A luta e a ocupação da parte do território da Ukraina pelos separatistas, apoiados pela Rússia, trouxe para os crentes práticas cruéis de intolerância religiosa, assassinatos e repressão.
Tyzhden. ua. (Semana Ukrainiana), 26.06.2015
Nikolai Karpitskiy
Os separatistas vieram ao Donbas com a ideologia do "mundo russo" com tratamento super agressivo que foi consolidado na adotada em 14.05.2014 "Constituição da "DNR". Em seu preâmbulo diz que o "Parlamento" adota a "constituição", professa a fé ortodoxa (a fé cristã ortodoxa universal de confissão oriental) da Igreja Ortodoxa Russa (Patriarcado de Moscou) reconhecendo-a alicerce do "mundo russo". Deste modo os separatistas opuseram, sob a aparência da ortodoxia, uma especial doutrina religiosa, que é a base do mundo russo, não apenas a todo cristianismo, mas também a todas outras Igrejas Ortodoxas. O capítulo nono da "Constituição da "DNR" declara que esta doutrina religiosa é dominante: "Na República Popular de Donetsk, dominante é a crença ortodoxa (crença cristã ortodoxa de confissão universal), que professa a Igreja Ortodoxa Russa do Patriarcado de Moscou. Mas a "experiência histórica e o papel da Igreja Ortodoxa e da Igreja Ortodoxa Russa (Patriarcado de Moscou) são reconhecidas e respeitadas, entre outros, como sistema de pilares do "mundo russo".
Com esta estratégia os separatistas também se impuseram à maior parte dos crentes de Donbas, cuja particularidade é a diversidade confessional. O número de então comunidades protestantes registradas no início da guerra russo-ukrainiana é um pouco menor que o de comunidades do Patriarcado de Moscou. Nestas condições, o conflito religioso foi inevitável.
Na administração estatal regional de Donetsk informaram, que no final de 2014, na região de Donetsk (com territórios ocupados) foram registradas 1795 organizações religiosas, das quais 1723 - comunidades religiosas. As organizações religiosas ortodoxas compõem cerca de 49%, delas 42,9 são organizações religiosas do Patriarcado de Moscou.
Os protestantes tem mais de 700 organizações - 40,9 do total. Delas mais de 12% - são igrejas carismáticas e mais de 10% são batistas. Também são registradas 38 muçulmanas, 19 judias, 14 budistas e 8 vaishnavas (vaishnava - popularmente conhecida Hare Krishna) organizações religiosas. No entanto, é necessário considerar, que também há igrejas e organizações comunitárias sem registro oficial porque a legislação ukrainiana permite tal prática.
Além disso, algumas igrejas nos territórios ocupados, foram forçadas a cessar suas atividades devido a violência dos separatistas. A administração informou que na região de Donetsk há, oficialmente registradas 26 missões religiosas. Todas elas são representadas pelas confissões protestantes (batistas, evangélicas, Igreja do Evangelho Pleno, Igreja de Cristo, Igreja de Deus Pentecostal, Associação de Igrejas Batistas independentes e religiosos da Associação de Igrejas Missionárias Evangélicas de Cristãos da Ukraina. Com evangelização e atividades de caridade, muito ativamente ocupam-se os Cristãos Evangélicos Batistas de Makiivka, de Khartsyzsk, de Slovyansk, de Mariupol, de Donetsk.
NA VISÃO DO MUNDO DOS SEPARATISTAS, OS PROTESTANTES, CATÓLICOS E ORTODOXOS QUE NÃO PERTENCEM AO PATRIARCADO DE MOSCOU - SÃO OS MAIS FEROZES INIMIGOS DO "MUNDO RUSSO".
À guerra no leste da Ukraina precedeu uma maciça propaganda pró-russa. Pessoas com crenças determinadas apresentaram-se mais resistentes a ela. É por isso que já no início da guerra, a maioria dos protestantes de Donbas ficou do lado dos ukrainianos. Com os ortodoxos a situação é mais complicada, porque muitos não se reportam a motivos religiosos, mas aos ideológicos. Creio que todos, que possuíam certas orientações, protestantes, ortodoxos, vaishnavas ou muçulmanos, possuíam imunidade contra a propaganda, por isso os apoiadores do "mundo russo" os percebiam como inimigos potenciais.
A vitória da revolução no Maidan muitos moradores de Donbas encontraram de sobreaviso, as posições eram diversas. Muitos não apreciavam o governo corrupto, mas oravam por ele. O espancamento dos estudantes, os fuzilamentos das pessoas, a fuga do presidente - todos esses eventos levantaram a questão, até aonde é necessário considerar o governo legítimo e rezar por ele, e como colocar-se diante de um novo governo. Alguns bispos tinham sua própria posição, alguns não tinham, mas como não havia uma avaliação clara do sacerdócio e nenhuma posição do episcopado, predominava a visão de que havia a necessidade de abster-se da demonstração política. No entanto, o início da guerra forçou muitos a auto-determinação, e não apenas com palavras, mas também com ações expressar a sua posição, incluindo-se no trabalho com ajuda aos residentes das zonas de combate, que a necessitavam, e aos militares ukrainianos.
Em diferentes cidades de Donbas, com o início da guerra, os eventos desdobravam-se, aproximadamente sob o mesmo esquema. Inicialmente começavam os rumores de que, supostamente vinha o "Setor Direito" (Os combatentes do famoso "Setor Direito" lutam pela Ukraina, apenas seus métodos são considerados mais diretos, isto é, não são de muita conversa. Daí a fama - OK), depois a captura de edifícios administrativos com absoluta indiferença da milícia, mobilização de excluídos, os quais se consideram completos donos das ruas, que depois são afastados pelos mercenários com hábitos militares. Depois aparecem armas pesadas e militares profissionais sem distintivos. Nestas condições, mesmo aqueles pastores, que anteriormente não apoiavam Maidan, tornavam-se apoiantes da Ukraina. Pouco a pouco, o estado de espírito da população começou mudar, e agora a maioria das pessoas dos territórios libertados lembra o período de ocupação como um pesadelo.
O diácono de uma pequena igreja pentecostal "Amor de Jesus Cristo", na região de Kramatorsk, Alex Palchenko, contou que de 20 igrejas protestantes apenas numa apoia os separatistas. Ele mesmo, durante a ocupação levava ajuda aos chekpoints, que era recolhida pelos fiéis de sua igreja - os pensionistas de idade avançada, recolhiam ajuda aos militares ukrainianos de suas pensões miseráveis. Preparavam alimentos aos militares.
À detenção de cristãos em Kramatorsk não chegou, mas alguns pastores foram advertidos que estavam listados para aprisionamento, então precisaram sair da cidade. Já em Slovyansk as prisões de ministros e paroquianos de igrejas protestantes ocorreu bem cedo. Em 16.05.2014, por ordem da liderança militar da cidade foi preso o bispo da associação evangélica "Igreja de Deus da Ukraina", pastor sênior da igreja "Boa Notícia" em Slovyansk, Alexei Demydovych. Anteriormente os separatistas vieram atrás de seu irmão - pastor Sergey Demydovych. Fizeram busca em sua casa e garagem, declarando que ele "trabalhava em prol da América!. Por sorte, ele encontrava-se em Kyiv e escapou de ser preso, mas Alexei passou sete horas no porão com venda nos olhos. Depois apareceu o indicado pelos separatistas prefeito de Slovyansk, Vyacheslav Ponomarov e mandou liberar Alexei Demydovych. O próprio Ponomarov, um ex-viciado em drogas, passou pela reabilitação numa das igrejas protestantes, então as atividades dos protestantes lhe eram familiares. As primeiras detenções os pastores perceberam como um aviso, e rapidamente abandonaram a cidade ocupada. A "milícia" que simpatizava com eles, confessou aos paroquianos: "Se os pastores não tivessem ido embora, eles nunca mais poderiam ir".
Com os "cismáticos" os separatistas não fizeram cerimônia: Todos os ministros ortodoxos não pertencentes ao Patriarcado de Moscou expulsaram da cidade assim que chegaram (o que, possivelmente, os salvou), mas o que fazer com os protestantes - esta questão decidiam de forma variada. Natália Bradarska, esposa do fuzilado diácono, da Igreja Evangélica "Transfiguração" contava como vinham até eles os militantes. Eles sentiam-se atraídos pela beleza do edifício, com duas colunas, no centro da cidade. "Americanos? Igreja pró-americana?", - perguntavam. Eles não conseguiam acreditar, que o prédio da antiga Casa da Cultura foi completamente restaurado pelos próprios paroquianos e somente com doações: "Vocês tem ajuda dos americanos, americanos - são nossos inimigos, mas nós - Exército Ortodoxo Russo". No início os militantes decidiam, tirar o prédio ou não, mas depois disseram: "Por enquanto rezem". E apossaram-se de outra igreja - "Boa Notícia", que localizava-se numa colina, do ponto de vista militar oferecia melhor visão. O pastor da igreja "Boa Notícia" Peter Dudnyk contava, que os separatistas tocaram todos da igreja, dizendo que ali haverá um quartel. Depois da fuga dos separatistas, os militares ukrainianos precisaram três caminhões, para retirar todas as armas do prédio da igreja.
A escalada progressiva de repressões é difícil avaliar uma vez que as informações são fragmentadas e de várias fontes, o que exige generalização. O centro de imprensa do movimento cívico "Todos juntos", em março de 2015 publicou os resultados do monitoramento de perseguições por motivos religiosos, nos territórios ocupados de Donbas: Comprovados assassinatos de sete sacerdotes. Em cativeiro, com espancamentos e interrogatórios estiveram mais de 40 ministros da igreja. Também em 2014 os militantes apreenderam edifícios e instalações de 12 comunidades cristãs: abrigo para crianças, Christian University, três centros de reabilitação para alcoólicos e dependentes de drogas. Além disso, em resultado de bombardeios danificaram 5 edifícios de igrejas, sendo que destas, três queimaram. É seguro dizer, que a repressão foi bem maior que estes dados demonstram. Apesar de que os separatistas demonstraram menos agressividade aos batistas, em setembro de 2014, somente deles tomaram sete igrejas e três foram destruídas. A atitude "tolerante" dos batistas surgiu porque, na cidade Antracite, os separatistas apreenderam o prédio da igreja batista "Casa de oração para todos os povos", duas vezes, mas depois devolveram.
Pastor Sergey Kosyak deu informações sobre apreensão de prédios de igrejas, de seu conhecimento. Em maio de 2014 os separatistas apreenderam prédios de igrejas em Gorlivka e Snizhne, e em Donetsk - o centro de reabilitação "Evening Light", aprisionando 29 pessoas, algumas foram seviciadas. Em junho de 2014 apoderaram-se das igrejas em Rorez, Shakhtarsk, Druzhkivka, duas em Gorlivka, e em Donetsk - o centro de reabilitação "Rocha da Salvação" e todo complexo de Donetsk Christian University. Em agosto de 2014 - igrejas de Donetsk, Olenivka, Gorlivka, em setembro de 2014 em Donetsk e Rovenky. A apreensão das igrejas, na maioria era acompanhada com prisão de pastores.
Se as igrejas protestantes capturavam, seletivamente, as Igrejas Ortodoxas Autocéfalas - de forma consistente e sistemática. O gerenciador da Diocese de Donetsk da Igreja Ortodoxa Ukrainiana do Patriarcado de Kyiv, Arcebispo Sérgio (Horobtsov), em fevereiro de 2015 contou que 30, das 40 paróquias do Patriarcado de Kyiv, no território ocupado, cessaram as atividades, a maioria do clero precisou emigrar devido as ameaças dos separatistas, e os que ficaram são obrigados a praticar os serviços clandestinamente.
O quadro da perseguição dos cristãos, nos territórios ocupados, é muito heterogêneo. As prisões foram realizadas sistematicamente nas cidades onde foram criadas as estruturas relevantes - em Slovyansk, Donetsk, Horlivka. Onde, como em Kramatorsk, não conseguiram criar as estruturas e em algumas cidades periféricas, os separatistas não interferiram nos assuntos dos cidadãos. E algures cometiam violências grupos autônomos de mercenários e associações russas de kazaques.
A maioria de repressões sofreram em Slovyansk. Em 08.06.2014, no dia de Santíssima Trindade, os separatistas sequestraram quatro cristãos: Viktor Bradarskyi (40 anos, 3 crianças), dois filhos do pastor - Reuben (29 anos, casado) e Albert Pavlenko (24 anos, casado) e Volodymyr Wielicz (8 filhos, 41 anos). Apoderaram-se deles depois das orações, quando todos já dispersavam-se. Durante 16 horas eles foram fuzilados, mas dos parentes escondiam o assassinato.
Se em Slovyansk havia um grupo de separatistas, em Donetsk os havia sem conta, o que dava às repressões um caráter imprevisível. Em 25.02.2014, no centro de Donetsk começou a maratona inter-religiosa de orações "pela paz, amor e integridade da Ukraina". Em 24.05.2014 os militantes destroçaram a tenda de orações, ameaçando aqueles que viessem novamente para rezar. O participante da maratona pastor da Igreja Evangélica de Donetsk, Assembléia de Deus, Sergei Kosyak, veio à administração dos separatistas para discutir o incidente, onde foi preso. Após oito horas de torturas apareceu o comandante e começou gritar com os seus subordinados. Exigiu que pedissem perdão ao pastor e devolvessem seus pertences. Em seguida contou ao pastor que esteve no centro de reabilitação "Nova Geração", mas depois afastou-se de Deus e, salvava-o na esperança de obter alguma graça do Senhor. A partir desse episódio é evidente que a colocação dos separatistas à maratona era hostil, mas entre os separatistas havia muitos locais que conheciam os adoradores pessoalmente e algo os segurava. No entanto, os ataques continuaram, com prisões aos adoradores, mas em agosto, já com Strelkov no comando, as detenções e proibição direta de reuniões obrigou-os passar para clandestinidade..
Além da estrutura centralizada dos separatistas em Donetsk existem outras comunidades autônomas, onde já não se encontra ninguém com simpatia. Um desses grupos extremistas, "Exército ortodoxo russo", no dia 4 de julho de 2014 capturou o padre grego-católico Tikhon Kullback. Sofrendo de diabetes, o padre Tikhon, sem remédios, passou 12 deias no cativeiro. Sobreviveu milagrosamente. Três vezes o levaram para fuzilamento, mas atiravam por cima da cabeça. Em 27.05.2014 foi aprisionado o padre católico Pavel Vitek, que passou um dia no cativeiro. Em 15 de julho foi aprisionado por 10 dias o padre Viktor Vonsovych.
Nos primeiros meses de ocupação os pastores de Donetsk tentaram encontrar algum tipo de compromisso com a "milícia" local, muitos dos quais conheciam pessoalmente. Em julho, à cidade, começaram vir os mercenários, e a situação dos cristão se deteriorou. Depois da chegada de Igor Strelkov (Guirkin) , em Donetsk se acentuaram as prisões de cristãos e em agosto de 2.014 as repressões atingiram o pico, depois entraram em declínio.
A ulterior redução do nível de perseguição foi determinada por vários fatores. Em primeiro lugar os separatistas já definiram sua propriedade, tudo, o que eles queriam tirar, eles já tiraram. Houve até casos isolados de devolução de edifícios de igrejas à comunidade. Em segundo lugar, pastores e padres que irritavam os separatistas, foram forçados a abandonar os territórios ocupados. As atividades das igrejas ortodoxas, não pertencentes ao Patriarcado de Moscou cessaram. Terceiro, os separatistas, gradualmente acostumaram-se com os protestantes e começaram a construir certos princípios gerais de administração dos territórios. Quarto, os separatistas viram que a ajuda dos protestantes aos necessitados diminui o nível de tensão social. Exatamente por isso os militantes, inesperadamente tornaram-se tolerantes com os vaishnavas, que dentro dos limites do programa "Food for Live" alimentam os famintos nos territórios ocupados. Embora vaishnavas sofreram repressões junto com outras religiões, houveram detenções de alguns adeptos dessa corrente religiosa, a realização de quaisquer eventos públicos proibiram, mas preferem não acentuar a atenção nisto, da comunidade, considerando que a principal prioridade agora é distribuição de alimentos de caridade.
No entanto, isto não impediu as repressões, mas deu-lhes um caráter diferente, mais ordenado e mais pragmático. Ao invés de apossar-se dos prédios das igrejas, o governo separatista escolheu a estratégia de coerção à cooperação, e o primeiro passo é a exigência de registro das igrejas. No entanto, este processo ainda está em estágio inicial, e represálias diretas de recusa de registro ainda não houve. Apesar disso cresce a pressão moral.
No interior surgem grupos que apoiam os separatistas, que insistem na cooperação com as autoridades separatistas. Aos pastores e paroquianos é perigoso mostrar posição pró-ukrainiana mesmo dentro da igreja, porque podem levar ao conhecimento do "Ministério de Segurança do Estado", o qual realiza repressões políticas contra os livre-pensadores.
Todas essas prisões tinham como base a concepção do mundo dos separatistas. Protestantes, católicos e ortodoxos que não pertencem ao Patriarcado de Moscou - piores inimigos do "mundo russo"! Grupos separatistas eram muitos, por isso as repressões tinham caráter caótico de ataques de bandidos. Com o tempo a base da concepção do mundo torna-se mais pragmática, relacionada com a necessidade de manter o governo. Portanto as repressões contra organizações religiosas no Donbas não cessarão, elas apenas mudarão de forma, de acordo com as tarefas de reforço do controle global.
Sobre o autor: Nikolai Karpitskiy - estudioso de religiões, russo, doutor em estudos filosóficos. No passado, professor de Filosofia da Universidade Estatal de Medicina da Sibéria, em Tomsk, docente da Universidade Estatal de Ugra em Khanty-Mansiysk. A mais de um ano atrás, devido a pressão das forças de segurança russas a ações protetoras mudou-se para Ukraina.
Tradução: O. Kowaltschuk
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