quarta-feira, 15 de julho de 2015

Pela estrada a Shchastia: zona da linha de frente.
Ukrainska Pravda Zhyttia (Verdade Ukrainiana Vida), 06.07.2015
Volodymyr Ermolenko, Tatiana Oharkova

Próximo à entrada da Stanytsia Luhanska, pequena cidade próxima a Luhansk, há um checkpoint, que carrega os sinais de recente combate.
O mato cortado pelo tiroteio, cortados, como por uma tesoura os topos das árvores: Exército de árvores sem coroas, somente de troncos. Restos de armamentos, por vezes quebrados em pequenos fragmentos. Completamente queimado o tanque. Adiante - algumas casas queimadas, posto abandonado.
O chekpoint funciona. Passando volvemo-nos para os combatentes ukrainianos. Nas caixas de munições, que agora servem como fortificação - um pequeno brinquedo de pelúcia.

Na própria Stanytsia Luhanska paramos próximo da Estação de Serviços completamente quebrada. Dentro - um monte de escombros carbonizados, vidro fundido, como se alguém o tivesse torcido como uma folha de papelão.
Centenas, ou mesmo milhares de pequenos orifícios, através dos quais infiltra-se a luz. A luz aqui é muita, ela vem de cima, através dos restos do telhado, reflete das placas de alumínio, atravessa as aberturas dos fragmentos, que até é preciso fechar os olhos.

Encontramos uma pequena chave chamuscada. Na porta meio queimada placa "Aberto". Sentimento assustador. Será que ainda vive aquele que abria esta porta?
Um pouco adiante - completamente destroçada loja. Carcaças de metal retorcidos: sob a ação do fogo o metal parece planta. 

Nós conversamos com Larissa, Sua casa - não muito longe da loja destruída. Seus parentes morreram. A bomba atingiu sua casa, eles foram rasgados em pedaços. 
Mas Larissa e sua família não vai embora. Seus vizinhos também não vão. Eles se apegam às suas casas, como se fossem parte deles.
Termina o dia, ao redor silêncio e tranquilidade. O sol se põe, casas e árvores refletem a luz, parecem cobertas com ouro, é incrivelmente lindo. É impossível acreditar, que nestes lindos lugares há guerra.

Viagem 1.3
Nestas cidades da frente (de batalha) nós viajamos com os voluntários do "Vostok SOS". Jovens rapazes e moças; muitos deles daqui, de Donbas. Seu pequeno ônibus azul, com tridente (símbolo ukrainiano) eles chamam "ATObus". Nossos companheiros Eugene Vasiliev, Julia Pelyusova, Milan Zaitsev, Anton Goloborodtko, Maxime Moiseenko.

Voluntários Vostok-SOS
Vostok-SOS foi fundado com a união de duas organizações de direitos humanos de Luhansk, "Progresso" e do Centro de Direitos da Criméia "Ação". Quando começou a guerra, primeiro criaram uma hotline. Ajudavam retirar as pessoas da zona de guerra. As pessoas fugiam sem saber para onde - e eles davam a primeira ajuda, procurando abrigo, fornecendo o essencial.
Em agosto de 2014,os voluntários perceberam que isso não era suficiente. Que precisavam ir às zonas pré-frentes (das batalhas) às cidadezinhas e aldeias, que frequentemente são cortadas da vida normal, às quais não chegam os produtos, aonde não há medicamentos. Então, com isto ninguém se envolvia.

Agora é a sua décima terceira viagem - ou como eles dizem, viagem 1.3. Cada uma pode durar uma ou várias semanas. Eles visitam várias aldeias por dia e distribuem pacotes de ajuda já preparados. Os pacotes contém - arroz, açúcar, leite condensado, macarrão, 2 latas de guisado, patês e conservas de peixe. Também trazem equipamentos médicos para hospitais, remédios, ou alguns objetos vitais que alguém pediu pessoalmente.

No início, dinheiro para ajuda humanitária das pessoas recolhiam através dos cartões bancários. Agora Vostok-SOS também depende de fundos de organizações internacionais de países da União Européia, da União Européia, do fundo "Renaissance". Na viagem 1.3 viajamos com a ajuda da Estônia.

Distribuição da ajuda humanitária
Fila para receber ajuda.
Em muitas aldeias próximas às linhas da frente as lojas não funcionam. Funcionam lá onde há transporte rodoviário disponível, onde não está disponível por várias razões, as pessoas vivem sem os produtos e sem os remédios, sobrevivem apenas com a agricultura de subsistência. Cultivam vegetais sazonais, frutas ou flores.

Agora é temporada de morango, mas as pessoas têm dificuldade de lavá-lo para venda. Entregam por 10 - 15 UAH o quilo e, em Luhansk podem custar 100 - 140 UAH o quilograma.
As pensões são pagas,(pelo governo da Ukraina - OK) mas recebê-las, às vezes precisam buscá-las em outras cidades (Shchastia, Novoaydar ou Starobilsk). E, novamente, problema do transporte, às vezes é necessário contratar uma condução e pagar 100 UAH.
Jovens praticamente não há. Ficaram principalmente os aposentados ou pessoas de certa idade que se agarram às suas casas, como a última esperança.

Morangos na linha de frente.
Olena Zakharivna tem 76 anos. Ela usa um velho vestido roxo com flores vermelhas, e um lenço branco na cabeça grisalha. 
Ela se apoia numa bengala caseira. Suas pernas estão inchadas, pesadas. Ela tem osteoporose: manter as costas eretas ela não consegue, anda com dificuldade, inclinando-se muito para frente.

Nós a encontramos em Peredilsk, próximo da linha de frente, a poucos quilômetros de Shchastia, 30 quilômetros de Luhansk. 
Ela ficou duas horas na fila aguardando a ajuda comunitária, mas sozinha voltar à sua casa não pode.
"Hoje havia tiroteio a noite toda, janelas tremiam, eu não sabia aonde deitar, para que o vidro não caísse sobre mim, - conta ela. - Bom, se matarem de vez, mas se te deixarem aleijada?"

Olena Zakharivna. Esta e as seguintes - fotos dos autores.
O marido, Olena Zakharivna enterrou a seis anos. Ela tem três filhos, dois em Luhansk. O filho vive num prédio de 36 apartamentos, mas há moradores apenas em seis, os outros foram embora.
Ela comunica-se com os filhos por telefone, mas nem sempre consegue. Entre ela e os filhos - a linha de frente. O neto mais velho já recebeu o passaporte da "República de Donetsk". O que ele vai fazer com este passaporte não se sabe: na Ukraina com ele não entrará, na Rússia também não.

A raiva de Olena Zakharivna é direcionada para "FSC": "Por que diabo eles quiseram a separação, se eles nada podem?"
Ela pára e começa desenhar na areia um imaginário esquema de abastecimento de Luhansk: de onde a energia elétrica, a água, os produtos.
Mas o governo ukrainiano também não lhe desperta simpatias. Quando o governador Moskal bloqueou a água da "FSC", para ela significou uma coisa: seus filhos e netos ficaram sem água.
Sua casa é de tijolo branco. Poço com guindaste, do qual ela pega água. Um forninho pintado, que também tem uma chapa. Os bancos e utensílios são antigos, mas limpos e arrumados. No interior - um aroma fresco e agradável de uma casa ukrainiana.

Olena Zakharivna ia aos "referendos". Às pessoas lá prometeram certos cartões. "Disseram que, sem os tais "cartões" não haverá vida, não haverá acesso a nada. Então todos foram - doentes, aleijados, pobres, todos esperaram a sua vez, um jovem guarda a empurrou para o lado - disse que o cartão ela receberia no comitê executivo. Mas, pelo cartão, ela nunca recebeu nada.
Mudar-se ela nunca irá. Não há para onde, "os bolsos estão vazios e ninguém dos meus vive nas cidades". "E como eu deixarei tudo? Tudo foi feito com minhas mãos". "As pessoas só desejam ima coisa: que tudo isto termine, para que não haja mais tiroteio".

Ela não nos deixa ir embora sem nos oferecer morangos. Os morangos continuam crescer aqui nestes campos queimados pelo sol, nestes campos arenosos, sob estes projéteis, que voam sobre cabeças diariamente. O morango é doce - doce. O mais doce do mundo.
Os mais gostosos morangos da nossa vida nós domemos aqui, na linha de frente.

Aguçado senso de justiça.
"Aqui ninguém lhes dirá algo, - diz em Peredilsk um homem com óculos escuros - Aqui a regra principal para maioria - não se destacar". "As pessoas aqui são mais silenciosas que a água e abaixo da grama. Todos eles sabem que a sobrevivência é no meio".
Alguns que estão na fila para a ajuda humanitária, em Peredilsk ou Shchastia, recusam-se a falar conosco. Eles têm medo dos jornalistas, acreditam que "todos que conversaram com os jornalistas, depois tiveram problemas. Que são vigiados, mesmo quando não ligam o gravador.
Mas a maioria fala abertamente - sobre o tiroteio, sobre seu cansaço de guerra.

Leonid Nikolayevich - pensionista: diz que ficaria feliz em ir a Luhansk, onde trabalhou na fábrica, para obter um certificado. Agora recebe 949 UAH (Isto deve ser a pensão que o governo da Ukraina paga aos aposentados, inclusive nos territórios ocupados - OK), mas deveria receber cerca de 2 mil. Mas, para isso precisa de documentos, que estão na região de Luhansk à qual não dá para ir.
Outros falam sobre a dificuldade de vender morangos, não há acesso aos mercados, acabam entregando àqueles que os levam como contrabando ao território da "FSC".

Na cidade Shchastia.
O tiroteio aqui é principalmente à noite. Ou porque, à noite é mais fácil esconder suas posições, ou porque não trabalham os observadores da OSCE. Mas, às vezes, há tiroteio de dia. As pessoas já, lentamente, estão se acostumando com os sons dos projéteis que voam por cima de suas cabeças.
"Eles atiram, e nós plantamos flores", diz uma interlocutora nossa.  "No referendum fui. Todos foram. Todos votaram pela independência da FSC. Por quê? Ninguém queria problemas" - diz Viktor. (Aqui percebe-se o nível de ignorância do povo. Aceitaram o problema, como em muitos outros lugares - OK). Luhansk morreu há um ano - em agosto de 2014. Foi atingida por uma bomba. Fomos ao necrotério, coletamos os pedaços".

Ficaram duas crianças.
"Eu não sei, quem é culpado, eu não posso culpar ninguém." "Não é a nação que luta. A nação está no trabalho, nas plantações. E aqueles, que guerreiam - estes são outras pessoas."
Muitos aqui culpam pela guerra a Ukraina. Muitos a Rússia e os separatistas. Mas a maioria evita respostas diretas e querem que as duas partes simplesmente parem com os tiroteios.

Nós voltamos para o misterioso homem de óculos com vidros pretos. Ele possui, como diz, - "um elevado senso de justiça".
Ele tem 77 anos, embora aparente 60. Trabalhou como mecânico no navio, nadou no Oceano Pacífico, e na linha do Equador, e próximo a Kamchatka. Depois de um longo tempo no mar, ao voltar não conseguia acostumar-se na terra.
"Eu andei por entre o milharal, para não ser visto, e chorei".  Ele tem sua própria visão do que aconteceu.
"Putin começou tudo isso, e sozinho não sabe como sair dessa", considera ele.  "À Rússia prevê o destino da União Soviética depois do Afeganistão. 
"Olhe para estes kazakes em Stanytsia Luhanska, - ironiza. Sempre foram mascarados. Sabe o que diziam deles? "Seu avô era Kazak, seu pai , era filho de Kazak, mas você é a cauda de cachorro". "Mas agora eles com automáticos, pessoas sérias."

"A União Soviética construiu-se na mentira", - diz Alexander, um ex-militar. Sua esposa é natural de Lviv. "Eles me dizem sobre os seguidores de Bandera (banderivtsi) e nazistas. Mas eu lhes disse, que isto é mentira, que eu conheço pessoas de Lviv, que é grande povo". (Os russos, a todo custo tentam convencer o mundo, que Ukraina, especificamente o oeste ukrainiano , onde houve resistência ao governo de Moscou, era fascista e apoiava Hitler na Segunda Guerra. No entanto, os ukrainianos ajudaram, nos campos de batalha, a derrotar o nazismo. A ajuda ukrainiana foi bastante significativa - OK).

Shchastia - é Ukraina
Quando nós saímos de Peredilsk na direção de Shchastia, no sentido contrário, numa bicicleta vinha uma jovem mulher. Ela não segura no volante, e expõe ao sol, as mãos e o rosto. Parece não pensar em nada - atrás um enorme caminhão militar. 
À direita no rio, estão paradas garças brancas -majestosas e silenciosas, pacíficas, na luz do sol, como estatuetas de porcelana chinesa. Paz e guerra estão mais próximo do que parece à primeira vista.

Shchastia em Luhansk. Fila pela ajuda humanitária.
Ao lado do posto de controle, próximo da linha de trem - tubo guia do "Grad", que sobressai da terra, como uma enorme flecha. Outro tubo do "Grad", de três metros, vemos em Shchastia, próximo da loja. Na parede há uma pintura de uma grande ave. Parece que a ave está sentada neste tubo mortal, como numa viga.

O lado do café, em fevereiro atingiu um foguete, todos os quatro funcionários, que estavam dentro, morreram. Nos prédios, por vezes, não há vidro nas janelas: elas estão fechadas com placas de compensado. Não há mais varandas.
Na porta da loja a etiqueta: "Shchastia - é Ukraina".
"Você tem medo?" - Perguntamos à vendedora. Ela trabalha aqui, sob tiroteios, na loja, na qual cada dia pode acertar um projétil.
"sim, tenho medo, - responde ela. - Mas nós, mulheres, - somos pessoas fortes".

Nova fronteira
De Stanytsia Luhanska voltamos no escuro. Os militares no posto de controle nos lembram, que após às 21:00 começa o tiroteio.
Num dos postos de controle oferecemos carona a um rapaz. Sozinho, vai a pé. Ele disse que sua mãe morreu em Luhansk, e ele foi de Artemivsk, ao funeral. Tentou, a pé passar pelos postos de controle. Não lhe permitiram. Agora retorna. Também a pé. 
Sistema de passagem - mais um problema humanitário. Para sair de FSC/DNR para Ukraina, as pessoas esperam semanas, às vezes mais de um mês. Não tendo a licença, podem passar por vias ilegais - exemplo, por barco através de Siverskyi Donets (rio). Será que o sistema de acesso protegerá aqueles que conhecem estes caminhos ilegais?

De fato, isto é uma verdadeira fronteira: fronteira entre FSC/DNR e Ukraina. Em cada posto de controle estão não apenas os guardas de fronteiras, mas também os militares.
Mas é ainda pior que a fronteira. Quando estivemos na região de Luhansk, todos os postos de controle entre Ukraina e FSC estavam fechados. Em ambos os lados. 
Apenas pássaros podem voar. E "Grad".

Stanytsia - Luhansk
Stanytsia - Luhansk
Chuva de aço.
Em um dos postos de controle os soldados nos perguntam, se não temos pessoas de Transcarpathia. Os soldados daqui, são principalmente da Ukraina Ocidental, procuram conterrâneos, alma gêmea
(Há uma certa diferença entre ukrainianos do leste e do oeste. Oeste sofreu influência européia, enquanto o leste foi dominado pela Rússia desde 1654 - OK).
No outro, o soldado pede água. Nós damos a garrafa. Eugênio oferece a bandeira ukrainiana. O soldado pega com alegria.
No próximo, pedem cigarros. E cigarros nós também temos.
Os carros que passam por estes postos de controle, às vezes é a única chance dos soldados em conversar com alguém.

Na aldeia Stanytsia Luhanska nós nos encontramos com os soldados da Brigada 128.
Eles nos convidaram para dentro de casa: a hospedeira morreu a vários anos. Eles reúnem-se num pequeno pátio. Do alto os protege a videira, dos lados - rede de camuflagem. Mesa redonda, uma lata de conservas, alguns cálices de metal. A maioria usa calças militares. Rapidamente organizam chá e colocam sobre a mesa um prato de biscoitos. 
Fora tem um pequeno ônibus. Nele está escrito: "Drone". Com humor aqui está tudo bem.
Eles estão felizes com a visita, brincam e sorriem. Fortes e alegres. Lembram as batalhas.
Um dos mais experientes fala sobre os acontecimentos. Ele tem a alma carregada. Todos os soldados tem peso na alma. Estas pessoas têm de suportar a morte. Eles não querem isto. Eles são pessoas pacíficas, que se encontram na guerra. Na rotativa, um deles foi conversar com o padre.
"Depois da guerra virás à confissão, confessarás e pedirás perdão", - disse-lhe o padre. "A verdade está do seu lado." ele se mantem com estas palavras.

Eles tomam conhecimento sobre as tragédias ao redor. Em toda parte os campos estão minados, onde morrem os locais. A alguns dias atrás, um homem ia a Luhansk com dois filhos. Quis encontrar um caminho alternativo, próximo aos postos de controle. Na floresta encontrou a "extensão". O menino de 14 anos e o pai morreram no local. O de 16 anos, que parou para amarrar os cadarços, ficou salvo.
quando atiram do "Grad", é melhor cair no chão e não se mover, - dizem os soldados. O rosto na terra sem nenhum movimento. Deitar-se e rezar.
"Em tais momentos de você nada mais depende. Deite e lembre todos os deuses que você conhece".

As pessoas na linha de fogo, brincam sobre o "Grad". "É simplesmente como a chuva".
"Chuva de aço. Chuva mortal.
Mas, às vezes, a chuva termina". 
Eles acreditam que esta chuva terminará.

Tradução: O. Kowaltschuk

Nenhum comentário:

Postar um comentário