terça-feira, 21 de março de 2017

Do outro lado: com o que vivem e o que esperam os residentes de ORDLO?
Ukrainska Pravda (Verdade Ukrainiana), 27.02.2017.
Mariana Puetsukh
Texto preparado pelo projeto financiado pelo apoio do governo canadense através do Ministério das Relações Internacionais do Canadá.

Segunda-feira
- Mas as pessoas querem que Ukraina volte. E tudo se encaixe nos seus lugares. A maioria das pessoas em Lugansk quer voltar tudo como antes.
- E a Rússia não querem?
- Todos, que queriam Rússia, foram para lá. Mas muitos voltaram, porque descobriu-se que lá, a ninguém eram necessários. Trabalho na Rússia falta aos locais. Bem, talvez além dos Urais sejam esperados, mas para lá ninguém quer ir. Então, aqueles que foram e voltaram, silenciam. Sobre Rússia não falam, - descreve o humor do ocupado Lugansk minha idosa vizinha no compartimento do trem que nos leva na direção de Donbas

- Uma mulher de certa idade estava em silêncio, apenas com atenção observava. No entanto, capturando seu olhar, percebia-se, ela desejava ser ouvida.
- Conversar é uma das maiores necessidades das pessoas que vivem em isolamento. É mais fácil amainar situações dolorosas.
Abertamente em seu nativo Lugansk, nem todos podem falar. Nem mesmo em seus próprios apartamentos, se não tiverem confiança em seus vizinhos.





Abertamente em Lugansk as pessoas têm medo de expressar a sua posição. Os moradores da chamada ORDLO são cautelosos nas conversas com outros moradores dos territórios controlados porque sentem:  Os ukrainianos foram separados não apenas pela linha da frente, mas também pelo abismo de mal-entendidos e a profundidade de insultos mútuos de três anos.
Culpam os moradores de Donbas na participação do "referendo" separatista e apelos a Putin "para introduzir militares". E os habitantes dos territórios ocupados são, respectivamente, ofendidos pelo Maidan que, segundo sua versão, "introduziu o início da guerra", e no exército ukrainiano que "atira sobre suas casas".
Assim, mesmo em condições de intensa propaganda, muitos habitantes de territórios não controlados querem voltar sob jurisdição ukrainiana.
De acordo com a pesquisa, no final de 2016, realizada pela USAID,  nos territórios não controlados de Donbas a ideia de retorno ORDLO à Ukraina, mas mesmas condições e status anteriores à guerra, querem 3,2 dos 10 pontos. 3.9 pontos de retorno querem instrumentos adicionais que garantam leis ukrainianas, aprovadas no âmbito da descentralização e 4,9 para voltar à Ukraina no status de autonomia.

Ilusão de retorno a URSS

"Ideia de retorno era uma: as pessoas cansaram de trabalhar em favor da capital. Compreendam, todo o dinheiro ia a Kyiv. Isso é injusto. Em resultado, Lugansk transformaram em ruína, porque não havia dinheiro nem para reparar ruas ou calçadas. Então, se Donbas recebesse status de Federação, o dinheiro permaneceria no lugar" - minha vizinha ocasional, finalmente, conversava tanto, que interferir esta difícil.

"E agora, vocês têm ruas e calçadas?" - tento ironizar.

"Oh, com projéteis, é claro, tudo é destruído. Grande número de casas foi destruído, muitas pessoas perderam os apartamentos! Mas devo dizer, que tão limpa cidade eu não vi desde tempos soviéticos. Os serviços comunais esforçam-se muito. No ano passado, começaram "remendar" as ruas, primeira vez! Anteriormente apenas enchiam os buracos. É o governo local que ajuda às pessoas na recuperação dos apartamentos, fornecendo materiais. Também reconstruíram o circo que foi fortemente destruído", - observa.

Em Lugansk, em 2015 renovaram o circo.






A limpeza nas ruas de Lugansk cria a ilusão de mudanças positivas na república separatista. Isto manipula as mentes dos cidadãos que possuem sentimentos nostálgicos pelos tempos soviéticos.

Através do abismo pela comida.

Com a necessidade das pessoas pelo "espetáculo" as autoridades auto-proclamadas em Lugansk, de algum modo conseguem - mas com o "pão" é mais difícil. Sonhada, barata, como na URSS linguiça, para maioria não é acessível.

De acordo com os dados do programa alimentar Mundial das Nações Unidas, nas áreas não controladas de Donbas, o custo da cesta de alimentação é superior a 25%, ao restante do território ukrainiano. 
Nós sofremos muito com altos preços dos alimentos. Eles são trazidos, não sabemos de onde e são inadequados à alimentação. Apesar de que, ao lado está a "Stanytsia", lá há um mar de excelentes frutos. Agora a estrada até lá é bloqueada, porque "Stanytsia" já está no lado ukrainiano" - diz minha vizinha de banco.

"Stanytsia Luganska - é uma grande aldeia nos arredores de Lugansk. Aqui desde avô - bisavô as pessoas ocupavam-se com a produção de hortaliças e frutas. Até 2014 "Stanytsia" era o centro agrícola da região de Lugansk.
Nos últimos anos, a aldeia, que antes da guerra contava 16 mil habitantes, tornou-se o epicentro da luta. No final do verão de 2015 aqui restaram menos de um mil habitantes.
Subsequentemente, com a diminuição na intensidade de ataques, as pessoas começaram regressar. Começaram restaurar as estufas e cultivar as hortaliças.
"As pessoas de "Stanytsia" sempre viveram em abundância. Mas agora, como você vê, estão destruídas as grandes casas particulares, tenho vontade de chorar. Apesar de que os bens não são meus, é muito triste, as pessoas colocaram muito trabalho lá! E agora choram porque não tem onde vender seus produtos - e nós choramos porque não podemos comprá-los."

A aldeia e o ex-centro regional agora separam os bloqueios e o check-point. E ainda precipício - duas pontes através de Siverskyi Donetsk, que flui entre Lugansk e Stanytsia, destruídos.

Consequência da avariada ponte entre Lugansk e Stanytsia.
A nova ponte rodoviária explodiram ainda no verão de 2014. De acordo com os militantes ukrainianos, ela foi destruído na retirada dos militantes, para que não fossem atacados pelos tanques das Forças Armadas da Ukraina.
"A segunda ponte era velha, antes da guerra estava prevista a reparação, na primavera ela também explodiu.  Quem a explodiu? Ukrainianos. Eles carregaram-na de explosivos e explodiram. Ninguém pensou nas pessoas como iriam se mover."
Pela primeira vez, a ponte velha foi severamente danificada em janeiro de 2015. De acordo com a Administração Regional de Lugansk, isto fizeram os militantes. Em seguida uma parte caiu, ainda podiam passar carros leves.
Quem, na segunda vez a minou - oficialmente o lado ukrainiano não divulgou. No transcorrer da luta, no meio da ponte houve grande explosão, em resultado caiu o restante da ponte", disse o então governador de Lugansk Genady Moskal.
A explosão se ouviu depois que os militantes tentaram passar para o lado das posições ukrainianas do outro lado do Siverskyi Donetsk.
"Agora há uma cova. E sobre a cova fizeram transição. E isto é um espetáculo fantasmagórico. E se do lado de Lugansk, embora íngreme, ainda pode-se passar, mas a partir da aldeia - é realmente uma parede sueca, pela qual é preciso subir. Bem, imagine, como é para pessoas idosas subir com sacolas cheias?!

Passagem no local da ponte destruída. "Escadas" de madeira (do outro lado) os locais chamam de "parede sueca".









Para Stanytsia Luganska regularmente vão as pessoas de Lugansk para compras. Alguns, apesar destas circunstâncias, fazem negócios - puxam produtos para revenda. "Certa vez vi, como quatro homens puxavam uma carroça com pimenta vermelha. Havia tanta pimenta, que eles, seguravam a carroça naquela "parede sueca", para que ela não caísse no buraco. Então compreende-se porque em Lugansk aquela pimenta é tão cara, já que é com tanto sofrimento que nos trazem".
No entanto, muito neste ritmo, não se ganha.
No ponto de controle há um limite de peso das mercadorias, para uma pessoa, do controlado para não controlado território da Ukraina - não mais de 75 quilos. Até dezembro de 2016 o limite era menor - 50 kg.
E, a partir de meados de janeiro de 2017 os militantes introduziram mais a chamada quarentena para carne e frango, sob o pretexto de "luta contra a peste africana". No entanto, esqueceram de avisar as pessoas. Muitos tiveram que retirar a carne das sacolas no ponto de controle.










Mais um fator que causa frustração às pessoas - bombardeios constantes. Por causa deles na região de Stanytsia de Lugansk não podem dissolver as tropas de ambos os lados.
"Principal - passar pela ponte antes de escurecer, porque depois há muitos tiros. Outro dia o filho apenas atravessou, quando começou  "bah-bah-bah".
Apesar de todas as reclamações sobre as "características" de
transição entre a aldeia e Lugansk, as pessoas estão felizes que aquela passagem existe.
Porque lembram os meses, quando a passagem esteve fechada. 
Então, para ir do ocupado Lugansk para Severo Donetsk (agora centro administrativo de Lugansk) - era preciso superar quase 500 km. Era preciso viajar para a vizinha cidade de Lugansk através da Rússia. Embora a distância entre as duas cidades é menos de 100 km. " Isto era muito tedioso e caro. As pernas intumesciam, do ônibus você sai quase morto.

Fuga de tanques russos

Os aposentados passam pela "ponte dos horrores" para retirar a pensão ukrainiana, a qual recebem como migrantes.
Em "Stanytsia Luganska estão registrados, aproximadamente, dez mil migrantes. A maioria deles realmente vive em Lugansk e assentamentos não controlados pela Ukraina.
Minha interlocutora registrou seu filho, o qual mudou-se com a família para Ukraina Central. No início, devido ao pesado bombardeio ela fugiu de Lugansk com a família. Mas retornou mais tarde. Sozinha. E não apenas para proteger sua habitação dos saqueadores. Ela diz que ama muito sua cidade, sua região.
"Eu vivo na periferia da cidade. Como lá é lindo! Ao lado, um vasto campo. Anteriormente, eu sempre saía pela  manhã, andava pelo campo cinco quilômetros. 
 Gosto muito do cheiro da terra. Você sabe como é a nossa terra?! Ela, quer se colocar no pão, tal é o nosso solo negro! Eu não consigo transmitir-lhe o quanto generosa é esta terra!
A pensionista tão emocionante e sonhadora fala, que por um momento você imagina um delicioso sanduíche com o solo preto. 
"E ainda antes da guerra, sempre atrás da janela do nosso apartamento, ouvia-se o canto do rouxinol. Porque do outro lado temos reflorestamento. Não, eu não posso transmitir-lhe, como é o céu que temos lá." 
Lembrando o reflorestamento, a mulher de repente, salta para outro tópico. "Minha nora dois meses ficou no banquinho próximo da janela, que mostre este reflorestamento. É na direção da Stanytsia. Em algum lugar lá estavam os soldados ukrainianos. 

Ela os esperava.

Muito tempo ela esperava os soldados ukrainianos. Constantemente, nós ouvíamos que os soldados não estavam longe mas, por alguma razão não vinham até nós. Nós não compreendíamos - por que? Naquele tempo, na cidade ainda não havia tanques russos. Talvez milícia. Mas eles, não havia nem mil."

Os tanques russos vieram a Lugansk em meados de julho de 2014. E este momento minha interlocutora lembra em detalhes. Transfere-os, como cenas de um sonho terrível.

"E, de repente ouvimos um rugido selvagem na rua. Nós saltamos dos apartamentos para a rua..."  - a mulher silencia. Percebe-se que a ela é difícil lembrar.


Vejo. Vem os tanques russos.

A reação das pessoas, é claro, era diferente. Quem esperava pelos russos, alegrava-se. Os que não esperavam - choravam. Especialmente choravam os jovens.  Eu olhava e contava os tanques. Contei 120. E em cada tanque - oito soldados. Eles usavam um uniforme de campo comum, sem divisas, apenas algumas ataduras brancas nos pés.

E sabem o que mais me impressionou? A aparência destes soldados. Eles pareciam ocupantes naturais. Em suas poses, reações, indiferença, eu vi aquilo, que vi nos filmes sobre a guerra, quando lá passavam os tanques alemães.
Os fascistas dos filmes também assim reagiam à população pacífica, como estes russos. A mesma indiferença nos rostos, como se não fôssemos pessoas, mais quaisquer "insetos". 

Minha interlocutora diz, que em criança sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. Mas os soldados alemães viu apenas nos filmes. Ela não ouviu explosões, porque naquela época vivia na retaguarda.

Quando iam aqueles tanques russas, parecia que eu estava no cinema. Mas o vizinho que estava ao lado, disse que há uma hora, em outra rua passou um grande comboio de veículos militares com soldados. 

Então todos compreenderam, que havia alto terrível.


"Soldados russo sentados nos tanques, como invasores naturais. Eles lembram os filmes nazistas". Lugansk, julho 2014. Imagens de vídeo no Youtube.





















Desde então os ataques na cidade não cessavam. A família de minha interlocutora precisou passar dois dias na entrada do primeiro andar, porque cave no seu prédio não havia.
"Ficamos com filho e nora atrás da parede móvel na estrada, melhor lugar para esconder-se não havia. Deus, como assustador. Eu vi muitos filmes sobre a guerra, mas não pensava, que era tão assustador, quando o prédio treme sem parar, das explosões dos obuses. Quando os obuses arrebentavam-se, é muito assustador", - a narradora começa a imitar os sons das explosões e ondas sonoras automáticas.

"Em algum momento filho olhou nos meus olhos, e neles eu li. "Este é o último obus para nós". Ele despedia-se. Eu vi, como o filho despedia-se de mim.

"Imagina como sobreviver a tudo isso?!"

O filho estava pronto para correr da cidade, mesmo sob fogo, a psique já não suportava. A mãe o detinha o quanto podia, porque correr até o prédio vizinho era mortalmente perigoso.

"E, de repente, às quatro da manhã tudo se acalmou. O filho decidiu, que "eles cansaram", e enquanto lá descansavam, nós precisamos fugir. Nós chegamos ao cruzamento. Lá havia um carro particular, o motorista pegava as pessoas para Starobilsk, este já é o lado ukrainiano. O preço ele deu, claro, muito alto, como se não fossem 70 km para nos levar, mas sete mil. "Mas nós concordamos, fazer  que?"

"Negociar" com bandidos.

Já em Starobilsk, a mulher viu na cidade, tanque com bandeira ukrainiana. Não resistiu e chegou perto - para descobrir aquilo, que já por alguns meses não lhe dava sossego.
"Estes soldados, sentados no tanque, cansados e sujos, olhar para eles era assustador. Pergunto. "Meninos, por que, por que vocês não vieram até nós? Vocês estavam ao lado?" Eles olham para mim, severamente e dizem: "Mas não nos deixaram, não houve comando. Nós na mina de Lugansk, um mês e meio estivemos, mas nos dissera - não se movam".
"E depois disso eu compreendi, a guerra será longa. Porque nisto há muitas pessoas interessadas. Porque todos eles recebem grandes quantias." 
Tal pensamento é muito popular aos residentes da linha de frente do Donbas. Deles, muitas vezes pode-se ouvir que "esta guerra é pelo dinheiro e recursos", que "alguém entre si divide e as pessoas comuns sofrem.

O componente ideológico na guerra vê apenas minoria.

"Eu entendo Putin, por que Donbas lhe é necessário. Na Rússia, reuniu-se muita munição antiga, que era necessário utilizar. A melhor utilização - é guerra. Esta é uma guerra e, ao mesmo tempo seus soldados aqui passaram pela prática, organizando aqui uma região", - diz a avó a sua versão bastante original dos motivos da implantação da guerra.

"Mas agora Putin já perdeu o interesse pelo Donbas, porque ele atolou síria. Também para lá foram todos os chechenos. Quando eles foram - aqui ficou mais calmo. Porque aqui causavam horrores. Todas as pessoas que possuíam um bom carro, o perderam. Os chechenos as paravam, diziam que "nas condições de guerra, os carros são confiscados" - e tudo. Depois tudo isso retiravam da Ukraina. Também assim retiravam todos os bens dos apartamentos das pessoas que saíram da cidade.

Também eles eram muito cruéis. Para eles nós não somos ninguém, porque somos de outra religião. Certa vez eles vieram para nossa casa, entender-se com um rapaz. Como seus olhos são assustadores e penetrantes.  Automático sobre o ombro, boca para baixo, a sensação, de que a qualquer momento podem atirar em você". 
Com isso, minha interlocutora, ingenuamente acredita, que a guerra pode ser encerrada, se o governo ukrainiano entender-se cm a "milícia".

"Precisa negociar", - a receita mais comum para findar a guerra, que propõem os moradores do outro lado do front. Sob a influência da propaganda as pessoas vêem menos o papel do Kremlin em operações militares.

"Que sejam bandidos - aqueles milicianos. Mas precisa negociar com eles, do contrário, não haverá final. Agora, eu não vejo lá soldados russos, pode ser que estejam em algum lugar, mas nós não os vemos. Nós vemos apenas as milícias. Mas eles eu não posso culpar, que eles levam as armas. 
eles entram na polícia não pelos ideais, mas porque precisam alimentar a família. Trabalho não há, na Rússia eles não são necessários a ninguém, mas à milicianos pagam regularmente os salários e não é pouco. Cerca de 15 mil rublos.

Então, aqui tudo é muito ambíguo, sabe? Tudo é muito complicado...

                                              *   *   *   *    *

Compreender um ao outro, os ukrainianos dos dois lados do front, por enquanto não estão prontos. Muito sangue foi derramado dos dois lados.
Mas a questão permanece: o que vem em seguida?
Como continuar a viver juntos, se Ukraina superar o controle sobre todo Donbas? Se ouvirá um ao outro já, agora, ou no início construir a parede e transferir para distante perspectiva a questão de encontrar formas de reintegrar a população ORDLO.
Por enquanto não temos respostas, não apenas na sociedade, também nos funcionários ukrainianos que tomam decisões políticas em relação à Donbas.

Tradução: O. Kowaltschuk

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