofreram pesadas perdas.
Conflito - é relutância às negociações. As pessoas esquecem que qualquer conflito, mais cedo ou mais tarde termina com negociações e paz. 
A questão é, apenas, qual é o preço que é preciso pagar. Infelizmente, agora, eu não vejo nenhum desejo, de nenhum lado, sentar para conversar.

A situação complica-se, também, porque nossa sociedade não está saudável. É como uma mola comprimida - o menor motivo, e dispara.
A sociedade não pode ser mantida, por muito tempo, em tensão. Isto pode levar a acontecimentos mais assustadores do que acontece hoje. 
Chega de pequenas questões.
Eu não sei como, mas os políticos devem parar esta guerra. Ela não trará nada de bom.

Tradução: O. Kowaltschuk

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