quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Crianças que vivem entre as trincheiras
Ukrainska Pravda Jettia (Verdade Ukrainiana Vida), 0809.2016
Mariana Pyetsukh

Não tenha medo, de manhã às quatro não atiram. Iremos neste período. Mas, se atiram, já estão no final de sua trajetória, portanto, não matam.
- Bem, mas o rapaz, a um mês atrás, mataram.
- Venha, isto é a frente. Não estamos indo a um balneário. Pode acontecer qualquer coisa.

Na véspera da visita à "Velha Avdiivka" que fica ao lado da "Promka", Elena desperta em mim o "espírito de luta". (Um vídeo compara "Promka de Avdiivka" com "inferno na terra" - pesquisa OK). Mas, com as histórias, que "naquele extremo da cidade os taxistas não querem ir" - coragem não aumenta.

Elena prepara-se para ir, independentemente, se me encorajo ou não - ela já fez isto muitas vezes.
O objetivo da viagem à "zona vermelha" ATO - jogar baralho com Katia, 13 anos. Especificamente, o jogo de tabuleiro para crianças, UNO.
Elena Rozwadovska - voluntária, natural de Lviv. Em Kyiv vivia num apartamento alugado. No final de 2014 deixou sua vida na capital, vendeu todos os seus objetos e mudou-se para a zona ATO.

Foto do arquivo da Elena Rozwadovska
Habitação efetiva aqui Elena não tem. Ela viaja de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, como em exploração - procurando crianças que vivem na linha da frente.
Ela está convencida de que, se à vida destas crianças trouxer as cores, elas suportarão com mais facilidade os traumas psicológicos causados pela guerra. Por isto Rozwadovska viaja regularmente à zona ATO para visitar as crianças, às quais faltam amigos, que emigraram à procura de paz, ou atenção, porque seus pais têm muitos filhos, e jardins de infância sofreram tiroteios.
Elena fica muito irritada, quando amigos e conhecidos dizem que ela é heroína. Diz que feitos não realiza - simplesmente apenas implementa seu ainda não gasto, instinto materno.

Caminho para o inferno

Na parte da manhã o bombardeio não para. Até nós, no bairro de Avdiivka "Químico" constantemente ecoam explosões na "Promka". 
"Químico" - é uma região de prédios de apartamentos - "Khrushchovskas" (de Krushchov), construídos junto com a Fábrica de Coqueria de Avdiivka (Maior empresa do tipo na Europa. Em 2007 produziu mais de 3 milhões de toneladas de coque metalúrgico - pesquisa OK).
A Velha Avdiivka - é região de casas particulares, localizadas bem próximo da "Promka".
As duas áreas separa uma ferrovia, através da qual os residentes do "Químico", no último ano, tentam cada vez, não atravessar. Apesar de que a mais de um ano, era o contrário: o epicentro da luta era apenas o "Químico", e na Velha Avdiivka estava calmo.

Em 2014=2015 o epicentro da luta em Avdiivka era a região de prédios de apartamentos "Químico". Foto Mariana Pyetsukh
Próximo dez da manhã.
- Você ouve?
- Ouço, - responde-me Elena. - Hoje algo está atrasado. Se até às doze não acalmar-se não iremos.
- Talvez, coletes à prova de bala algures consigamos, - digo, meio brincando a Elena. Ela ri em resposta.
- Em um ano e meio eu ainda nunca usei colete à prova de bala. Bem, como eu irei às crianças vestindo tal colete. Não vai haver contato.
- Bem, vamos lá? - Depois de uma pausa de meia hora, alegremente pede Elena.
- E o quê, se começar novamente?
- Bem, se você quer - fique. Mas eu estou saindo.

Ficar não queria. Porque queria sentir, como vivem sob balas as pessoas, as quais, segundo a versão de algumas partes da nossa sociedade - "sozinhas são culpadas" e "sozinhas chamaram a guerra sobre si".

Elena chama um carro. O motorista - George, um residente da Velha Avdiivka. Talvez o único taxista na cidade, que leva as pessoas além da linha de trem. Ele não teme, porque sozinho vive depois dela.

No bloqueio junto à estrada de ferro não verificaram nossos documentos. George explica, que os militares ukrainianos já o conhecem bem e verificam apenas, quando ele dá o sinal de que os passageiros são desconhecidos ou suspeitos.

A estrada pela Velha Avdiivka estende-se por dez quilômetros. Transeuntes raros caminham rapidamente, até correm. Quanto antes chegar à meta, mais chance evitar o encontro com bala ou fragmento de projétil.

- Este aqui morreu em julho, jovem de 19 anos - indica Elena para o lado da casa, aonde no verão, veio à casa dos pais, o estudante da Universidade de Dnipro (ex-cidade Dnipropetrovsk, cujo nome era em honra de um soviético. No entanto a província contínua Dnipropetrovsk porque a origem é outra -  OK). A bala atingiu a cabeça às quatro horas do dia, no próprio quintal.

Foto do jovem de 19 anos no Memorial às vítimas entre a população civil em Avdiivka. 19.07.2016 a bala atingiu a cabeça em seu próprio quintal.
Nós continuamos, à casa de Katia. Katia vive mais perto de "Promka".
A menina abre, alegremente, o portão com vestígios de projéteis. 
Para nós, muito alto e agressivamente, late o cachorro. Depois me explicam: o cão ficou agressivo devido a constantes tiroteios.

- Acabaram de me ligar, disseram que próximo ao quiosque, caíram três projéteis. Vocês não viram, quando vinham - emocionalmente pergunta Ira, mãe de Katia.
Nós, francamente surpreendidos, porque nada ouvimos, e suspiramos de alívio porque desencontramo-nos do perigo.
- Assim acontece: quanto mais próximo cai o projétil, menos ouve-se a explosão, - explica para mim, assustada, a Elena.
Eu olho para a cerca de ardósia com muitos buracos. A visita desesperada (ou seja, eu) Ira acalma:
- Isto foi ainda em maio. Bombardeavam desde onze horas às três da noite. Aqui, cada casa sofreu. Nós perdemos duas janelas inteirinhas.
- E na casa do tio Vasya a toalete inteirinha sumiu, - com sorriso relata Katia as consequências de ataques.
- Explicavam que alguns estudantes russos disparavam - eles faziam treinamento ou algo assim. Mas agora ninguém explica, quem atira. Impossível entender, de onde atiram. A impressão é que atiram de todos os lados.

No pátio da Katia.
A conversa com Ira continua na cozinha. Ficar no pátio é assustador. Embora Elena com Katia à casa não adentraram até agora, Katia puxou a amiga para brincar com coelhinhos.
- A senhora já se acostumou, ou ainda sente medo? - pergunto à dona da casa.
- O medo não pode nos embotar, só os tolos não tem medo. Mas, a partir desta sem saída, simplesmente, de algum modo nós nos organizamos. Nós sempre temos pronta uma mala com alguns pertences e documentos. Mas, se houver um golpe direto, nada se salvará.

Se houver um golpe direto sobre a casa, nada salvará. A mãe da Katia dorme na frente das janelas, que estão na direção de "Promka". Foto Mariana Pyetsukh.
- Frequentemente usa sedativos?
- E validol, e Corvalol, e espinheiro branco. Embora eu não deva usar diariamente devido aos problemas cardíacos. Mas, quando o bombardeio é forte, então temo. Esta noite tomei, porque não podia dormir devido a grande tiroteio.

À pergunta banal, porque não vai embora com a filha, - recebo resposta banal: não tenho para onde.
Na verdade, no vizinho "Químico" pode-se alugar um apartamento apenas pelo valor do condomínio. Tal apartamento alugam as pessoas que foram para outros locais, mas o condomínio tem que pagar.


- Minha pensão é de 1.300 UAH. Metade será preciso pagar pelo condomínio, e depois? E aqui eu aqueço com o carvão, que recebo gratuitamente da fábrica, como sua ex-funcionária.
Encontrar um ganho extra para Ira é difícil: ela é deficiente e mal se move.
Pelos produtos humanitários, que distribuem no edifício do Conselho Municipal em "Químico", Ira não vai. Primeiro, é longe. Segundo, a mulher não tem forças para suportar as filas e brigas nas filas.
- Eu precisava pegar um atestado. Mas uma velhinha da fila não me deixava entrar. Eu lhe dizia - eu não vim buscar produtos, eu quero um atestado. Ela, assim mesmo, não me deixava entrar, pensava, que eu queria enganá-la, furar a fila. Eu me sentei e chorei.
- É esta a categoria de pessoas: elas, se mesmo ganharem ajuda humanitária todos os dias - assim mesmo vão brigar por ela.

Certa vez os voluntários levaram para Ira um saco de grãos e farinha. Ela fala sobre este episódio com tal gratidão e admiração como se este fosse o maior bem que já lhe fizeram na vida.
Mas com a restauração das janelas ninguém ajudou Ira. As organizações internacionais, que na zona ATO envolvem-se com o fornecimento de materiais de construção e janelas de edifícios afetados, à Velha Avdiivka não vem.Porque eles são proibidos de aparecer na "zona vermelha" ´muito perigoso.
Então Ira precisou encomendar e comprar as janelas, gastando as últimas poupanças.

- Se eles bombardearem novamente, eu simplesmente não sobreviverei, diz ela.

Elena volta com Katia da rua. Chamam para jogar UNO.

Num tal conchego atrás de paredes de sua própria casa Katia com a mãe esconde-se das balas casuais. Foto Mariana Pyetsukh
Na dianteira, para jogar.

De acordo com Elena, UNO é um jogo que treina a concentração, com a qual as crianças podem ter problemas devido ao stress constante e trauma da guerra. A recusa de Katia em ser fotografada conosco, ela explica com : timidez comum e adolescência - a menina crê, que aparece mal na foto.

Em Velha Avdiivka há duas escolas - com idioma ukrainiano e russo. Apesar das constantes lutas e local de maior perigo, Katia frequenta a escola ukrainiana, porque sua mãe considera o idioma ukrainiano - mais promissor.

Além do jogo de cartas, Elena desenha com as crianças, ou simplesmente conversa.

- Se trata-se de adolescentes, esta conversa, para eles, é muito importante. Para que eles compreendam, que ao lado há alguém com quem você pode conversar, quando os amigos fugiram da guerra. E também as sensações tácteis são importantes. Todas as crianças gostam de abraçar-se, isto também é terapia.
No entanto, Elena nunca demonstra compaixão abertamente. Está certa que a piedade - é coisa destrutiva e apenas prejudica.

Elena, abertamente, não demonstra seu pesar. Ela acredita que a compaixão é destrutiva e só dói. Foto do arquivo de Elena Rozwadovska
Sobre a guerra, com as crianças, Elena fala pouco. E, para as crianças este tema já "cansou", que a muito tempo já conhecem todos os aspectos das armas, catando na rua balas, conchas ou fragmentos de conchas. Elas, até já aprenderam gracejar sobre a guerra e morte.
Elena lembra, como sua amiga adolescente de Krasnogorivka, vendo um cemitério, sugeriu, que seria divertido cobrir-se com lençol branco, na testa pintar uma mancha vermelha, como se fosse rastro de sangue, e assim assustar as pessoas. 

- Quando eu converso com elas, - percebo que a guerra é apenas uma pequena parte de suas vidas. Elas tem bastante outras preocupações, pensamentos, motivos de alegria, como as crianças fora da zona ATO. Esta é infância  comum em que a guerra interveio brutalmente, mas não a parou.
A guerra severamente influiu nos adultos, que não vêem perspectivas na vida. Mas, às crianças a vida não acabou - ela apenas começa. Precisa apenas ajudá-los a atravessar estes acontecimentos incompreensíveis, quando sua casa aconchegante e sua rua se transformaram num lugar de ansiedade.

Foto do arquivo de Elena Rozwadovska
O fato de que a vida continua e, na frente há coisas interessantes, confirma Sacha de onze anos, que gosta muito de jogar futebol. A bala atingiu sua perna, quando ele andava de bicicleta pela Velha Avdiivka, mas não atingiu o osso. Ele se recuperou e planeja continuar jogando futebol. E sonha com campo de futebol para crianças do "Químico".

Começou nova vida para vizinha de Katia - Olenka.
Elena conheceu sua xará Olenka casualmente - viu, como no quintal, na terra engatinhava uma criança já crescida. A criança, de nove anos, tem paralisia cerebral, mas os médicos prometeram colocar a criança em seus pés após a cirurgia.

Olenka da "Velha Avdiivka" não andava. Elena ajudou a levantar fundos para a cirurgia e levar para hospital em Kharkiv. Foto de arquivo de Elena Rozwadovska.
Elena divulgou um chamamento e reuniu fundos para o tratamento de Olenka no hospital de Kharkiv. A menininha já foi operada e logo andará. (É surpreendente a dedicação de voluntários, felizmente há muitos, e a colaboração de pessoas particulares na arrecadação de fundos para este tipo de necessidades. Por outro lado é revoltante o comportamento de muitos ukrainianos que enriqueceram, muitas vezes roubando e explorando o povo. São a praga, tanto quanto os governantes russos - OK).

E ainda teve sorte a um encontro casual com Elena - o pequeno Alex de Avdiivka. Ao menino faltam três dedos: no verão passado ele levantou do chão uma "descoberta interessante" - o fusível de uma granada. 
Alex é de uma grande família pobre. Elena traz coisas necessárias a seu irmãozinho e irmãzinha, e frequentemente leva as crianças para Pokrovsk - para passear e comer sorvete.

Alex (no segundo plano, de boné) perdeu três dedos ao levantar do chão o fusível de uma granada. Foto Elena Rozwadovska.
Nós terminamos o jogo UNO. O som de morteiro foi ouvido. O relógio na parede indica três horas. De acordo com a "programação" local, os ataques regulares começam uma hora mais tarde.

Elena telefona ao taxista Yuri.

Voltamos para cozinha. Visitar Ira veio a vizinha. As mulheres falam sobre a conservação. A vizinha tem um grande quintal, no qual, a poucos dias, o marido tocou com gadanha em um projétil. O projétil não explodiu, ele chamou os sapadores.
Ainda há três vacas., que o homem leva para pastar próximo de "Promka".
- O senhor sairia daqui, se houvesse para onde ir?
- Bem, talvez com as vacas. Eu não deixarei minha propriedade, a senhora sabe, muito trabalho colocamos nela! 
A mensagem seguinte ainda é mais chocante. A mulher diz, que amanhã sua filha de "Químico" trará dois netos - de 5 e apenas 1 ano.
- Ela trabalha na fábrica, até 1:00 hora da tarde, e nós cuidaremos dos pequenos.
Pelo caminho Elena esforça-se para explicar-me que isto é consequência "viciante", na qual o instinto da auto-preservação, incluindo filhos e netos, já embota-se.

- No início eu propunha a todos os pais ajudar a encontrar habitação, para sair daqui. Mas, finalmente compreendi, eles não irão embora de suas casas.
Esta é a sua casa, mesmo que eles vivam entre as trincheiras. Criam aqui seus filhos e continuam dar à luz. Assim, na próxima rua, há um mês, nasceu um menino. Então eu compreendi, que não posso mudar nada. Bem, eu não tirarei seus filhos!

Para mim resta apenas vir aqui e com conversas amigas ajudar as crianças para que sobrevivam à terrível realidade.

"Guerra - é apenas pequena parte da vida das crianças locais. Elas têm mais problemas e razões para divertimento. Como as crianças além da zona ATO..." Foto do arquivo de Elena Rozwadovska

Texto preparado dentro do projeto, que é influenciado pelo Governo do Canadá, através do Ministério das Relações Exteriores do Canadá.

Tradução: O. Kowaltschuk

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