História de uma morte
Ukrainska Pravda Zhyttia (Verdade Ukrainiana Vida), 17.03.2015
Olena Stadnyk
Pessoas morrem há muito tempo. Desde tempos remotos. O homem é mortal e condenado à morte. Mas os heróis não morrem. Os heróis tornam-se constelações. Os heróis mantém o céu para nós.
20 de fevereiro de 2014, em Kyiv morreu nosso Ustym Golodniak, 19 anos. O franco-atirador disparou quando Ustym corria com o escudo e ataduras para os feridos na rua Instytutska. Antes de sua morte Ustym escreveu no Facebook: "Os escravos não são permitidos no paraíso".
22 de setembro de 2015, em Pisky morreu nosso Stepan Stefurak. Explosivo, e Stepan, 19 anos, foi enterrado em caixão fechado. Antes de sua morte Stepan também fez seu registro no Facebook. Escreveu: "Escravos não são permitidos no céu. Glória à nação!".
Fevereiro - o caixão com herói de dezenove anos percorreu o caminho de Kyiv a Zbarazh, em Ternopil.
Setembro: - o caixão com herói de dezenove anos percorreu o caminho de Dnipropetrovsk a Toporivstsi, em Ivano-Frankivsk.
E assim já acontece por mais de um ano.
Durante o dia , nossas estradas levam os vivos, à noite - os mortos.
Stepan morreu no dia de aniversário de seu irmão mais velho - Basílio, que esteve em Debaltseve. Basílio completou 21 anos. Naquele dia, Basílio, de Debaltseve, tentava telefonar para Stepan em Pisky. E Stepan, de Pisky, naquele dia, tentava telefonar para Basílio. Mas Pisky era bombardeado por morteiros, e Debaltseve com "Grad", o sistema móvel caía constantemente.
Por isso nós não saberemos o que queria dizer Stepan para Basílio, e Basílio para Stepan. Só sabemos, com certeza, que os dois irmão receberam sms:
"O assinante tentou chamá-lo. Telefone para ele".
Na guerra você se acostuma viver por um dia. Na guerra você não faz planos por muito tempo.
Os dias dos aniversários tiram da pista. Você começa a contar os dias. Por alguma razão torna-se crítico para Basílio viver até segunda-feira. Ele conta: "sexta-feira - vivo. Ainda faltam dois dias. Sábado - vivo. Mais um dia. Segunda-feira - vivo. Basílio chegou vivo ao aniversário de 21 anos.
22 de setembro. Subúrbio de Debaltseve. "Grad". Tuh - tuh - tuh - tuh. Em faixas, apareciam rupturas no campo através da estrada, mas nós cortamos o bolo. Parecia, que nós vencemos a morte.
Bem cedo Basílio telefonou. Basílio disse: "Stepan morreu". Tudo. Verificou-se, nós ganhamos da morte de Basílio, mas perdemos Stepan. Como no xadrez.
Basílio foi encontrado em Artemivsk. Ele nos reconheceu, mas não se mexeu. Sozinho. Em uniforme. Ele tremia, mas vagarosamente, em silêncio, metodicamente, costurava divisas na túnica militar. Ele não sabia como soltar a agulha da mão. Assim não costuram divisas. Assim as pessoas agonizam, quando perdem o mais caro.
O irmão do falecido olhou para nós apenas uma vez. E virou-se. Provavelmente compreendeu, que nós não ajudaremos, que somos impotentes e insignificantes diante da morte. Ele continuou a fazer a única coisa lógica, que poderia fazer neste momento. Ele continuou a costurar divisas.
1200 km. Frio. O carro não é aquecido. Somos seis junto ao caixão. Mamãe deu o banco. Mamãe deu calmante. Mamãe vestiu Basílio com grande japona. Mãe, de quem é?... A, esta é minha mãe. Basílio segurava o caixão do irmão. Ele tremia.
O caixão estava coberto com bandeira vermelho-preta de luta. Ao lado Strila. Em seus braços um enorme buquê de flores azuis e amarelas. Vermelho e preto. Azul e amarelo. E silêncio destruidor.
Pertences pessoais do falecido: Relógio. Óculos táticos. Telefone. Você sabe, o que acontece, se você ligar o telefone do irmão morto? Ele toca instantaneamente. Ele começa a estourar em suas mãos, e na tela azul destaca-se a palavra mais trágica - "Mamãe". Você desejará morrer, mas você terá que atender a chamada.
- Olá, Stepanchyk, é você Stepanchyk? (diminutivo de Stepan).
- Não, mãe. Sou eu, Basílio. Stepanchyk já não existe. Não há mais nosso Stepanchyk.
Ternopil. Instituto Politécnico. Estudantes de joelhos "Flutua o pato". Cidadãos de joelhos. "Flutua o pato". Celebram. Aldeia. Conterrâneos de joelhos. Celebração. (Canção melancólica ukrainiana: "Flutua o pato", tornou-se réquiem para os mortos da Centena do Céu, no Maidan, em 20.02.2014 - OK.).
Às seis da manhã Basílio abriu o caixão. Rosto não havia. Restaram apenas os cachos. Conhecidos cachos do irmão mais novo. Muito quieto e muito tranqüilo. Muito gentil e silencioso. Como custa caro o desejo de saber e ver mais uma vez, comprovar que de fato é ele, teu irmão de sangue, mais novo.
Colocaram o caixão na sepultura. Não se sabe o que fazer. Ninguém se mexe. O pai do falecido gritou:
"Por que estão parados? Enterrem o herói! O herói é coberto com as mãos!"
Basílio foi o primeiro, ele juntava a terra com as mãos. Suja, molhada, sua natal, que o fez crescer, que o enterrou. Terra negra, úmida, negras mãos, rosto, roupa. As pessoas apressaram-se para enterrá-lo, como se neste movimento único estivesse a salvação da dor.
As pás não trabalharam. Enterraram o herói com as mãos.
Mãe - é o mais importante, na guerra. Mãe corre para Basílio, leva-o, não quer entregá-lo ao mundo. A mãe ama o filho, mas o mundo não ama, não entende, não protege. O mundo o entrega à guerra. Mãe grita. "Não volte para lá ao menos você. Não vá mais! Fique ao menos você para mim!"
Mas o que pode responder o soldado?
Após dez dias Basílio voltou para a frente. De agosto a fevereiro Basílio mantinha Debaltseve. Hoje Basílio está ferido no hospital de Kyiv.
Ferido, mas vivo.
Ustym, Stepan, Basílio - todos tinham saúde e vida, mas isto não é o principal. Isto é pouco.
Tudo isto eles arriscaram a fim de defender a dignidade e a honra - em primeiro lugar, sua própria dignidade e honra.
Despedida em Ternopil |
Enterro de Ustym Golodniuk - canção "Flutua o pato".
Tradução: O. Kowaltschuk
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