sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Sanitarista Volodymyr Donos sobre caldeira de Ilovaisk
Ukrainska Pravda Zhytia (Verdade Ukrainiana Vida), 01.10.2014
Maryna Daneliuk


Perdas exatas do mais sangrento combate por Donbass - "caldeira de Ilovaisk" - ainda não há. A imprensa fala de várias centenas a mais de mil soldados ukrainianos caídos. O que realmente aconteceu com os militares voluntários e oficiais das Forças Armadas, mostrará o tempo e os inqueritos.

Os que sobreviveram à tragédia dizem que um grande número de nossas forças de segurança não perderam a vida no "corredor verde", prometido por Putin - mas devido a ausência de medicamentos, negligências do comando, mau estado da técnica.

Os feridos e prisioneiros eram procurados por suas esposas através do SBU, Centro de Libertação do General Ruban, conhecidos nas unidades militares e simplesmente, com os indiferentes em Donetsk.

Esta história contém terríveis descrições da guerra e visto com próprios olhos. A redação avisa - este texto somente para maiores de 18 anos.

***
O soldado sanitarista do 42º batalhão da brigada territorial Volodymyr Donos que viveu Ilovaisk, não gosta ser chamado "herói".
"Que herói?! Um simples enfermeiro. Quando tudo se acalmar, nós nos reuniremos com os rapazes e transmitiremos saudações aos nossos deputados e governo, porque mandaram pessoas para morte. Mas, deixe a guerra terminar, porque lutar em duas frentes é difícil", - diz Volodia (tratamento carinhoso para Volodymyr).

História do voluntário de Hadiach lembra o enredo de Jack London "Lust for Life". Somente os eventos foram transferidos da tundra canadense para Ilovaisk, onde dos ataques russos caíram centenas de soldados ukrainianos. Volodia teve, praticamente, o pé direito decepado, quando seu 42º  batalhão de defesa ia prestar ajuda aos seus. Cinco dias o professor de educação física ficou deitado entre os cadáveres de amigos num reflorestamento. Sozinho fazia seus curativos, comia formigas, minhocas e moscas. Coletava água da chuva com capacete. Durante cinco dias despedia-se da vida.
Em todo caso pintou, com marcador, seu nome no braço e, num bloco de notas escrevia seus pensamentos, para não perder o juízo do choque doloroso. As anotações eram para sua esposa após sua morte. Mas ele foi encontrado por pessoas locais e levado para Starobesheve.

Mas os sofrimentos não acabaram. Ele foi levado pelos separatistas de DNR (República Popular de Donetsk) e levado para Donetsk. Lá não queriam aceitá-lo em nenhum hospital porque "ele estaria matando população pacífica".

Volodymyr Donos constou da longa lista de prisioneiros da DNR, publicada em 12 de setembro. Por ele intercederam amigos, família e o general Ruban. Agora já está salvo em Kyiv, no hospital. A perna foi amputada acima do joelho. Próximo da cama, chinelo e sapato para o pé esquerdo. Também muletas. Volodia ensaia pequenos passeios na rua.

Quando Volodia foi alistar-se, sua mãe que é paramédico também queria, não aceitaram devido a idade..

Quando a esposa e a mãe saem do quarto, Volodia conta que podia recusar-se por estar com 42 anos. Mas, alistou-se como voluntário, a esposa não sabe. Os voluntários foram levados para treinamento em Kirovograd. Havia muitos experientes que lutaram no Iraque, Iugoslávia e África, o batalhão foi formado rapidamente e avisaram que logo iríamos a Kramatorsk.

Volodia com a esposa Yaroslava pouco antes da guerra
No início de agosto fomos para Kramatorsk, proteger o aeródromo. Lá não houve lutas, apenas provocadores locais. Então parte do batalhão foi enviado para Saúr-Mohyla, já depois da retirada das tropas ukrainianas. Desembarcamos à noite num campo aberto. Ninguém sabia para onde ir e o que fazer lá. Ainda bem que o sargento era um soldado experiente, lutou em pontos quentes do mundo, todos voltaram inteiros.

Volodia critica a liderança do ATO: "Lá acontecem coisas! Dirige SBU, milícia - não há um centro único de decisões. Uma estrutura toma suas decisões e não comunica a outra porque teme que a informação se espalhe, e cada um faz o que quer. Não há união entre Ministério da Defesa, do Interior e o SBU.

Nós caímos numa desgraça...

Em 27 de agosto, o batalhão foi enviado para Ilovaisk. Desembarcamos dos helicópteros, formamos uma coluna, com dois BMP (tanques).
"Viajamos num caminhão, mas o primeiro BMP precisou de conserto. Tentamos repará-lo, então começaram os tiros de morteiro. Era necessário fugir, mas alguns não quiseram deixar o BMP, então o explodimos. Vagamos metade da noite, a impressão era que nossos inimigos eram informados onde estávamos. Embora os telefones estivessem desligados e baterias retiradas. 
Quando fizemos um círculo e começamos ziguezaguear, a perseguição parou. Tarde da noite entramos num campo de girassóis e lá permanecemos por quatro horas. Os ataques de morteiro recomeçaram. Tivemos dois feridos, ninguém tinha caixinha com remédios. Quando nós nos preparávamos para partida, tudo o que eu consegui foram pacotes de gaze. Com este material envolvi os ferimentos dos rapazes. Ao combatente com a perna ferida era necessário uma tala, mas não tínhamos", - lembra Volodia sobre os primeiros feridos em Ilovaisk.

O sanitarista não tinha analgésicos, os rapazes constantemente gritavam de dor.
"Um combatente tinha um tubo com analgésicos. Trocou no dia anterior por uma granada. Nós injetamos no rapaz, cujos ossos se projetavam a partir do quadril", - admitiu o sanitarista.

Aos combatentes avisaram que o carro com os feridos não vai partir. Todos foram transferidos para outro carro, e o restante, no último BMP. Mas recomeçaram os tiros dos morteiros. Todos saltaram para campo aberto e sofreram tiroteio de ambos os lados. O BMP levou tiro de canhão. Volodia viu o destruído alçapão e a mochila do comandante, que já foi retirado - inconsciente e ferido. Quem ainda podia correr, correu. Com a explosão ele deixou de sentir o braço esquerdo. Os rapazes começaram explodir como bolhas de sabão... De um deles ficaram apenas os olhos. Apagavam-se como fitas de parafina. Quando olhei em torno, vi uma cabeça e me surpreendi porque não havia capacete, depois entendi, que a cabeça não tinha corpo, parecia de cera, sem sangue, apenas os olhos permaneceram verde-claros. O rosto estava tranquilo, parecia querer perguntar algo, e olhava para mim como se quisesse dizer alguma coisa...

Eu vi sobre mim um monte de carne humana. Pensei que era minha, mas apalpei o colete à prova de balas e entendi que a carne não era minha. Senti que meu pé doía. Levantei a perna e pensei - aonde foi parar a bota, eu a amarrei bem. Vejo a planta do pé pendurada na pele, mas perna não havia. Eu coloquei um torniquete, e senti que a mão esquerda não funcionava bem" - fala sobre horrores de Ilovaisk Volodia

Houve outra explosão, e o sanitarista voluntário parou de sentir o que acontecia ao redor. Recobrou a consciência, quando o puxavam do danificado BMP. Era um outro combatente que o puxava para o reflorestamento ao lado. Volodia o instruiu com enfaixar o pé. "Pedi para me virar de bruços, assim teria chance para sobreviver se perdesse a consciência. Desmaiei novamente, quando voltei a si, o rapaz estava sentado ao meu lado. Disse que não me abandonaria. Contou que havia mais um vivo, ferido no braço e na perna. Eu lhe entreguei meu telefone e pedi que arrastasse o soldado ferido. Tentei telefonar mas não havia sinal. Nós nos despedimos. O rapaz prometeu voltar com ajuda, mas não voltou. Possivelmente perdeu-se... Mapas nós não tínhamos".

No hospital militar em Shorsa mais de uma dezena de feridos graves da Caldeira de Ilovaisk
"Os médicos de Starobeshivska disseram que não podiam ajudar - não havia água, nem ataduras, nem injeções".

Eu fiquei deitado na floresta. Choveu. Próximo estava o capacete e eu juntava água da chuva para não morrer de desidratação. Fiquei deitado a noite toda, a roupa não secou. Eu congelei, mas resistia. Próximo ouvi tiros de foguetes múltiplos (MLRS). Caiu muita terra sobre mim, eu segurava o capacete para obter água para beber. Os estilhaços cortaram todos os galhos da árvore sobre mim e eu sofria com a luz solar. Usei alguns galhos para cobrir-me, entrincheirei-me com a terra, para diminuir a temperatura. Estava sujo como diabo...

O capacete encheu-se de terra. E eu espremia o solo para obter alguma umidade. Mas eu precisava de água e proteínas, para renovar o sangue. Nosso lanche ficou no BMP avariado... Eu pegava as formigas, que passavam por mim... Com uma vara extraía vermes da terra - proteína pura. A comida era nojenta, mas algo entrava no organismo..."

Volodia silencia por um momento. Demoradamente fixa o teto. Depois continua a história da sobrevivência em Ilovaisk.
"Ao meu redor havia pedaços de rapazes mortos. Juntavam-se moscas. Mas eu não queria pegá-las. Durante a noite o meu nariz ficou cheio de muco. Devido a desidratação racharam meus lábios e secou minha língua, por isso eu decidi engolir esta mistura líquida e untei os lábios. Juntaram´se moscas sobre minha face. Assim eu engoli algumas. No terceiro dia minha coordenação já estava perturbada - por deficiência de sangue, fome, dor, aparência terrível de cadáveres estraçalhados ao redor...

Eu tinha uma agenda, comecei escrever quando fazia um curativo. No braço escrevi com marcador, meu nome e minha origem. Para aliviar a dor, comecei anotar tudo, meus pensamentos - minha condição, mensagem para minha esposa. Para o caso de ali morrer e for encontrado. Lá haviam anotações, como "Manhã, 29 de agosto. Ainda estou vivo". Hoje minha esposa diz, que tentou ler, mas por enquanto ainda não consegue. Mas eu também ainda não consigo. Um dia releio, reimprimirei no computador", - sorri sinceramente Volodia.

"Na minha ferida criaram-se parasitas. Como em toda carne alheia ao redor... Eu me esforçava para urinar sobre a ferida para desinfectá-la. No quarto dia já não havia urina. Mas, se houvesse, eu a tomaria".

Eu tinha uma bússola, por ela eu me guiava e registrava os dias.

Eu estava inconsciente. Depois senti que havia alguém. Abri os olhos e vi três pessoas - Ivan, Mykola e não me lembro o nome do terceiro. Eles estavam recolhendo o que foi deixado no local da batalha. Ouvi que o grupo "franco- atirador" nosso voou em pedaços. Eles me descobriram e prometeram voltar. Trouxeram uma mulher. Ela tinha um frasco de remédio que usou na ferida, e me aplicou uma injeção.
Os rapazes me trouxeram água, sopa, tomates, bacon e pão. Eu agradeci. Mas disse que pão e bacon não poderia comer. Disseram que a "Cruz Vermelha" recolhia cadáveres nos sacos e a encaminhariam para mim. Voltaram à noite e disseram que a "Cruz Vermelha" recusou-se vir me buscar porque havia tiroteio. Me envolveram num cobertor e me colocaram no carro. Um dirigia, outros dois empurravam. Explicaram que o acumulador estava furado. Depois de uns 20 minutos chegamos no ponto de abastecimento, mas o motorista pegou apenas meio litro porque o tanque estava furado. Paramos numa aldeia para água. Eu senti que a água era fria, de poço, então o homem me explicou: "Aqui, depois dos ataques nada mais funciona. Pegamos água apenas das casas que têm poço". 
Os locais me levaram ao hospital de Starobeshevo. Ajudaram-me muito, apesar de que não escondiam que eram contra o exército ukrainiano - matamos os civis, segundo eles.
No hospital não havia luz, janelas quebradas. Medicamentos não havia. As enfermeiras encolhiam os ombros. Depois me trouxeram glicose e água oxigenada para remover os bichinhos do pé.

Pedi para telefonarem para minha esposa. No início ela ficou em estado de choque. 

Os médicos de Starobeshevsk disseram que não podiam ajudar mais - não havia nem água, nem ataduras, nem injeções... Telefonaram para alguém e fui levado pela "rápida" da DNR. Levaram-me para Donetsk, ao primeiro hospital pelo caminho. Perguntaram quem eu era e quando souberam que era soldado ukrainiano (Que eles chama "Ukrop"), recusaram-se. Não sei se foram os médicos ou a segurança... Fomos para outro hospital, disseram que não havia cirurgião. No terceiro não aceitavam pacientes sépticos em uma sala de cirurgia esterilizada. Finalmente fui aceito no Nono Hospital Municipal. Foi o sétimo. Lá o tratamento também foi um pouco tendencioso ao militar ukrainiano: 
- Por que vieram?" "Nós não os queremos aqui". Mas, agradeço ao cirurgião e enfermeiras, a operação fizeram normalmente.
O cirurgião me avisou que a amputação seria acima do joelho. Eu sabia, que em cinco dias apodreceu bastante.

Depois da cirurgia, lembro a primeira pessoa, voluntária, ao lado da cama, com olhar desconfiado. Mas trouxe uma camiseta, toalha, comida. Depois trouxe muletas.
Neste hospital fiquei vários dias, depois me levaram para Hospital Kalinin. Lá era sede dos terroristas e lá eles reuniam os prisioneiros ukrainianos.
"Levaram-me para o porão, onde estavam nossos prisioneiros. Tratavam-nos como prisioneiros. Comida, às vezes traziam - mingau cozido na água. Às vezes esqueciam. Mas a mim, depois do menu da floresta, tudo era gostoso. O pão traziam. Eu o escondia debaixo da camiseta, e comia quando não traziam nada.

O que mais contar eu não sei. Todo o restante fez minha esposa - procurava, libertava. A entrevista é ela que deve dar.

Esposa sobre a procura: Do recrutamento ligaram e perguntaram se Volodia estava em casa.

Yaroslava disse que quando seu marido telefonou de Starobeshevo, ela saiu da realidade. Graças às brincadeiras de Volodia ela certificou-se que era mesmo ele. Mas, devido ao choque não peguntou o local do hospital e como entrar em contato. Foi procurar na Internet.

"Ao amanhecer consegui ligação com a prefeitura. Lá não havia luz. Um homem levou uma hora procurando lanterna para encontrar o telefone do hospital. Lá, o médico disse que o estado de Volodia era muito grave, morre se não for operado. Que poderão levá-lo, talvez, para Donetsk. 
Eu sabia que a cidade estava ocupada, e que meu marido seria capturado, mas concordei, porque o principal era salvar sua vida.

A esposa, primeiro contactou com o Centro para libertação de prisioneiros, apelou para a sede de Akhmetov, que ajuda retirar as pessoas da região ocupada, escrevia para o SBU, dirigia-se aos amigos.
"Liguei para Hospital Kalinin. Me atendeu uma mulher com aprumo militar, dava para sentir. Fiquei sabendo que Volodia estava com os terroristas. Eu lhes telefonava seguidamente. Com cuidado procurei descobrir o que  e como o julgavam. Falava em russo, fingia-me de ovelha estúpida.
A mulher do hospital prometeu ajudar. Ela me avisou que os militares da DNR estavam interessados em Volodia para troca. Não telefonei mais para esta mulher, para não prejudicá-la, ela continuará vivendo entre os terroristas.
No décimo-primeiro dia me telefonaram do recrutamento. E perguntaram se eu sabia do paradeiro de Volodia. Já não estaria em casa?"
"Eu fiquei tão brava que, se este homem estivesse próximo, eu o mataria. Eu lhe disse: vocês o pegaram, mandaram para ATO, lá o perderam e abandonaram no mato. E agora perguntam, aonde ele está!"

Em 10 de setembro a esposa do voluntário veio a Kyiv apresentar mais um pedido ao SBU. No Maidan recebeu mais um telefonema. "Disseram que haverá troca de prisioneiros. Querem trocar Volodia por 5 terroristas. Eles, lá na sede Kalinin, por alguma razão pensaram que Volodia é um importante espião. Depois da libertação, o presidente Poroshenko escreveu no Twitter, que ele foi libertado como espião. Acrescentou combustível ao fogo", - ri Yaroslava. A filha do casal guardou o tweet. Os pais riram. Volodia constatou:
"Eu  olhei, e lá todos os sobrenomes são moldavos. Diretamente da subdivisão especial..."
 
Tradução: O. Kowaltschuk

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