quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Lew Lukyanenko: "Nossos presidentes não se esforçam na esfera espiritual, mas pelos objetos materiais - quem usa o relógio mais caro..."
Vysokyi Zamok (Castelo Alto), 01.12.2014
Elena Hutyk
Em 1º de dezembro de 1991 os ukrainianos disseram "sim" ao Ato da Declaração da Independência e elegeram para presidente Leonid Kravchuk.


O referendum ukrainiano não era necessário - o Parlamento já havia adotado todas as decisões indispensáveis. O referendum barrou a revisão dos deputados e confirmou o nascimento do Estado ukrainiano independente.

Dos 32 milhões de cidadãos, que vieram às eleições, 29 milhões votaram pela independência. Os menores números de simpatizantes manifestaram-se em Sevastopol (57%) e na autonomia da Criméia (54%). O restante das províncias ,incluindo as orientais, deram mais de 80% de votos em apoio ao ato histórico. No primeiro turno das eleições presidenciais venceu Leonid Kravchuk, recebendo acima de 60% de apoio. Sobre, a que preço foi dada a independência a Ukraina, o correspondente de "Castelo Alto" conversou com o autor do Ato, partícipe da primeira disputa presidencial e deputado da primeira convocação Lew Lukyanenko.

- SR. Lew, que a proclamação da independência coincidiu com o dia de seu nascimento é apenas coincidência?
- Deus direcionou a um ponto todos os acontecimentos importantes de minha vida: nascimento da Ukraina e meu aniversário. Todas as minhas atividades eram voltadas para alcançar a independência - isto é o que eu respiro. O ato da proclamação da Independência foi criado instantaneamente, em tempo recorde. Lembro bem aquele dia. Em 24 de agosto, às dez da manhã o Conselho Nacional, pela primeira vez reuniu-se no terceiro andar, na ala direita do Conselho Supremo - anteriormente as reuniões realizavam-se na União dos Escritores. Era temporada de férias, e nós nos reunimos pela metade, 60 pessoas, a maioria de Kyiv. Adicionava confiança que, os comunistas, de repente se tornaram mansos: vinham para nós, cumprimentavam, apertavam as mãos...

Eles compreendiam, que eram partícipes da anti-estatal insurgência, e isto era - traição da pátria e fuzilamento. Nós nos aconselhamos que, enquanto os comunistas estão desnorteados, precisa aproveitar o momento e construir leis úteis para Ukraina. Eu levantei e disse: "Caros colegas, vamos declarar Ukraina um Estado independente, então não precisaremos usar de astúcia". Todos perceberam isto como verdade verdadeira, revelação. O correspondente projeto de tal documento incumbiram-me escrever. Eram 10:30h. Deram-me uma hora e meia de tempo. 

Chamei para ajudar-me Leôncio Sandulyak - conhecia-o como homem decente, doutor em medicina. Sentamos, começamos pensar, como deve ser o documento. Deveria ser o mais curto possível, para não ter discussões e protelação de tempo. Tudo deveria ser decidido naquele dia, porque no próximo a situação poderia mudar, e comunistas nos frustariam a questão.

Já às 12 horas nós o lemos perante o Conselho do Povo. Editar ainda precisamos. Eu escrevi "Ato de reconhecimento do Estado ukrainiano" e alguém bem observou: " Renascimento de que estado? Se de Petliúra(¹), então seremos, com certeza, "afogados". Corrigimos para "Ação da Proclamação". O Conselho Nacional incumbiu-me para apresentar este projeto no Parlamento. Mas aconteceu diverso. Eu estava sentado afastado da Tribuna, mais próximo estava Yavorivskyi. Ambos levantamos ao mesmo tempo, Kravchuk balançou a cabeça e deu a palavra a Yavorivskyi - ele leu o Ato da proclamação da independência da Ukraina. Isto me doeu um pouco, mas, por outro lado, eu sempre repetia, que o importante não é a autoria, importante é a causa. Após, muitos anos, houve explicação, que Kravchuk, para não "afogar" o projeto, decidiu, mais uma vez não irritar os comunistas presentes com o nacionalista Lukyanenko.

Kravchuk não simpatizava comigo - somos pessoas muito diferentes. Mas, penso eu, ele desejava a independência da Ukraina "Lukyanenko, você está com muita pressa, a pressão é demais, - certa vez me disse Kravchuk, referindo-se ao Partido Republicano e ejeção da Constituição da ideologia e leis anti-democráticas. - O movimento à independência deve tramitar mais devagar, mais naturalmente".

- Quando leram este Ato histórico às pessoas na praça de Santa Sofia,o senhor não pensou, que o império nos dispensava muito facilmente?
- Nenhum império é eterno - chega um momento, quando ele racha. No colapso da União Soviética o papel principal desempenhou Rússia. Yeltsin foi o primeiro a propor a soberania da FR. Para mim, como advogado, isto foi um absurdo - Rússia sai do império. Aonde ela irá além de si mesma? Mas aconteceu, historicamente, que na Rússia havia oposição democrática, que consistia principalmente de minorias étnicas e, especialmente, nada resolvia. De repente, Yeltsin, como personificação desta oposição, apresentou-se contra Yanayev e o Comitê Estatal  sobre o estado de emergência. Nós, ingenuamente pensamos, que a partir de então a parte democrática tornar-se-ia condutora, que Rússia democratizava-se. Não supusemos que parte da elite se proporia à tarefa "recuperar as colônias e reviver o império". Embora Rússia tomou algumas medidas para não permitir a independência da Ukraina. Quando nós anunciamos a declaração sobre a Soberania do Estado em 16 de julho de 1990, Yeltsin ordenou às suas empresas e fábricas não celebrar contratos com empresários ukrainianos. Pensou, empresas fecharão, as pessoas serão postas na rua e elas rebelar-se-ão e exigirão retorno para União Soviética.

Em 1991, quando proclamamos a independência, Rússia lembrou rapidamente o método leninista: direcionar a pobreza para Ukraina, como quem diz, vá, lá você terá toucinho e casaco de pele. No tempo de Lenin dois milhões de bandidos precipitaram-se na Ukraina organizando roubos a mão armada. Yeltsin foi mais astuto: num momento, na Rússia levantou os preços e os salários três vezes. Um motorista recebia 150 rublos, deram 450. Um quilo de pão custava 30 centavos - subiu para 90. Para os russos nada mudou.

Ukraina não tinha imprensa para imprimir dinheiro. Entre Rússia e Ukraina houve grande diferença nos preços, as mercadorias ukrainianas custavam um terço. Centenas de milhares de russos vieram para Ukraina para comprar alimento, roupas, máquinas... Eles desnudaram os nossos mercados. O padrão de vida deteriorou-se. O que poderia ser feito para evitar isso? Emitir nosso dinheiro. Mas, naquele momento não havia economistas na Ukraina que não pensassem  dentro do marxismo-leninismo, mas nos limites de interesse nacional ukrainiano. Havia outra opção - fronteira com rigoroso controle de entrada e saída. O governo não fez nada! Vladimir Matvienko - antigo diretor do maior "Prominvestbank" lançou os chamados cupons. Para Moscou, por acaso não pensar, que Ukraina quer introduzir dinheiro próprio. Imaginem que nível de dependência? 
Mas os ukrainianos, então ainda com mentalidade soviética, não perceberam isto. No Kremlin inventaram um plano "silencioso" para voltar Ukraina a Moscou pelo método de guerra de informação, expansão do serviço de espionagem, cultivo da quinta coluna. O ponto crítico poderia ocorrer cinco anos mais tarde ou mais cedo, mas ele viria.

- Isto quer dizer que de jure houve independência, mas de facto não?
- Aqui precisa lembrar o referendum nacional de 1º de dezembro de 1991. Pela independência votou a maioria absoluta dos cidadãos - 90%. Mas, como se viu, o desejo de viver de forma independente ainda não significa um alto nível  de consciência nacional dos cidadãos. O primeiro presidente foi um comunista. Diferente não poderia ser - em todas as repúblicas da União tornaram-se presidentes os primeiros-secretários do Partido Comunista. Ukraina estava dentro de uma gama mais ampla, onde operavam suas próprias leis. Pelas mesmas razões, o segundo presidente nosso tornou-se o representante da diretoria vermelha - diretor da empresa Dnipropetrovsk, Kuchma. Luhansk, Donetsk, Zaporizhia, Kharkiv continuaram enviar comunistas ao Conselho. A população estava "dopada" o suficiente, tanto que os comunistas lhe pareciam uma força política aceitável.

Ukraina, historicamente dividia-se em "Livoberezhna" (lado esquerdo em relação ao rio Dnieper), "Pravoberezhna" (lado direito).  A parte esquerda caiu sob Moscou no século XVIII , a parte do lado direito - no século XIX, a parte Ocidental - em 1939 do século XX. Isto se evidencia, mesmo nos resultados daquele referendo: o maior apoio foi em Ternopil (99%), Ivano-Frankivsk (98%), Lviv (97%) Tcherkassi (96%), Rivne (96%) e Kyiv (95%).

- Por que o senhor disse, que na Ukraina nunca houve um bom presidente?
- Todos os nossos presidentes são filhos do período comunista. E o que é moral no paradigma comunista? Moral é tudo o que serve ao ideal do partido. Se ao partido é matar uma pessoa - isto é moral. Tal educação durante 70 anos criou o monstro homo sovieticus, que mente olhando nos seus olhos.

- Que erros não deve cometer Poroshenko, para não completar a relação de maus presidentes?
- Primeiro de tudo - não deve acreditar na diplomacia russa. Sob cada palavra ditada por Kremlin - astúcia e desejo de enganar.
- Dizem, Kuchma e Yanukovych lhe temiam, mesmo nas cerimônias procuravam evitá-lo?
- Não procurei proximidade com nenhum dos presidentes, porque eu, pessoalmente, não preciso deles. Apenas, certa vez, desejei aumentar a impressão do livro de Pavlo Shtepa "Moskovstvo", para que os ukrainianos se tornassem clarividentes. Mas, constatou-se, que isto não importava a ninguém - nossos presidentes não competem na esfera espiritual, apenas na material - quem usará o relógio mais caro, quem calçara sapatos do melhor couro de crocodilo.
- Sempre interessa, o que leva as pessoas a um passo desesperado, acrescenta forças para lutar. O senhor olhou para o rosto da morte, quando foi condenado ao fuzilamento em Lviv, em 1961. Não teve medo?
- Quando eu atravesso a rua, olho, para não ser atingido por um carro. O medo eu conheço. Mas nunca lamentei que escolhi o caminho da luta. Nunca senti inveja de alguém que dorme num travesseiro macio, e eu sinto fome e frio.  A nação que não está pronta para morrer pela liberdade, nunca será independente. Eu sabia, que não era o primeiro, e acredito não ser o último. Os cossacos por sete séculos lutaram pela independência, deixavam seus trigais e iam repelir o inimigo. E eu sou da estirpe cossaca - não queria ser a pior fruta da árvore. Aos ukrainianos é inerente o sentimento da responsabilidade pelo destino da nação - ele nos impulsiona para frente.
- Seu livro se chama "A partir do "khokhol"(²) ao ukrainiano. É possível evoluir de um para outro?
- É possível. "Khokhly segundo definição do linguista Volodymyr Dalh, é parte da etnia, que desprezava o idioma, a religião, a cultura e a espiritualidade do seu povo e passou para outra coisa. Dalh teve oportunidade para investigar esse fenômeno no século XIX, porque a desnacionalização da Livoberezhna Ukraina (lado esquerdo) teve início ainda no século XVIII. Existe uma maneira fácil de recuperar o "khokhol" para ukrainiano - contar-lhe a história. Por mais de 300 anos nossos intelectuais não tinham direito de fazê-lo - proibiam o idioma, assumiram o controle da impressão de livros. Agora vivemos num momento único - pela primeira vez em alguns séculos há condições para formação de intelectuais ukrainianos e pela primeira vez ao diálogo da inteligência com o povo ninguém interfere. Este fator vai formar a nação ukrainiana.

A história deve começar em 1861, quando cancelaram a escravidão. Então os aldeões de Chernihov, Poltava e Kyiv foram para o sul. Esta era a classe mais ativa de aldeões ricos. Lá eles fundaram unidades de produção agrícola, compraram tecnologia européia. Esta parte da Ukraina tornou´se muito desenvolvida - era ela que alimentava Europa com pão. Segundo a terminologia bolchevique, estes eram "kurkuli" (nome dado, pelos soviéticos, aos camponeses ricos)  das unidades agrícolas. Por isso Lenin e Trotsky organizaram Holodomor (fome forçada) pela restrição dos alimentos ) em 1921, 1922, 1923 - destruíram 4 milhões de pessoas (Não confundir com o Holodomor de 1933 que destruiu de 7 a 10 milhões de ukrainianos - OK) Destruíram o sul e o leste da Ukraina. Se os "Khokhly" soubessem isso, instantaneamente se transformariam em inimigos dos que fizeram isto com eles.

Referências
Lew Lukyanenko nasceu em 24 de agosto de 1928 em Chernihov. Estudou na Faculdade Jurídica da Universidade de Moscou. Mudou-se para Hlyniane, próximo Zolochev, trabalhou como advogado. Exercia a atividade de proteção. Em 1961 Lukyanenko e associados foram aprisionados por atividades anti-soviéticas, "invasão do sistema estatal". Lviv Tribunal Regional condenou-o à morte, mas depois de um apelo a sentença foi substituída por 15 anos de prisão. Cumpriu a sentença nos campos de Mordóvia, na prisão Vladimir.
Lukyanenko faz parte da União Ukraino-Helsinki.

Em 1977 foi novamente preso e condenado a 10 anos de prisão e cinco de exílio. Em 1988, durante o degelo de Gorbachev, foi perdoado e libertado da prisão. Em 1989 voltou para Ukraina. Em 1990 os cidadãos de Ivano-Franquivsk o elegeram deputado do Parlamento Ukrainiano.

Em 1991 concorreu à presidência da Ukraina, ficou em terceiro lugar. (Com ele na presidência, Ukraina teria prosperado muito no campo intelectual e patriótico, mas parece que os melhores nunca são eleitos - OK) - depois de Leonid Kravchuk e Viacheslav Chornovol. (Viacheslav Chornovol - biografia semelhante a Lykyanenko: aprisionado por 17 anos pelo regime soviético. Destacou-se em muitas atividades pró-Ukraina. Morreu num desastre de automóvel, mal explicado, em 1999. Suspeita-se que foi "eliminado" para não concorrer nas próximas eleições presidenciais ukrainianas).

Lukyanenko é autor da Declaração da Independência da Ukraina. Trabalhou como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Ukraina, no Canadá. Em 2005 foi condecorado como herói da Ukraina. Fala inglês, alemão e polonês. Vive na aldeia Khotov, perto de Kyiv.

l. Simon V. Petliúra - 1879 - 1926
Líder militar ukrainiano. Chefe da República Popular da Ukraina em 1919 - 1920.
Petliúra foi assassinado em Paris, por C. Shvartsbard, para onde este  fugiu da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Poeta, anarquista ukrainiano de descendência judaica. Participou da revolução russa de 1905, preso em Viena em 1908, por tentativa de roubo de banco. Preso novamente em Budapeste por tentar roubar um restaurante. Destacou-se lutando na Primeira Guerra Mundial, pela França. 
Em 1918 entrou para o Exército Vermelho. Em 1920 voltou para Paris, mas continuou comunista. Em 1926 matou Petliúra. Isto aconteceu depois de um encontro de Shvarsbard  com um agente russo, Mikhail Volodin, que veio a Paris.
Foi detido mas "meio mundo" saiu em sua defesa, especialmente os comunistas e judeus. Depois de um ano e meio foi libertado.

 2.  " Khokhol" era um apelido desdenhoso dado aos ukrainianos. E nem todos desprezavam  a cultura, idioma, religião e espiritualidade, como diz Volodymyr Dalh. O povo ukrainiano sempre foi muito religioso. Se perdeu a religiosidade foi graças aos soviéticos, que transformavam as igrejas em salões de baile. Quanto ao idioma houve muita pressão por parte dos ocupantes, que consideravam o idioma ukrainiano inferior ao seu idioma russo. Era Rússia que proibia o estudo do idioma ukrainiano, fechava as casas de cultura, as edições de jornais e livros, as pequenas bibliotecas nas aldeias, que antigamente existiam, sim! Como resultado, agora temos a nação ukrainiana, cuja grande parte não sabe seu próprio idioma. O maior grau de russificação dos ukrainianos deu-se, justamente, entre a "elite" ukrainiana, desejosa de agradar ao ocupante para receber mais benesses. E temos isto até hoje.

Tradução: O. Kowaltschuk

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