terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Fome na URSS. Trecho do livro de Timothy Snyder
"Terras Sangrentas" (Blood of the Earth) - Parte 5
Istorychna Pravda (Verdade Histórica), 12.01.2016
Timothy Snyder. Ph.D., Professor da Universidade de Yale (EUA)

Mestre de intrigas políticas, Stalin transferia a fome na Ukraina ao nível personal. Seu primeiro impulso (e tendência duradoura) foi considerar a fome na Ukraina como uma traição do partido comunista local. Ele não admitia que a verdeira razão residia na própria política da coletivização; alegava que o problema estava na execução da política, nos líderes locais, em qualquer coisa, nas não na sua concepção.

Tendo iniciado a conversão no primeiro semestre de 1932, ele acreditava, que o problema não consistia no sofrimento de seu próprio povo, mas porque poderia ser desacreditada a política da coletivização. Camponeses ukrainianos famintos, reclamava Stalin, saem de sua república nativa e desmoralizam outros cidadãos soviéticos com seu"choramingar".

Em algum momento da primavera-verão de 1932, Stalin teve a idéia, de que quando o fato da fome for, simplesmente, negado, então ela, de alguma forma, desaparece. Talvez, ele pensava, que Ukraina é super habitada, e a morte de algumas centenas de milhares de pessoas, a longo prazo, pouco significa. Stalin exigiu, que as autoridades locais cumprissem o plano de aquisição, apesar da perspectiva de uma má colheita.

Por um lado, sobre a questão local ficou suspenso o martelo vermelho de Stalin, e do outro - a foice, com a qual a morte ceifava sua terrível colheita. Eles tropeçaram num problema objetivo, que nenhuma retórica ou ideologia não resolve, a falta de sementes, a semeadura tardia, o mau tempo, a falta de tratores para substituir os cavalos, caos da última fase da coletivização no final de 1931 e agricultores famintos, incapazes ao trabalho.  

Esta canção infantil descreve o mundo da aldeia ukrainiana, que se abriu aos funcionários do partido muito melhor que as instruções lacônicas e propaganda eloquente de Moscou.

Pai Stalin, olhe e veja                                                
A o que chegamos:                                                    
Celeiro vazio, casa torta,                                            
Cavalo zarolho na exploração agrícola,  
Não há vaca, não há porcos -                               
Apenas Stalin na parede.
Pai - ausente, mãe doente,
Crianças choram de tristeza
Não há pão, nem toucinho,
Autoridades locais recolheram.
Não procure o ataúde,
Papai devorou o bebê.
Com chicote anda o capataz
Manda todos pra Sibéria

Em torno dos comunistas locais havia a morte, mas sobre eles - negação pelo partido do óbvio. Fome - fato cruel, indiferente às palavras e fórmulas ideológicas, deportações e execuções. Depois de um certo limite, o camponês torna-se incapaz ao trabalho produtivo e nenhuma orientação ou esforças pessoais não mudam isto. Mas, pelo caminho pró alto, pelas aparelhos institucionais do poder, essa idéia perde sua credibilidade.

Mensagens verdadeiras sobre a fome na base enfrentaram pressão política de cima, no plenário do Comitê Central do Partido Comunista da Ukraina, de 6 a 9 de julho de 1932, em Kharkiv. Os discursadores queixavam-se da impossibilidade de cumprir o plano anual da entrega de grãos. No entanto, Lazar Kaganovich e Vyacheslav Molotov, membros do Politburo e emissários stalinistas, enviados por Moscou, não os escutavam. Stalin ordenou-lhes orientar-se com os "alarmistas ukrainianos". Molotov e Kaganovich - fiéis esteios de Stalin,  ocupavam importantes lugares no Politburo e junto com ele dirigiam a União Soviética.
Stalin ainda não era o ditador individual, o Politburo, até certo ponto ainda permanecia um órgão coletivo.

No entanto, estas duas pessoas, ao contrário dos aliados anteriores do chefe no Politburo, eram fiéis a Stalin incondicionalmente. Stalin, constantemente manipulava-os - mas, na verdade, necessidades especiais nisto não havia. Eles serviam à revolução, através de servir a Stalin e não muito distinguiam um do outro. Kaganovich até chamava Stalin de "nosso pai", Em julho de 1932, em Kharkiv, eles responderam aos camaradas ukrainianos, que conversas sobre fome - é apenas justificação dos aldeões, que não querem trabalhar e membros do partido que não querem impor disciplina e realizar os planos de aquisição de grãos.

Naqueles dias, Stalin estava de férias e foi de trem, consumindo iguarias, para o sul de Moscou, através da faminta Ukraina, para o resort do Mar Nero em Sochi. Stalin e Kaganovich correspondiam-se. Nas cartas eles compartilhavam seus pensamentos sobre a fome como uma conspiração dirigida contra eles pessoalmente.

O pensamento de Stalin sofre uma virada inesperada - que são os camponeses, e não ele próprio, utilizam a fome como arma. Kaganovich garantiu a Stalin, que as conversas sobre ukrainianos no papel de "vítimas inocentes" - é simplesmente "desculpa podre" do Partido Comunista da Ukraina. Stalin expressou preocupação, que "nós podemos perder Ukraina". Mas Ukraina devia tornar-se "esteio".

E Stalin, e Kaganovich concordaram que a única abordagem racional - para reforçar a campanha de aquisição de grãos, é o quanto antes exportar os grãos. Neste momento parece, pelo menos para mim, que Stalin formulou a ligação entre a fome e a deslealdade dos comunistas ukrainianos: a fome era resultado de sabotagem, os funcionários locais do partido - sabotadores, e a chefia partidária traiçoeira acobertava seus subordinados - e tudo em benefício da inteligência polonesa.
Então, já em 1931, Stalin pôde imaginar que a política polonesa e japonesa ameaçavam União Soviética. O ano de 1930 tornou-se o apogeu da inteligência polonesa na URSS. Polônia organizava, secretamente, o exército ukrainiano no seu território, e preparava dezenas de ukrainianos e poloneses para atividades de sabotagem e inteligência no território da União Soviética.


A vida na nova "casa". Experiências de migrantes com deficiência.
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 28.12.2015
Oleksandr Yaroshchuk


Encontrar o futuro após a guerra - uma questão crucial. Milhões de pessoas estão enfrentando, provavelmente, a principal escolha de sua vida: que fazer a seguir?...

Há pessoas, que a reposta a esta pergunta não têm capacidade de encontrar sozinhas: são os migrantes com deficiência.
Muitas dessas pessoas conseguiram receber as mínimas comodidades em Odessa e região, onde os voluntários encontraram estabelecimentos de melhoria da saúde e descanso, e que podiam fornecer abrigo temporário. Os heróis  da nossa reportagem vivem num destes sanatórios de Odessa - "Kuyalnyk". Aqui vivem famílias, não menos de mil migrantes.

Os migrantes de Donbas habitam, principalmente, o edifício Nº 1. A maioria vive aqui um ano, alguns mais.
Na entrada alguns, nervosamente, fumam e, profundamente, pensam em algo. Na porta há muitos anúncios: sobre trabalho, cursos para iniciar seu próprio trabalho, várias atividades para crianças, etc.

Heróis da publicação (da direita para esquerda):Iryna Kornienko; Dmytro Shramik, atrás sua mãe Svitlana Zacitkevych; Olena Kovalhova e Vitaly Kravchenko.
Embora, agora sejam cerca de três horas, no lobby é escuro e fresco. Há poucas pessoas.
Nós viemos para cá, por um mês ou dois - a uma só voz dizem os migrantes presentes. Ninguém planejava ficar aqui por tanto tempo. Admitem, que não esperavam uma guerra tão longa.
- Nós vínhamos para descansar. Pensamos que seria como em Slovyansk - com sorriso diz Olena Kovalhova, migrante de Donetsk, que desde o nascimento usa cadeira de rodas. Em "Kuyalnyk" Olena vive com seu filho.
- Pensamos, dois meses, e nós voltaremos para casa - diz discretamente Svitlana - migrante de Avdiivka, cidadezinha próxima de Donetsk. Por favor, mesmo estando sob controle do exército ukrainiano, mas muitas vezes sofre ataques do lado chamado "DNR".
- Pensamos, que voltaremos, já - já, e terminará - em uníssono acrescenta Svitlana Zacitkevych, uma mulher com deficiência. Seu filho e marido também se deslocam em cadeira de rodas. Svitlana vivia em Donetsk, perto do aeroporto. Depois, rapidamente, acrescenta: 
- "Muito tempo dura este "temporário"... "Nós - refugiados, mas não migrantes".
No início da conversa, eles afirmam, que não querem ser chamados de migrantes.

- Eu voltei para lá três vezes, e três vezes corri de lá. E quando dizem "migrantes", eu não concordo. Nós não somos migrantes - nós somos refugiados. Que espécie de migrante eu sou? Eu, o que, migrei de acordo com a minha vontade? Ofendida diz Svitlana Zacitkevych, que até a guerra vivia com filho e marido em Donetsk.
- Migrante - é quando você vai segundo sua vontade, mas nós fugimos. Eu voltei três vezes. Agora eu tenho medo. Eu tenho um tique nervoso. Meu organismo já não consegue ouvir os tiros, lá eu simplesmente começo morrer, - explica Svitlana, que primeira vez deixou a zona ATO em maio de 2014.

Crianças que vivem no sanatório em "Kuyalnyk".
Desde então, ela repetidamente voltou a Avdiivka, na esperança da trégua. Mas quando o tiroteio voltou a Avdiivka, decidiu não mais voltar.

Olena Kovalhova planejou retornar a Donetsk depois de dois meses, na esperança de que tudo vai acabar rapidamente. Ela explica que não trouxe nem os objetos necessários, porque não esperava tão longo "descanso" em Odessa.
- "Eu pensei que vinha para 21 dias, - ela ri. - Duas camisetas, uma chaleira para, de repente, lavar a cabeça".

"E por que ficam aqui?"

Após a vinda a agenda dos forçosamente deslocados é vasta - diariamente precisam decidir a questão da habitação - "expulsarão ou não expulsarão", alimentação, remédios, trabalho. Tudo isto tornou-se preocupação diária da maioria das famílias que vivem aqui.

Quando se trata da habitação e sanatório, Svitlana Zacitkevych indigna-se: 
- Já dizem diretamente. "E por que vocês estão aqui?".
- Quem diz isso? - pergunto.
- Sim, todos. Pessoas, funcionários - já todos sugerem: "Você, o que, pretende toda sua vida ficar aqui? Vá, já há silêncio, trégua".
- O diretor do sanatório, naturalmente, tem paciência conosco - entra na conversa Olena Kovalhova. Ano e meio passou com diversos problemas. É possível compreendê-lo. Ele tem 12 a 15 milhões de dívidas: o Estado deve pagar por nós. Nós, simplesmente, não podemos pagar os preços do Sanatório, e os subsídios não podemos regularizar. Nós vivemos o dia. Não sabemos o que acontecerá amanhã. Sobrevivemos um dia. Expulsarão - não expulsarão, permaneceremos - não permaneceremos. Isso é todos os dias pela manhã - conclui com desespero Svitlana Zacitkevych.

Svitlana Zacitkevych com sua mãe.
Pergunto, o que pessoalmente para mulheres aqui, neste sanatório, é importante.
- Para mim é muito importante, que eu vivo no quarto com o meu filho, e tenho meu banheiro. Único inconveniente - eu não consigo ir bem humorada ao refeitório. Não consigo-o-o lentamente, esticando os sons, diz Olena Kovalhova.
Ela indica à esquerda: lá, a 150 metros está o prédio Nº 2, no qual está a sala de refeições. Olena ressalta que é inconveniente, pois precisa vencer uma certa distância em uma cadeira de rodas, que não é um passeio, especialmente durante o inverno.
-  É preciso ir para um segundo prédio. Com chuva, neve, vento, simplesmente não há humor. Eu quero cozinhar, estou com saudades da cozinha.
- O alojamento me satisfaz também, - mais alegre que de costume, continua Svitlana Zacitkevych - Eu tenho dois carrinhos (filho e marido também usam cadeira de rodas,- Ed), eu preciso ter um banheiro próximo.

Família de Svetlana por 8 meses viveu em outro sanatório, em Serhiivka - Bilgorod. Diz que as diferenças são assombrosas.
- Lá era assustador. Um banheiro para 40 pessoas. Tomar banho era impossível. Lá não havia ordem. Alimentavam muito mal: traziam massas, cereais e cozinhavam diretamente no refeitório, sem tempero. É tudo, e nada mais.

Para Olena Kovalhova a questão dolorosa é a incerteza. Isto, diz ela, paralisa e não permite orientar-se no tempo e no espaço e cria barreiras para adaptação bem sucedida.
- Muito ruím, porque não há certeza. Se soubesse que vamos ficar mais um ano aqui, mas assim... e abaixa a cabeça, pensando como concluir seu pensamento.
Depois de alguns segundos de frustração continua:
- Ninguém sabe o que acontecerá amanhã.

"Deem-nos sentido"

Mesmo quando durante a conversa nós passamos para outras questões, o tema da moradia não nos deixa. É constante. Certeza no futuro - âncora para cada pessoa, especialmente para os refugiados.
No entanto, há uma outra questão que aos protetores permite saber de muita coisa. A discriminação.

Ooooo, - imediatamente reage Svitlana Zacitkevych.

- O que é - pergunto. - Por que tal reação?

Veio a OSCE e perguntava se percebíamos discriminação. Eu disse: "O que você acha?"Eu posso listar a discriminação em todos os dedos de minha mão. Inicialmente - medicina. Os médicos se recusavam a nos receber! Somente depois da greve nos aceitaram. Agora somos recebidos nas policlínicas. Antes diziam: "Quem é você? Você - é ninguém. Você não tem status".
- Porque "sem status" não conseguiam explicar. Há uma lei sobre migrantes. O Gabinete Ministerial aprovou resoluções sobre assistência social aos migrantes... Pelo menos aqui, na prática, as leis não trabalham bem. Votar não podemos. Apartamento comprar não podemos. Obter um emprego não podemos, responde Olena Kovalhova.


À nossa conversa junta-se Iryna, migrante de Luhansk. Ela, numa cadeira de rodas, em"Kuyalnyk", com filho, desde junho de 2014.
Em sua opinião, os benefícios não ajudam muito os migrantes, particularmente quando se trata de medicamentos. Mesmo aqueles remédios a que tem direito, devido a deficiência, ela não consegue receber.
- "Ainda no outono passado diziam, de que no orçamento de Luhansk calculam-se meus remédios franqueados, eu tenho todo o direito de recebê-los la, onde agora vivo" - explica Iryna.
Na verdade, a situação é diferente - começaram recusar estes medicamentos a ela. No serviço de proteção social de Odessa, onde ela apelou, repetem:
- "Não! Você não tem direito" Você não consta do nosso orçamento". Mas eu não deixei o território da Ukraina!", indigna-se Iryna.
Olena Kovalhova propõe sua decisão:
- "Por que o Estado, aquele dinheiro que alocavam para nós, não redireciona para "oblast" (Estado) de Odessa?


Benefícios ninguém vai pedir, dizem os migrantes. Indispensável ter possibilidade de trabalho. Assim também pensa Iryna.
- "Eu não preciso de benefícios - preciso de uma chance para trabalhar". Ela continua a contar a história, como eles em grupo propuseram várias opções para conseguir emprego. Nenhuma opção foi aceita.

Nós sugerimos na TV que poderíamos produzir artesanato. Nós estamos dispostos ao trabalho. Nós gritamos: "Venham, por favor! Deem-nos um empurrão".

"Nós precisamos de ajuda estatal".

De acordo com Olena Kovalhova, já há pessoas deslocadas que decidiram não voltar ao Donbas:
- Há pessoas, eu conheço várias, que não voltarão nunca: alguém teve a casa destruída, alguém decidiu assim. O fato é que há pessoas assim. E, o que, sempre no sanatório? Como prosseguir!?
Tal decisão adotou Iryna. Ela teme por seu filho: anteriormente lá havia calma. Agora tudo mudou.

- Eu não posso nem imaginar, como é possível voltar, quando lá há tantas armas. Eu temo por meu filho. Se aqui ele conhece todo o território, como eu poderei passear com ele, se eu não sei onde há terreno minado? Aonde ir? Voltar como?
- Então você tomou a decisão final de não voltar para lá? Por quê?
- Sim. Eu não vejo perspectivas nestas oblast (estados)...


A história da Iryna é muito reveladora. Ela, como a maioria, foi retirada de Donbas, pelos voluntários de Odessa. Apoio do governo não conseguiu obter. Assim que a luta começou em Luhansk, ela telefonava para o governo na "linha quente" e pedia ajuda. Durante três dias negavam e diziam para procurar proteção no serviço social.
Uma solução possível - programa estatal como estratégia de adaptação de migrantes com deficiência nos territórios além Donbas.
Olena Kovalhova defende ativamente esta idéia. Ela pede para transmitir isto a Kyiv. Afinal, segundo ela, isto é o principal, sobre o que falar hoje.
Todos, novamente insistem, no programa do governo, que não tem nenhuma estratégia para nossa existência futura.
- É muito importante para você que haja um programa de governo?
- Muito. Nós lá sobrevivemos ao estresse, e agora aqui, um ano e meio estamos em estado de estresse.

Oleksander Yaroshchuk, especialmente para Verdade Ukrainiana VIDA.

Tradução: O. Kowaltschuk

Nenhum comentário:

Postar um comentário