quarta-feira, 20 de julho de 2016

Criméia - Ukraina: paralelos históricos
Radio Svoboda (Rádio Liberdade), 14.07.2016
Sergey Grabowski


Nos anos após-guerra, até reconstrução, a população da URSS educava-se na ideologia de irreconciliável hostilidade e diferentes  direções dos destinos históricos de ukrainianos e tártaros da Crimeia. Como se o canato dos tártaros da Crimeia sempre causasse mal aos cossacos e citadinos ou aldeões, e se os tártaros aliavam-se com Bohdan Khmelnytskyi, então certamente traiam. Porisso a conquista dos exércitos russos com apoio dos cossacos ukrainianos da península da Crimeia tornou-se grande benefício para as "nações fraternas" - russas" ("irmãos mais velhos") e da Ukraina ("Irmãozinhos"). Estas ideologias do sistema educacional soviético e publicações de livros insistentemente faziam absorver as cabeças de dezenas de milhões de pessoas, fazendo-as  prisioneiras   de um dos totálitários "mitos do século XX". Este mito está vivo até hoje, embora, é claro, ele perdeu seu poder e abrangência.

Assim, nas relações dos ukrainianos e tártaros da Crimeia no século passado, havia muitos problemas - mas entre que nações não surgiam tais problemas naqueles tempos cruéis? No entanto, houve também muito em comum no destino das duas nações, e, especialmente, que nem os ukrainianos, nem os tártaros da Criméia nunca pretenderam num papel imperial, desejando conquistar outros países.O Canato da Criméia e o Estado cossaco tinham estatuto de autonomia dentro do estado Otomano e império russo, mas sempre procuravam restaurar o seu original estatuto de independência. Isto, às vezes conseguia-se com auxílio da força armada, mas por um curto período. Nestas ocasioões os crimeanos normalmente ajudavam os ukrainianos, e os ukrainianos ajudavam os crimeanos. Não por acaso, naquela época, na linguagem dos tártaros aparece o conceito  "Kardas Kadagi", ou seja, "primos cossacos", e entre os cossacos caracterizaram-se muitos nomes de origem Tatar (Akhmatova, Dzhedzhaliy, Dzhemelynskyy, Julay, Tolda, Shanhyrey, Sheremet.

Geralmente, durante a era cossaca todas as batalhas  vencedoras de Bohdan Khmelnytsky, Ivan Vygovsky, Petro Doroshenko , Pelep Orlyk foram vitoriosas com a união dos exércitos ukrainiano-tártaro. Na Constituição de Pelep Orlyk não é acidentalmente que se-refere sobre "leis da próxima vizinhança, que indissolúveis amarram e fortemente unem o destino da nação cossaca com o país da Crimeia.
Por outro lado: derrotas militares e perdas de partes de sua soberania e estado cossaco, e canato da Crimeia tornavam-se fato, quando com umas ou outras forças externas conseguia-se colidir ukrainianos e crimeanos em conflitos.

Mas posteriormente os estados ukrainiano e dos tártaros crimeanos mesmo sob as formas restantes da autonomia dos Hetman e vassalo Canato da Crimeia, foram na segunda metade do século XVIII liquidados pelo Império Russo quase simultaneamente, e terras de ambas as nações tornaram-se objetos de colonização e introdução de escravidão em massa, chamado na Rússia "servidão" ("kripatstvo").  Praticamente ao mesmo tempo, os dois países renasceram durante a revolução de 1917 - como República Popular da Ukraina e República Popular da Crimeia - e foram destruídas nos próximos anos com "brancos" e "vermelhos" imperialistas russos. Depois, simultaneamente, saindo de seus planos de revolução mundial, os bolcheviques começaram criar uma política de "indigenização", incluindo para isto os ukrainianos e crimeano-tártaros nacionais-comunistas (para os quais em primeiro lugar não era, de fato, o comunismo, mas o renascimento nacional e modernização com o objetivo de igualdade de entrada na família mundial de nações). Depois, primeiro o crimeanos-tartaros, depois o renascimento nacional-cultural ukrainiano dos anos 1920 foram parados, e seus líderes e ativistas - fuzilados. Em 1944 Stalin deportou os tártaros crimeanos. Segundo testemunhos competentes de Nikita Khrushchev, a mesma situação ele tinha intenção de fazer aos ukrainianos; como obstáculo tornou-se apenas a incapacidade da NKVD de exportar, num curto prazo â Sibéria acima de 30 milhões de pessoas.


Finalmente, em 1960 começou a participação conjunta no movimento Resistência ao sistema totalitário (lembremos apenas a cooperação de Petro Grygorenko e Mustafa Dzhemilev); depois houve a conquista da independência da Ukraina em 1991 (quando os tártaros crimeanos quase com unanimidade votaram para esta independência), e apoio à luta contra separatismo crimeano e invasão russa na península.

Por outro lado, se Crimeia em 1954 não fosse transferida para Ukraina (mesmo sendo soviética), e continuasse sendo província da Rússia, então as possibilidades de retorno da nação tártara à sua terra natal, provavelmente não haveria. Ou permitiriam voltar algumas dezenas de milhares cuidadosamente "filtrados" tártaros crimeanos, rompendo e destruindo deste modo as perspectivas de reconstrução da vida nacional dos crimeanos.


A fome na Ukraina, sob a presidência de Viktor Yushchenko foi reconhecida, na lei, como genocídio. Mas a deportação dos tártaros da Crimeia, não foi reconhecida como genocídio. No entanto, ela também se enquadra na definição de genocídio no direito internacional. Mais: os nazistas alemães deliberadamente destruiram cerca de metade dos judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial. 
Os comunistas russos não menos deliberadamente destruíram quase metade dos tártaros da Crimeia durante a mesma guerra. A destruição dos Judeus é justamente reconhecida internacionalmente como genocídio. O nazismo também é justamente condenado; mas a destruição dos tártaros da Crimeia como genocídio não é reconhecido, o comunismo é condenado internacionalmente antes no nível de desejos, mas não juridicamente. Mais: até hoje a pessoa, que consecutivamente se opõe contra ideologia comunista, pode receber nos círculos liberais Ocidentais a reputação de "reacionário". Absurdo - ou algo bem mais perigoso sob a aparência de perigo de renascimento do totalitarismo?

Foi necessária a Revolução da Dignidade e invasão russa, para que na Ukraina, oficialmente, fosse condenado o comunismo e aprovadas as leis sobre decomunização. Já sob a ocupação da península pela Rússia que o Parlamento da Ukraina, finalmente, pela resolução de 12 de novembro de 2015 reconhecesse a deportação dos tártaros crimeanos em 1944 como genocídio e promulgasse em 18 de maio Dia da Memória das vítimas do genocídio da nação crimeano-tatar. No entanto até hoje não foi criada - pelo menos , a nível legislativo, enquanto vigora a ocupação da Crimeia - a autonomia da Crimeia, na terra da península, embora o presidente da Ukraina finalmente começou falar sobre isso, iniciando alterações apropriadas à Constituição da Ukraina. Mas será que haverá para isto suficientes votos de deputados no Parlamento, onde está considerável número da "quinta coluna" e há suficiente "pântano"? No entanto os tártaros da Criméia historicamente são um Estado-nação no território da Crimeia. Ignorar este fato e negar os direitos políticos da nação tártaro-crimeana pode-se continuar, mas não será isto uma espécie de chauvinismo, mesmo em, supostamente, vestes ukrainianas? Além disso, as aspirações de soberania do povo crimeniano não vão além da criação de uma república autônoma dentro da Ukraina.

Recentemente ecoam sugestões para criar temporariamente, até a libertação da Criméia, uma autonomia crimeano-tártara no território da região de Kherson. É plausível estaa idéia? Não. Criméia e apenas Criméia ocupa um lugar especial na mentalidade dos tártaros da Criméia. Criméia - alfa e o ômega de toda a existência nacional dos tártaros crimeanos. Sem a Criméia todo o seu etnocultural cosmos desagrega-se. Por exemplo, na Turquia vivem vários milhões de pessoas com raízes crimeano-tatar. Mas o destino arrancou seus antepassadoss da Criméia, e a grande maioria de seus descendentes assimilou-se com a matriz étnica congênere.

Se criar uma autonomia crimeano-tatar na região de Kherson, isto pode ter desagradáveis consequências para a população Tatar na Crimeia. Porque as estruturas ocupacionais com este pretexto são capazes de aumentar a pressão sobre os tártaros da Criméia, sob o lema: "Vocês lá no norte têm sua autonomia, então mudem-se para lá". Dada a especificidade atual e liderança de Moscou e da Criméia, neles pode surgir a tentação de repetir a deportação de 1944, ainda que escondido e supostamente sob justificável pretexto. Esta idéia é muito arriscada e perigosa ainda porque, será que há no Kherson vazios, não habitados locais pelos ukrainianos e adequados para uma vida normal do território?

O conhecido filósofo de Kyiv Miroslav Popovich ainda há 15 anos disse: "A nação da Criméia Tatar é um aliado natural de ukrainianos étnicos e políticos.  É - o sustentáculo de Kyiv na Criméia. Mas a política do Estado ukrainiano aqui deve ser inteligente". Infelizmente, inteligente esta política  na gestão de Kravchuk, Kuchma e Yushchenko (sobre Yanukovych já nem digo nada...) denominá-la assim é duvidoso ser possível. E mesmo depois da Revolução da Dignidade foram realizados apenas alguns passos na direção certa. Entretanto, Rússia aumenta a pressão nos tártaros crimeanos, abertamente tenta livrar-se deles - em parte com a ajuda da assimilação, em parte deslocando-os além da península. Nisto Putin continua a linha de Catarina II, Nicolau I, Alexandre II e Joseph Stalin, que sonhavam sobre "etnicamente pura" Criméia russa. Eles, afinal de contas, conseguiram destruir a diversidade etnocultural da península (onde estão os descendentes dos godos da Criméia, armênios locais, gregos e búlgaros, karaites?). Com triplo entusiasmo os invasores hoje nivelam na Criméia todos que não-russos (incluindo ukrainianos e crimeano-tártaros);apenas russo imperial, e nada mais!

Deste modo, na primavera de 2014, após a nova ocupação russa da península, a nação crimeanotatar entrou em mais um período trágico de sua história - e, novamente, trata-se de um destino histórico comum dos ukrainianos e tártaros. Constantes atemorizações , buscas, prisões, vítima dos quais pode tornar-se qualqer um devido a sua origem nacional, lembram muito aquilo, que já houve na Criméia - nos séculos XVIII, e XIX. Contra os crimeanos o governo de ocupação usa a estratégia de extrusão através de condições intoleráveis.

No início da ocupação da península Kremlin queria subornar os líderes da Criméia Tatar, prometeram muito, mas encontraram apenas um punhado de "Quisling" (porque o povo em dois séculos e meio aprendeu bem, o que valem estas promessas). Portanto o governo de ocupação mudou para métodos de seletivo terror contra os crimeanos. Se darão eles ao Kremlin o desejado resultado? Isto depende da política de princípios de resistência, do governo ukrainiano e da comunidade internacional: do contrário, não se pode excluir a repetição do genecídio de 1944,  porquanto exagerar o nível de civilidade do atual governo russo não dá. E alcançando o desejado na Criméia, Kremlin irá dessa cabeça-de-ponte para a continental Ukraina... 

Sergey Grabowski - PhD, membro da Associação de Escritores ukrainianos.

Tradução: O. Kowaltschuk

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