sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Nomes da Revolução
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 21.11.2014

"Verdade Ukrainiana" convidou os ativistas e voluntários do Maidan para lembrar os eventos mais importantes dos 94 dias de protesto e responder como ele os mudou. Nós, por sua vez, graças à memória deles renovamos a cronologia dos eventos.
Maidan teve início no dia 21 de novembro de 2013.

"Nós nos encontraremos às 22:30 sob o Monumento da Independência. Use roupas quentes, leve um guarda-chuva, chá, café, bom-humor e amigos", - deste aviso no Facebook do jornalista Mustafa Nayem, a um ano, começou Maidan.
Então ninguém dos primeiros participantes da ação do protesto poderia imaginar os próximos meses: Dispersão dos estudantes, brigas na Bankova (Administração Presidencial), tentativa de assalto do Maidan (praça), rua Hrushevskyi, primeiras mortes dos ativistas e fuga de Yanukovych.

Inna Nerodyk, 26 anos


Jornalista do Canal 5, durante Euromaidan e agora.
"Eu e minha amiga fomos as primeiras. Mas as redes sociais fizeram o seu trabalho e as pessoas começaram a chegar, algumas sozinhas, outras em grupo. Eu não posso relatar as memórias mais brilhantes. Isto - o homem sentado numa cadeira de rodas, a ele traziam pedaços de calçada e ele os partia com pé-de-cabra, para ter mais pedaços. As moças os juntavam em sacos e levavam para as barricadas. Professoras, que depois das aulas, vinham às barricadas e de salto alto, afundavam na areia, em saias e meias-calças. Mulheres que rolavam os pneus para Maidan. Vovozinhas, com casacos esfarrapados doavam 500 "hryvnias" (Isto é praticamente metade de suas pensões - OK). Homens que cozinhavam.
Penso que Maidan mudou todos. Mesmo depois que terminou. Centenas de milhares quando pela primeira vez vieram ao Maidan? Posters depois de 20 de fevereiro? Traziam toneladas de flores.E mesmo estes Maidan, penso que mudou.
O que for que causem os acontecimentos atuais, não se pode dizer que são consequências da Revolução da Dignidade. Isto é à parte. A Revolução foi forte e clara. E não apenas os chamejantes pneus.

Helen Podobed-Frankivska - 29 anos.


Desde o início coordenava o alojamento dos visitantes, depois organizava o centro de ajuda junto a Igreja Saint Michael  - depois da dissolução dos estudantes e durante os tiroteios aos ativistas.
Agora coordena a rede "Setor Público do Euromaidan".
Ao Maidan chegou no dia 26 de novembro. Inscreveu-se como voluntária de alojamento. 
Lembro como rapidamente começou alargar-se o pequeno espaço sob o monumento. Como "crescia" com sacolas com comida e garrafas térmicas. E, a esta pracinha todos os dias vinha mais gente. Então, eu ainda não acreditava que isto era o começo de uma revolução. Mas havia pânico "aonde acomodar todas estas pessoas".
Depois veio a noite da dispersão, manhã na Igreja de Saint Michael. Nós não estávamos preparados, tudo ficou no Maidan. No Maidan, depois surgiram as pequenas construções de madeira. Nelas nós organizamos departamentos de serviço: voluntários, acomodações, cozinha, roupas quentes... Dia de São Nicolau e Ano Novo. Em seguida - novos fuzilamentos. E, segundo Saint Michael.
O mais memorável, quando dentro do mosteiro verifico se todos estão acomodados. Vejo um homem deitado, com a cabeça coberta. Penso que ele está desconfortável, precisa corrigir. Ao aproximar-me, entendo, ele está morto.
Ainda lembro, corpos cuidadosamente colocados na grama, próximo a entrada do mosteiro. E os valentes médicos, serenos e calmos...
Maidan me deu a certeza, que toda boa ação, cedo ou tarde, vence a parede do mal. Ele me mostrou pessoas, que eu admirava, mesmo não sabendo seus nomes. Maidan restaurou minha fé neste país. Agora eu acredito - mesmo se nós não conseguirmos mudar tudo neste momento, ainda haverá uma incrível quantidade de obstinados sonhadores, dispostos a restaurar este país, como um Phoenix, a partir das cinzas de novo e de novo.

(A seguir somente a relação. Reportagem publicada no jornal de hoje, em comemoração ao dia de hoje - não foi possível traduzir tudo - OK)

Yegor Petrov, 27 anos - atualmente co´proprietário da BANDA agency.

Eugene Nyschuk, 41 anos - atualmente Ministro da Cultura.

Lida Pankiv, 25 anos - atualmente trabalha na IT-companhia ELEKS.

Ivan Sydor, 25 anos - durante e agora padre da Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Kyiv.

Christina Berdynskyh, 31 anos - atualmente repórter "Novo Tempo".

Sviatoslav Vakarchuk, 39 anos - durante a Revolução e agora: líder da banda Okean Elzy.

Elias Stronhovskyy, 31 anos - co-organizador do fundo de apoio à reabilitação na Ukraina.

Lisa Shaposnik, 27 anos - ajuda os militares na cidade Shchastia.

Michael Hawewliuk, 35 anos - recentemente foi eleito deputado da Ukraina.

Julia Marushevska, 25 anos - pós graduada de Kyiv National University Tares Shevchenko.

Olesya Zhukovska, 21 anos - estudante da University Medical Nacional Bohomolets.

Volodymyr Parasiuk, 27 anos - foi eleito deputado da Ukraina.

Resumo e tradução: O. Kowaltschuk
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O Holodomor (fome forçada) ao qual Ukraina foi submetida em 1933, atualmente comemora-se na quarta semana de novembro. Abaixo um texto que nos esclarece um pouco como foi difícil atravessar esse período. Morreram nesta ocasião 7 (sete) milhões de pessoas, segundo a maioria das fontes. A privação de alimentos foi direcionada às aldeias. - OK.

"No faminto 1933 os grãos transformavam em álcool..."
Vysokyi Zamok (Castelo Alto), 17.11.2014
Tatiana Konyaeva

Jornalista do "Castelo Alto", encontrou em casa, as memórias de sua avó sobre Holodomor.


Folheando em casa pilhas de jornais velhos, dei com memórias sobre Holodomor de minha bisavó Nádia Grigorievna Kotsenko. A velhinha já não está entre nós há três anos. Anotações ela fez a pedido de minha avó.
Compreender a caligrafia enfeitada da bisavó foi um pouco complicado mas de alguns fatos o cabelo ficava em pé...

"As pessoas morriam como moscas..."

Em 1933 a bisavó tinha 9 anos, estudava no segundo ano, os acontecimentos da época já lembrava bem. A família vivia na cidade Borzna - na província de Chernihov. Naquele tempo a morte devido a fome, ceifava em Chernihov todos, sem distinção, mas nas páginas do jornal local, no início da "fome artificial" publicavam-se listas "vitoriosas" sobre execução do plano das quotas de produtos comestíveis em 100%.

"Mas a fome então era terrível, - lembrava minha bisavó. - As pessoas morriam como moscas, especialmente as crianças. Elas andavam inchadas da fome, com grandes barrigas cheias de água, e procuravam, pelo menos um pouco de comida. Suas perninhas eram fininhas, não suportavam seu peso, as crianças semi-mortas caíam na rua. Se alguns já não tinham família, então para enterrá-los já não havia ninguém. Então havia a "equipe de enterros", que recolhia os mortos e nas carroças levava-os ao cemitério, onde as pessoas eram enterradas como gado",

"Quando eles começaram criar os "kolkhozes" (fazendas coletivas) - elas foram denominadas "komnezame" (comitês dos necessitados, indigentes. Organizavam-se nas aldeias, com a pobreza; incluíam-se à criação dos kolkhozes, comunas, etc.) - lá iam trabalhar até as crianças. Em nossa família, naquele tempo, havia seis crianças. O irmãozinho menor nasceu em 1933. Junto com os adultos, nós quatro maiores, revolvíamos os campos , que os homens, manualmente semeavam. Com cavalos e bois também aravam, mas o gado era pouco, por isso os velhos e as crianças revolviam o solo com as pás cortadeiras. Pelo trabalho dinheiro não davam. Somente no almoço um pedacinho de pão e um caldo do que é separado  durante a moenda de trigo (restos), ou de painço suado. 
Eu, quando podia,ia descalça para escola. Somente quando caía a neve, nos procuravam calçados gastos. Às vezes, eu corro descalça pela terra congelada, sinto dor aguda nos pés, então me agacho, puxo a sainha sobre os pés para me aquecer um pouco, e depois corro para escola".   

"Em casa quebraram os ícones, porque procuravam um saquinho com grãos."

"Quando começou a coletivização, lembro, no cantinho, onde eu morava, aos vizinhos veio uma comissão de cinco pessoas para os privarem dos meios de produção e terra (Os aldeões, a partir de pequena propriedade e uma ou mais vacas, eram considerados ricos, os chamados "kurkuli". E tudo deles era retirado - OK). Os ativistas  é que disseram que os vizinhos eram "kurkuli" mas, na verdade, o vizinho, simplesmente não quis inscrever-se no "kolkhoz".
A comissão veio tarde da noite, lá viviam o pai, a mãe e três crianças. Nós eramos amigos dessas crianças. A família era muito pobre, nada tinham para comer, apenas abóbora. Aqueles homens retiraram os ícones da parede e os quebraram. Procuravam se não havia atrás algum saquinho com grãos. Nada encontraram. Não tiveram pena, que fora havia muito frio, puseram as crianças para fora quase sem roupas. Tocaram a mãe da casa, fecharam a porta, levaram a chave e foram embora. O pai destas crianças, para não ser preso, fugiu para algum lugar e demorou para responder. Posteriormente escreveu uma carta, dizendo que estava na Sibéria e trabalhava na estrada de ferro.

Eu vi tudo, muito assustada, corri para casa e contei ao pai, que as crianças quase nuas foram jogadas para fora, que elas estavam sentadas na barraca e choravam. O pai, muito chateado, saiu correndo, mas antes falou à mãe para recolher a família em nossa casa. Ela buscou as crianças e colocou-as sobre o forno aquecido. Houve muita gritaria e choro em nossa casa... O pai demorou muito para voltar - mas, quando voltou, trouxe a chave, entregou-a para vizinha e ajudou-a levar as crianças que já dormiam. Depois ele contou, que naquela comissão havia um amigo seu, um homem consciencioso, que dizia que a família não era "kurkuli", que eram pobres e infelizes pessoas..." 

"Pelo roubo de espigas condenavam à morte..."

Certo dia, depois da colheita, eu com as irmãs Halia a Nina, fomos ao campo recolher apenas algumas espigas. Nós pegamos saquinhos de pano e nos alegrávamos muito, quando encontrávamos algum grão. As irmãs foram um pouco na frente, e eu, tendo visto um tantinho de centeio não cortado, fiquei de joelhos, para retirar o grão da palha. De repente ouvi um delirante grito das irmãs. Quando levantei a cabeça, vi sobre mim um cavalo, no qual estava um homem corpulento que brandia sobre mim um chicote. As meninas já o sentiram nas costas, por isso gritavam. Mas, eu, ainda de joelhos, estendi o saquinho ao homem e, chorando, comecei implorar-lhe: "Tio, tio, não bata, leve tudo, o que recolhi".
Ele me bateu na mão. O saquinho voou alguns metros para o meio da erva daninha, e eu corri descalça sobre o espinhoso restolho, sem sentir dor. Chorando cheguei em casa, mas sentia muita tristeza, não pelos meus pés feridos que sangravam, mas pelo saquinho com umas dez espigas e um punhado de sementes, das quais mamãe faria uma espécie de sopa. Para um balde de água acrescentava-se um copo de farinha ou farelo e obtinha-se tal beberagem, com a qual, hoje, nem o gado alimentam. Foi bom que não me prenderam pelo roubo das espigas, pois, por isto condenavam até ao fuzilamento.

"O cheiro do funcho me persegue toda minha vida..."

"Nossa mãe era uma boa costureira. Na máquina "Singer", que recebera como dote, costurava e reformava aos vizinhos as roupas. Pagavam a ela, alguém com algumas batatinhas, alguém, com um copo de trigo ou uma jarra de leite, se ainda possuíam uma vaca. Mas, alimentar uma família de oito pessoas, era impossível. Ajudaram nossa sobrevivência dois anéis de ouro e colherinhas de prata que mamãe trocou por um 1 "pood" (16,380kg)  de farinha de centeio e um pouco de cereais. Mamãe era de uma família abastada e até casar vivia em Chernihov. Em 1933 seus pais já não estavam vivos. 

Nosso pai era órfão, mais ajuda ninguém poderia nos dar. Durante a fome ele trabalhava como guarda-liros na Associação dos Inválidos. Lá lhe pagavam algum dinheiro, mas era impossível comprar algo porque não havia comida para vender... Mas a fome continuava. Para nós crianças era um pouco melhor no verão, porque nós comíamos diversas ervas. De azeda, flores da tília, trevo, acácia, erva-doce - assávamos panquecas. Toda esta erva secávamos, e depois triturávamos num almofariz. O cheiro de funcho me persegue toda minha vida. Nunca o coloquei na comida". 

"Canibais eram fuzilados secretamente..."

"Houve casos, quando as pessoas comiam seus filhos, começando pelos menores. Eu sabia de uma tal família. Às vezes, meu pai chegando em casa do trabalho, contava para mamãe, e eu ouvia. Diz, hoje julgaram Antipku, assim chamavam aquele homem, "katsap" (alcunha desdenhosa de russos, usada pelos ukrainianos, poloneses e bielorussos, também  - nome russo para vários grupos da sociedade russa - OK) que assassinou quatro filhos. Quando as pessoas perguntavam, aonde estavam seus filhos, ele dizia que morreram devido a fome. Ele também capturava cachorros e gatos e os comia. De seus filhos salvou-se, casualmente, apenas a mais velha. Ela mesma me contou, porque em 1947, eu a conheci na Associação, onde trabalhava meu pai e eu. Ela era fotógrafa. Ela tinha uma perna fina e torta, eu perguntei o que houve. Ela contou que após o desaparecimento de seus irmãos, ela ouviu seu pai dizer à sua mãe, que era necessário matá-la.

Sua mãe chorava, pedia que ele não fizesse isto, mas ele agarrou-a pela perna, ela conseguiu escapar de suas mãos. Fugiu para casa da vizinha e contou-lhe tudo. Declararam à polícia e o homem foi preso. No julgamento ele dizia, que os filhos eram seus e o que queria fazer com eles, fazia. Os canibais eram fuzilados secretamente, e suas casa as pessoas queimavam.

"Nos kolkhozes, por um dia de trabalho davam 200 gramas de grãos."

"Nossa família passou muita fome também em 1947. Já eramos todos adultos. Em Berzna tínhamos  uma casa que vendemos por 15 mil rublos, e nos mudamos para o centro do distrito Ichnyi (região de Chernihov), onde, na igreja local servia como diácono, meu primo, sobrinho da mãe. Ele prometeu ajudar-nos a sobreviver. Pelo dinheiro nós compramos uma velha casa, e o restante comemos. No entanto, após a reforma monetária, 15 mil tornaram-se 1,5 mil. Podia-se comprar um balde de batatas por 200 rublos, 100 - custava um copo de sal, 50 - caixa de fósforos. Naquele ano não choveu o verão todo, e quando nós plantamos a batata, ela não nasceu, secou dentro da terra. Apesar de que nós trabalhávamos, o dinheiro que recebíamos, era suficiente para uma ida à feira. Pouco se comprava, não havia dinheiro.

Quando trabalhávamos no kolkhoz, por um dia de trabalho davam 200 gramas de grãos - aveia ou cevada. No verão comíamos erva e andávamos pelos campos, procurando batata podre. Comíamos apenas uma vez por dia. Naquele tempo morriam muitos cavalos e vacas. Eles eram levados para os campos ou reflorestamentos e lá os deixavam. Nós encontrávamos, cortávamos pedaços, trazíamos para casa, cozinhávamos e comíamos. Mamãe já começava inchar de fome, porque toda comida dava para nós, sozinha não comia. Particularmente tinha muita pena do menorzinho, Slavik, que nasceu em 1939. Às vezes ficava dias na cama. Novamente nos salvavam as costuras da mãe que costurava pela comida que as pessoas podiam trazer. E assim, graças a Deus, sobrevivemos. Nosso pai morreu de pneumonia em 1950, ainda jovem, e mamãe viveu até 93 anos..."

Em 1948 a bisavó casou com o bisavô Mykola, que vivia em Ichni. Ele contava que na cidade havia uma destilaria, e mesmo no faminto 1933 o grão era transformado em álcool. Os resíduos vertiam em buracos profundos que eram frequentados por pessoas para colher a bebida fedorenta e azeda, e de algum modo salvar-se da fome. Todos os dias, em torno dessas fossas, morriam dezenas de pessoas, que já apresentavam pernas e barriga inchadas. Os cadáveres ninguém recolhia, porque, diziam, que para cá, arrastavam-se pessoas de todos os lugares. Uma vez por semana eles, como lenha colocavam nas carroças, e levavam na mata, ao barreiro. 
Durante o Holodomor de 1933, bisavô, seus dois irmãos, duas irmãs e a mãe sobreviveram, mas meu pai morreu.

Tradução: O. Kowaltschuk

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