sexta-feira, 25 de dezembro de 2015


Fome na URSS. Trecho do livro de Timothy Snyder

"Terras Sangrentas"(Blood of the Earth) - Parte - 4

Ukrainska Pravda (Verdade Histórica 02.12.2015 
Timothy Snyder, Ph.D., professor da Universidade de Yale (EUA)

Coletivização era política geral do governo da União Soviética, um país enorme e com instável situação na fronteira, era necessário considerar à luz dos cenários gerais da guerra.

Stalin e a liderança soviética consideravam Polônia um posto avançado do mundo capitalista na fronteira ocidental da URSS, assim como o Japão, a leste. Relações polono-japonesas desenvolviam-se muito bem; e na primavera de 1930 Stalin  estava muito preocupado com a ameaça de invasão polono-japonesa na União Soviética. Tinha o maior território do mundo, da Europa ao oceano Pacífico, e precisava prestar atenção não só aos países europeus, mas também às ambições asiáticas do Japão.

Assim como o caos trazido pela coletivização, nas regiões ocidentais da União Soviética provocou temores quanto a invasão polonesa, a desordem na parte oriental do país jogava em favor do Japão. Na Ásia Central soviética, especialmente no predominante Cazaquistão a coletivização pariu um caos ainda maior que na URSS (República Socialista Soviética da Ukraina). Ela precisava de transformação social mais radical.

As pessoas da República Soviética de Cazaquistão levavam uma vida nômade, e o primeiro passo para modernização soviética consistia numa residência forçada. Antes do início da coletivização, os nômades deviam tornar-se agricultores. A política de "Estabelecimento" privava os pastores do gado e, portanto, dos meios de subsistência. As pessoas conduziam seus camelos e cavalos através da fronteira, à província muçulmana chinesa Xinjiang (Turquestão Oriental), o que causou desconfiança de Stalin que suspeitava que eles fossem agentes dos japoneses, os quais desempenhavam o papel externo principal nos conflitos internos chineses.

Nem tudo corria conforme o planejado. A coletivização que deveria fortalecer o sistema soviético, desestabilizava a situação na fronteira. O plano quinquenal, que deveria trazer o socialismo para as regiões européias e asiáticas da União Soviética, trouxe enorme sofrimento, e o Estado, que deveria personificar a justiça, reagiu à situação com meios comuns de coerção e violência.

Os poloneses soviéticos foram deportados das áreas fronteiriças ocidentais, reforçaram toda a fronteira. A revolução mundial deveria realizar-se atrás da fronteira fechada e Stalin precisou defender o "socialismo num só país".

Stalin teve de suspender a expansão externa e repensar a política interna. Ele encarregou os diplomatas soviéticos ao preparo de não agressão a Polônia e Japão. Ele ordenou ao Exército Vermelho passar à prontidão, ao combate total, nas regiões ocidentais da União Soviética.

Uma questão ainda mais significativa: Stalin suspendeu a coletivização. O artigo de 02 de março de 1930, sob o título revelador: "Estupeficamento desde sucesso" Stalin escreveu, que o problema da coletivização consistia no fato de que era introduzida com excessivo entusiasmo. E forçar os aldeões a entrar nas fazendas coletivas, afirmava ele agora, foi um erro.

As fazendas coletivas começaram desintegrar-se instantaneamente, como foram criadas. Na primavera de 1930 os aldeões na Ukraina colhiam culturas de inverno e semeavam culturas anuais, como se a terra pertence-se a eles. E poderiam ser perdoados, porque eles pensavam que venceram.

O recuo de Stalin tinha caráter tático.

Dispondo de tempo para reunir seus pensamentos, Stalin e o Politburo (Órgão político do Partido Comunista da antiga U.R.S.S., entre 1917 - 1920) encontraram medidas eficazes para subordinar os camponeses ao estado. No ano seguinte, a política soviética na zona rural começou a ser implementada mais ativamente. Em 1931 a coletivização passou em ritmo acelerado - os aldeões, simplesmente, não tiveram alternativa. 

O nível inferior do partido comunista ukrainiano tropeçou em expurgos, que deveriam garantir que aqueles, que trabalhavam na aldeia, iriam, escrupulosamente, realizar as tarefas e compreenderiam, o que os espera em caso de fracasso. Aos camponeses independentes impuseram impostos, deixando-lhes a fazenda coletiva como única alternativa.

À medida que as fazendas cresciam, elas recebiam um poder indireto sobre os camponeses independentes. Por exemplo, confiscar todas as sementes dos produtores independentes.

Sementes - restante da safra anterior para o plantio da nova - assunto muito importante na economia eficaz. Seleção e conservação de sementes- base da agricultura. Durante toda história da humanidade comer as sementes era sinal de desespero. Pessoa, da qual a fazenda tirava o direito de dispor de sementes, perdia a oportunidade de viver de seu próprio trabalho.

Novamente começaram as deportações, a coletivização caminhava com seus passos. No final de 1930 e no início de 1931, da URSS foram deportadas 32.127 famílias, aproximadamente tantas pessoas foram deportadas durante a onda anterior, um ano antes. Os aldeões preferiam morrer de fome em casa, em vez da exaustão no Gulag.

Às vezes, apesar da censura, recebiam alguma carta de amigos e parentes exilados; uma dessas cartas aconselhava: "Por qualquer preço - não venham para cá. Aqui nós morremos. Melhor esconder-se, melhor morrer lá, mas a qualquer preço - não venham para cá". Os aldeões ukrainianos, que se submetiam a coletivização, escolhiam, segundo palavras de um ativista do partido,"fome em casa, mas não o desconhecido no exílio".

A coletivização em 1931 era mais lenta, família por família, não toda aldeia de uma vez, por isso resistir era mais difícil. Não houve nenhum ataque súbito que provocaria resistência desesperada.

No final do ano a nova abordagem justificou-se completamente. Na Ukraina Soviética foram coletivizadas cerca de 70% das propriedades dos aldeões. O nível de março de 1930 foi plenamente repetido.

Depois da falsa vitória de 1930 Stalin recebeu vitória política em 1931. Mas a vitória política não significava vitória econômica. Com os estoques de grãos havia algo errado.

1930  trouxe uma colheita maravilhosa. Camponeses deportados no início de 1930 conseguiram semear suas culturas de inverno, mas colher a safra já deviam outros. Em janeiro-fevereiro - no papel, a maior parte das aldeias, naquele momento, já foi coletivizada em 1930 - aldeões descansavam. Depois de março de 1930, quando as fazendas foram dissolvidas, os aldeões tiveram tempo para colher a safra da primavera, como pessoas livres.

Naquele verão, o tempo era excepcionalmente bom. A colheita de 1930 era tal, que seria impossível repeti-la em 1931, mesmo se a agricultura coletiva se igualasse à agricultura individual, da qual estava longe. A colheita generosa de 1930 tornou-se base para previsão de 1931 - Moscou esperava da Ukraina mais do que esta podia lhe dar.

No outono de 1931 o fracasso no início da colheita tornou-se evidente. Para isto havia muitos motivos: mau tempo; más sementes; falta de animais de tração pois os camponeses vendiam ou abatiam o gado; produção de tratores aquém do número desejado; deportação de camponeses fisicamente fortes; interrupções da coletivização durante a semeadura e colheita; camponeses perderam suas terras e não viam nenhuma razão para entregar sua força de trabalho. 

Líder do Partido Comunista da Ukraina, Stanislav Kosior, informava em agosto de 1931, que os planos de aquisição de grãos, dada a fraca colheita, eram irreais. Lazar Kaganovich respondeu, que o problema realmente estava no roubo e ocultação dos grãos. Kosior, mesmo conhecendo a situação, adotou aos seus subordinados uma linha dura.

Mais da metade de cerais em 1931 exportaram. Em 05 de dezembro Stalin ordenou, que as fazendas coletivas que não cumpriram as suas taxas anuais, deviam entregar os grãos destinados à semeadura. Possivelmente Stalin acreditava, que os aldeões escondiam os cereais, e a ameça de perder as sementes obrigaria à entrega dos grãos escondidos. Mas, naquele momento, muitos aldeões realmente não tinham nada. 

No final de 1931 muitos camponeses já não tinham comida. Não possuindo  terras, não tinham como resistir à requisição, eles, simplesmente, não viam nenhuma possibilidade de obter alimento. E, no início de 1932 nada para semear. Em março de 1932 a liderança do partido ukrainiano pedia sementes para plantio, mas naquele momento a época do plantio já estava findando, o que significava fraca colheita.

No início de 1932 as pessoas clamavam por ajuda. Ao comunistas ukrainianos locais pediam, que a direção do partido republicano pedisse a Stalin para dirigir-se à Cruz Vermelha.

Os trabalhadores das fazendas escreviam cartas à direção estatal e partidária. Uma destas cartas, depois de alguns parágrafos à chancelaria, terminava melancolicamente: "Deem-nos pão! Deem-nos pão! Deem-nos pão!". Os membros do partido, sem intercedência de Kosior, em tom bastante acentuado, escreviam diretamente a Stalin: "Como podemos construir uma economia socialista, se todos nós estamos condenados a morrer de fome?"

A liderança ukrainiana via claramente a ameaça de fome em massa, assim como Stalin. Ativistas partidários e oficiais de segurança enviavam relatórios intermináveis sobre as mortes famintas. Em junho de 1932 o cabeça regional do partido, Kosior, escreveu, que a fome foi registrada em todos os distritos. Kosior havia recebido uma carta, datada em 18 de junho de 1932, de um "komsomolets", com descrição vívida que, naquele momento soou, provavelmente, com familiaridade: 
Os trabalhadores vão ao campo e desaparecem. Depois de alguns dias, encontram seus corpos e completamente sem emoções, como se isso fosse normal, colocam no túmulo. E, no dia seguinte, já é possível encontrar o corpo daquela pessoa, que tinha acabado de cavar a sepultura para outros".

Naquele mesmo dia, 18 de junho de 1932, Stalin, em uma conversa privada, reconheceu que havia "fome" na Ukraina. Na véspera a liderança do partido ukrainiano pediu para ajudar com comida. Mas Stalin recusou. Ele respondeu que o armazenamento de grãos na Ukraina, deve ir de acordo com o plano. Stalin e Kaganovych consideravam que "é imperativo, que exportação seja imediata e obrigatoriamente em ordem".

Cartazes da industrialização da SSR. Para isto ia o dinheiro proveniente da exportação de grãos.





Stalin, a partir de suas próprias observações sabia em, o que viria a seguir. Ele sabia que a fome no governo soviético era possível. A fome assolava na Rússia e Ukraina durante a guerra cidadã, nos primeiros anos e depois dela. A fraca colheita juntamente com as requisições trouxe à beira da fome centenas de milhares de camponeses ukrainianos em 1921.

A falta de alimentos obrigou Lenin colocar em primeiro lugar o compromisso com o campesinato. Stalin conhecia bem esta história, dela também participou. Que a política stalinista poderia levar à fome em massa - também era claro.

Stalin sabia, que até o verão de 1932 mais de um milhão de pessoas morreu de fome no Cazaquistão. O líder sentenciou o chefe do partido local Philip Goloshchekin, mas tinha que entender questões fundamentais.

Tradução: O. Kowaltschuk

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