quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Antoine Arjakovsky: "Os russos - nação traumatizada, que interpreta a comédia"
Vysokyi Zamok (Castelo Alto), 23.08.2015
Natália Baliuk
Uma visão sóbria do historiador francês de origem russa sobre a guerra russo-ukrainiana.


Antoine Arjakovsky eu conheci mais de uma década atrás no trem "Kyiv-Lviv". Viajávamos no mesmo compartimento, então conversamos, sobre política, até tarde da noite. Falamos sobre política, sobre chances da Ukraina "escapar" do Kuchmismo (Leonid Kuchma, ex-presidente da Ukraina de julho de 1994 a janeiro de 2005. Seu genro, o oligarca Viktor Pinchuk é um dos homens mais ricos da Ukraina. O "pobre" Leonid Kuchma vive, até agora, numa bela casa do Estado da Ukraina, gratuitamente. Uma reportagem de jornal dizia: "Ninguém vai mexer com o idoso ex-presidente". Ou algo semelhante, não lembro as palavras exatas, mas neste sentido - OK), que sorvia Ukraina.

Eu conheci o francês que, simplesmente, estava imbuído de amor pela Ukraina. Ele exalava otimismo sobre o futuro do nosso país e acreditava,  que Ukraina, obrigatoriamente, será bem sucedida, um país europeu.

Por muitos anos, Antoine, como historiador e teólogo, trabalhou na Universidade Católica Ukrainiana e, pouco antes da Revolução da Dignidade (Maidan) e guerra ukrainiana-russa, retornou para sua França Natal. Lá escreveu o livro "Rússia-Ukraina: da guerra para paz", no qual analisou os dramáticos acontecimentos na Ukraina nos anos 2013-2014. Em francês o livro foi publicado em 2014. Foi traduzido para o russo e inglês. E, em 2015 foi publicado em ukrainiano sob o título "A discórdia entre Ukraina e Rússia. Estratégia de saída a partir do pico". O autor acrescentou um capítulo que abrange os acontecimentos de julho do ano passado a janeiro deste.

Tudo que escrevi há um ano, continua relevante (Suprimi as perguntas, sem prejuízo do entendimento, porque o texto é bastante longo - OK). Se escrevesse agora, a análise seria a mesma. Na França, eu fui o primeiro a escrever sobre a guerra russo-ukrainiana, e chamei-a "guerra". O presidente Hollande, pela primeira vez utilizou a palavra "guerra" apenas em 2015, (O presidente Poroshenko usa até hoje a designação ATO: Operação Anti-terrorismo" - OK), quando houve uma nova rodada de negociações em Minsk. Ele não especificou quem luta e contra quem. Mas no verão de 2014 escreveu, que isto é uma guerra real, e tentou explicar porque isto aconteceu.

Hollande levou muito tempo para entender que, realmente, havia guerra, porque os lobistas russos são mais fortes que os ukrainianos. Os membros do Parlamento francês apoiam Putin... Recentemente, um grupo de deputados franceses visitou Criméia. As forças da direita apoiam Putin incondicionalmente. Os socialistas, graças a posição de Hollande, são neutros. Mas também pensaram muito. Eles sofrem influência de Angela Merkel. Se o chanceler alemão fosse como Schroeder, o presidente francês adotaria uma posição diferente, de esquerda moderada. Os comunistas apoiam Putin plenamente. Por isto eu escrevi este livro. Tive que explicar aos franceses o que acontece na Ukraina, quem guerreia contra quem e porque precisa apoiar Ukraina. A propaganda russa na França é agressiva e eficaz. "Rússia Today" (canal da TV) tem um site em francês. Ao influente jornal "Le Fígaro" "Rússia Today" prepara e comercialmente insere guia especial de informação. E Ukraina não faz nada. Eu publiquei em vários jornais franceses meus artigos sobre Ukraina, e, por exemplo, no jornal "Le Fígaro" cada vez era difícil lutar contra a censura. Quando explicava, que França é um dos países-garante da integridade da Ukraina, porquanto assinou o Memorando de Budapeste, cada vez eles riscavam esta frase do meu artigo. 

- Por quê? Porque o proprietário do jornal "Le Fígaro" vende armas, incluindo a venda de "Mistral"(1). Ele tem influência na parte de deputados no parlamento, e os deputados pressionavam o governo, para vender dois navios "Mistral" à Rússia. Eles diziam que prometeram a Putin, assinaram um acordo com Rússia para venda. Mas o meu contra-argumento: anteriormente nós assinamos um documento mais importante - Memorando de Budapeste.
 - Não, não esqueceram, muitos deles nem sabiam de sua existência. Geralmente escrevem que o Memorando foi assinado pela Ukraina, Rússia, EUA e Grã-Bretanha. Sobre a França silenciam. Mas neste período eu trabalhei no Ministério das Relações Exteriores da França, então lembro bem.  E tenho um documento, que em 1944, Mitterrand enviou a Kuchma (ex-presidente da Ukraina) uma carta formal, na qual destaca, que França, como potência nuclear, apoia o Memorando de Budapeste. O mesmo fez China. Ela também atuou como garantidor da soberania territorial da Ukraina.

Os franceses, historicamente, sempre foram russófilos, mas agora parece claro quem é o agressor e quem é a vítima do agressor. 
Há, também, motivos históricos e comerciais. Na Rússia há enormes interesses comerciais franceses. Na Ukraina quase não há. Outro motivo é a propaganda russa, que força os franceses a pensar que Ukraina sempre foi parte da Rússia, que Criméia sempre foi russa e Ukraina a recebeu de presente. Muitos políticos franceses repetem aquilo, que lhes diz Putin.

Mas, apesar da propaganda, os políticos e jornalistas têm informações suficientes, para serem objetivos e justos. Eu tenho a impressão que a muitos europeus é vantajoso serem "vítimas de propaganda russa", que eles querem ser enganados.

Há mais um assunto - os europeus tem opiniões diferentes sobre o futuro da Europa. Muitos não vêem a Ukraina na Europa. Acreditam que Europa já tem muitos problemas internos. As forças políticas radicais na França ativamente se opõem ao euro como moeda comum da UE. Muitas discussões em torno da Grécia. Eles consideram que não vale a pena se intrometer no conflito entre Rússia e Ukraina, que não vale proteger muito Ukraina que aspira à União Européia. Por isso, é importante explicar, que os ukrainianos lutam não apenas por seu território, mas pela liberdade da Europa. Que Ukraina nos protege, os europeus.
Os europeus devem lembrar a triste experiência da Segunda Guerra Mundial. Se em 1939 não entregassem Polônia para Hitler, então, talvez, nós não tivessemos todo aquele horror que atravessou a Europa. 

Na França há um influente intelectual Edgar Morin. Ele já tem mais de 90 anos. Ele sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, lutou nas guerrilhas. Em junho do ano passado publicou um artigo, onde escreveu que Putin não é tão ruím assim, não é louco. E Ukraina - não é um estado real. Oeste e leste da Ukraina - são duas nações diferentes. E se Ukraina dividir-se em duas partes, como Putin quer, tudo estaria bem. Haveria paz e sossego. Eu li isto e fiquei horrorizado. Escrevi-lhe uma resposta, que, graças a Deus, publicou a gazeta "Le Monde". Lembrei que também Stalin gostava de crianças... Estabeleci o paralelo histórico com a Segunda Guerra Mundial. Lembrei, que Hitler, em seu tempo, também quis dividir a Polônia... Expliquei que Ukraina é um Estado, simplesmente ela não é como França, que tem um idioma e religião única. Ukraina é mais semelhante ao Canadá - bilíngue , bicultural... Portanto, para nós, franceses, é mais fácil compreender a Rússia do que Ukraina. E, mesmo para os ukrainianos é difícil de se entender. E um dos meus argumentos - durante a Revolução da Dignidade os próprios ukrainianos começaram a se entender melhor. (Este cidadão de mais de 90 anos, não sabe nada sobre Ukraina. Se soubesse, saberia que o pais é bilíngue porque  desde 1654, grande parte de seu território, - foi dominado pela Rússia czarista. Apenas conseguiu sua liberdade da Rússia em 1991 - liberdade parcial porque Rússia sempre procura ditar regras. E, mesmo assim, li a poucos dias num jornal ukrainiano, que mesmo hoje, nas aldeias do leste ukrainiano ainda é bastante usado o idioma ukrainiano. Portanto, se o país é bilíngue, ele o é por imposição dos ocupantes - OK). Eles reconheceram, que Ukraina - um país bilíngue, bicultural, e bi-confessional. Mas todos eles são ukrainianos

Em Paris, nós formamos um grupo de intelectuais, que apoiam Ukraina (Comitê - Ukraina). Nós realizamos uma conferência dedicada a II Guerra Mundial, onde explicava-se que o campo de concentração de Auchwitz libertaram os soldados ukrainianos. Os franceses não tinham este conhecimento, a eles, por 60 anos impunha-se a informação que durante a guerra os ukrainianos eram fascistas. Isto também é propaganda russa. Mas Ukraina não reagia a estes chavões não fornecia fatos históricos específicos, que os que libertaram Aushwitz eram ukrainianos, que a divisão era ukrainiana.
Sobre isto, recentemente disse o ministro dos Negócios Estrangeiros da Polônia Grzegorz Shetina e Putin ficou muito ofendido...

Eu morava na Rússia quando Putin chegou ao poder. Eu via quando os prédios explodiam (Eram explodidos pelos russos para culpar os chechenos-OK) e como começou a guerra na Chechênia. Entendi como isso vai acabar. Para mim ficou claro que Putin é, psicologicamente bandido, mafioso. Um ex-oficial da KGB, que sob os slogans patrióticos, nacionalistas de proteção da Rússia, roubava o país. Agora, ele é considerado, talvez, como a pessoa mais rica do mundo. Em outubro do ano passado nos EUA, publicaram o livro "Cleptocracia de Putin". Seu autor - pesquisador americano, professor da Universidade de Miami Karen Davisha. Sua pesquisa é construída na investigação de jornalistas russos que morreram por causa disso. A essência do livro - nacionalismo russo e revanchismo soviético constituem a ideologia de cobertura de ações do regime de Putin direcionado na proteção de riquezas  das pessoas do seu meio. Nemtsov explicou porque Putin resolveu lutar na Ukraina. A popularidade de Putin em 2012 - 2013 começou a cair fortemente. Criméia era necessária, para que a classificação de Putin atingi-se os céus.

Isso tudo é pela popularidade, classificação, ambições imperiais e o desejo de manter os bilhões de dólares que Putin detém. Ele ficou muito rico depressa. E ele compreende que, se na Rússia acontecer algo semelhante a o que aconteceu na Ukraina, então, na melhor das hipóteses, ele terá o destino de Yanukovych. Ele tem muito medo de tal final.

No meu livro eu escrevi que Putin tem duas opções para o futuro e ele deve fazer a escolha. Ou haverá a construção de um regime comunista-nacionalista, a fim de preservar a sua riqueza, que levará ao destino de Milosevic (ex-presidente da Iugoslávia. Foi preso em 2001 - submetido a um julgamento por cinco anos, morreu na prisão em 2006 - OK) e opção trágica para Rússia. A outra opção - caminho do General de Gaulle, que também após a Segunda Guerra Mundial não concordava com o fato de que França estava a perder suas colônias, sua influência. Mas depois percebeu que este caminho era ruím. Resultará em guerra. E decidiu mudar a política. Em 1961 começou a descolonização, e toda África estava livre.

Infelizmente, Putin não é de Gaulle. E ele escolheu o seu caminho. Eu entendi isto quando escrevia mas, ingenuamente, continuei esperando, que talvez, alguém lhe trará este pensamento. Mas, quando reeditei o livro, já escrevi que, infelizmente, o caminho de Gaulle é impossível. Ele já não pode, por bem, devolver a Criméia e sair de Donbas, porque então todos estes Girkin, (um dos ocupantes de Donbas - OK), todos estes ura-patriotas voltar-se-ão contra ele. Ele é refém dos processos que lançou.

A política da Rússia - dividir e depois enfraquecer a Europa. Para isso, ela procura os assim chamados idiotas úteis, que cantam sob o seu pífaro. Me parece que o maior número deles está na França... Conseguirá Putin dividir a Europa, ou o instinto da auto-preservação funcionará e será capaz de manter uma frente unida?

Muitas vezes penso sobre isto e não tenho ama resposta clara. A situação é frágil. Na França, dentro de dois anos, haverá eleições presidenciais. Se Sarkozy voltar à presidência, ele poderá mudar drasticamente as políticas da UE. Como aconteceu na Geórgia em 2008. Ele enganou os georgianos e fez acordo com Putin. Assim Abkhazia e Ossétia do Sul vieram ao protetorado da Rússia. União Européia, por um lado, uma comunidade de desenvolvimento econômico mais dinâmico no mundo. Até melhor que China e América. Por outro lado, os processos políticos são muito complexos. Os países da UE estão começando esquecer, em que valores esta comunidade foi construída.

Como disse em um fórum em Viena o escritor ukrainiano Yuri Andrukhovych, os europeus, cada vez falam mais sobre os preços, não sobre valores...

Apesar disso, tudo está nas mãos dos ukrainianos. Se durante os próximos dois-três anos conseguirem implementar reais reformas e parar o exército russo, é claro, com apoio dos EUA e Europa, então o modelo tem perspectiva. O principal, é que os ukrainianos compreendam isto e apoiem o seu governo. Mesmo quando ele comete erros. Se a economia russa continuar a cair, lá pode haver protestos, especialmente dos mais pobres, como os pensionistas. Em Rostov-on-Don há muitas pessoas insatisfeitas com a política de Putin. Elas vêem o que faz o exército russo, vêem os preços nas lojas... Mas até pelo telefone têm medo de falar livremente. Vêem que retorna a União Soviética, os tempos de Stalin... Um mês atrás eu visitei Moscou, São Petersburgo. Conversei com as pessoas e concluí que os russos são pessoas traumatizadas, que interpretam comédia. Eles compreendem bem o que acontece, quem é Putin, mas não tem como argumentar. Não encontram saída desta situação e, por isso, procuram bode expiatório - América. Mesmo meus amigos russos, que são inteligentes, dizem, que em tudo, a culpa é da América, que Obama é responsável pela situação no leste da Ukraina. Quando eu começo argumentar que na Ukraina não há exércitos russos (além daqueles que ajudam na formação), enquanto no Donbas há mais de 30 mil soldados russos, eles não ouvem isto. Porque eles precisam de explicações simples, que lhes permitam "brincar de bobos".

Este trauma - é consequência do colapso da União Soviética.

Recentemente eu li o livro de autora bielorussa Svetlana Oleksiyevych "O fim do homem vermelho". Livro que mostra as consequências de 75 anos de regime comunista. As pessoas não conseguiram libertar-se dele. Não houve arrependimento total, purificação. Não houve uma verdadeira explicação, quem foi Stalin, Dzerzhinsky... Pelo contrário, retorna o culto da personalidade destes políticos. A eles acrescenta-se o culto a Putin.

Isto é, não passaram aquele caminho, que após a Segunda Mundial passou Alemanha, a chamada desnazificação. (Ato ou efeito de anular ou revogar o caráter nazista de, - OK).
Rússia não foi curada do totalitarismo, não foi vacinada. Por isso ele está voltando. 

1 - Em consequência da crise da Criméia, aliados da França: Alemanha, Reino Unido e os EUA exigiram suspender a transferência dos navios de guerra Mistral, na qualidade de sanções da UE e EUA.
Inicialmente Hollande declarou que o contrato não seria rescindido se houvesse perspectivas de cessar fogo no leste da Ukraina. Condições: trégua e acordo político. Os congressistas americanos propuseram a OTAN comprar os dois navios, mas OTAN declarou que não tinha condições por falta de fundos. Em 25 de novembro Hollande decidiu não entregar o primeiro Mistral a Rússia por causa da situação na Ukraina e já em dezembro o ministro da Defesa da França declarava que "se as condições necessárias não aconteceram, nós não entregaremos estes navios nunca". Rússia declarou que poderia exigir multa de 3 (três) bilhões de euros.
França temia que o treinamento da tripulação "Vladivostok" poderia apreender o navio e sequestrá-lo para Rússia.
Foi anunciado que França procurava comprador para o navio "Sevastopol", entre EUA, União Européia, Brasil (Brasil ??? - OK) e outros países.
Enfim, depois de muitas discussões sobre valores de compensação pela quebra de contrato, finalmente em 26.08.2015 o porta-voz do governo francês, Stephane Le Foi informou que França transferiu fundos para Rússia, com relação a rescisão do contrato, e a soma é inferior a um bilhão de euros. Esta informação confirmou um alto representante do Serviço Federal Técnico Militar. No entanto, no jornal Vysokyi Zamok (Castelo Alto) apareceu uma notícia dizendo que França já pagou mais de um bilhão de euros de compensação pela não entrega dos dois navios, portadores de helicópteros. Ainda Moscou adverte que França não poderá transferir os navios a um terceiro país sem o acordo da Rússia, em relação a este país. E, somente obterá o direito à venda após retornar à Rússia o equipamento de navios russos. Pesquisa internet - OK).

Tradução: O. Kowaltschuk

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