sexta-feira, 7 de abril de 2017

Números e destino da guerra que permanecem na sombra e além da justiça.
Ukrainska Pravda Zhyttia (Verdade Ukrainiana Vida), 03.04.2017
Ilyone Schultz, Mare-Alex Detryt (Maria Varenkova).

10.000 mortos e mais de 20.000 feridos. Esta é a consequência da guerra na Ukraina nos três anos.

Outras números permanecem nas sombras. Por exemplo, o número de vítimas de violência sexual, cometidos por forças do lado beligerante.
Embora esta questão silencia-se, assédio sexual, estupro e lesões de órgãos genitais tornaram-se comuns nos lugares secretos de detenção e campos militares temporários em todo o país.

Elena, 22, Kyiv - porão - Alemanha.

Quando Elena (nome trocado) acordou, ela nada viu. Nos olhos havia uma faixa, mãos amarradas nas costas.
Mulher de 22 anos não sabia aonde estava, mas ouvia sons e gritos. Tinha sensação de estar no porão. Estava com sede.
Quando o pânico chegou à garganta e tornou-se insuportável - ela começou gritar. À sala veio um guarda e começou bater nela com a coronha, ela parou de gritar. O guarda afastou-se.
No dia seguinte, à jornalista, novamente, não deram comida, nem água. Ela gritou novamente e novamente, o guarda, bateu nela.
Às vezes ele a prensava com força e aplicava uma injeção. Em seguida Elena começava suar muito e logo perdia a "noção de tempo".
Quando não a achincalhavam, ela analisava todos os fatos. Ela sabia que a jornalista, especialmente de Kyiv, era muito arriscado ir a Donetsk, que é controlado pelos separatistas.

"Se ninguém for a Donetsk, o mundo não saberá, o que aconteceu lá", disse para si mesma. Mas ela não podia imaginar, que esta viagem pode mudar completamente sua vida.
Quando Elena acordou, ela nada viu. Nos olhos havia uma faixa, mãos amarradas nas costas.






O Projeto Zero Impunity entrou em contato com Elena, através do advogado que defende os ex-prisioneiros dos territórios da Ukraina.
Depois do que aconteceu com ela, a jovem jornalista fugiu da Ukraina e agora vive na Alemanha.
Ela nunca contou os detalhes, do que aconteceu com ela durante o aprisionamento - nem aos ativistas pelos direitos das pessoas, nem aos médicos que a tratavam na Ukraina, e depois na Alemanha.
No entanto, em 24 de outubro de 2016, a jovem moça de cabelos castanhos e olhos da mesma cor, nervosa diante de seu computador, decidiu no Skype compartilhar sua história com Zero Impunity.

Após alguns dias passados, amarrada no porão, Elena devia passar pelo primeiro "interrogatório" por trás de portas fechadas.
A tensão na sala atingiu novas alturas, quando os  interrogadores encontraram em sua cela fotos do Euromaidan.

Durante o interrogatório, os questionadores se transformaram em algozes. Eles começar bater na Elena, na cabeça e no estômago. Não apenas com seus punhos, também com sua câmera.
O objetivo era claro: este é o preço que você paga por tais fotos.
Mas mesmo isso não foi suficiente para obrigar Elena falar - simplesmente porque, ela não tinha nenhum conteúdo importante para eles.
Para fazê-la falar, trouxeram outro prisioneiro. "Se você não falar, ele pagará!"
Cada interrogatório durava duas - três horas. Todo esse tempo, sobre Elena choviam golpes.
O que mais ela temia era um potencial estupro. No início, quando eles ameaçavam, ela amortecia de terror.
"Quando eu estava na cela, os guardas mexiam em meu cabelo, me acariciavam. Às vezes, eles diziam algo como "Vamos, nós queremos brincar!" Uma vez durante o interrogatório, um deles desabotoou minha blusa. Ele colocou uma mão no meu rosto, outra no corpo. Eu quase morri de susto", - diz a jornalista. 

Passaram-se quase duas semanas, quando uma manhã Elena acordou sem a venda nos olhos. Alguns guardas levaram-na para uma sala, que ela ainda não tinha visto.
No centro da sala, no chão havia um colchão, e sobre ele, esparramado, estava sentado um dos chefes. Os soldados empurraram-na para o quarto.
"Aqui está a mulher para entretimento" - disseram eles.

Elena pediu para não tocá-la, mas sem sucesso. Três ou quatro soldados começaram tirar sua a roupa.
"Transpirando, eles começaram a me estuprar. Primeiro eram os homens de preto - chefes. Depois os homens de verde", - lembra ela.
Do outro lado da tela Elena silencia, toma um gole  de água. Suspirando profundamente, ela recomeça falar, balbucia.
"Naquele dia eram, pelo menos, oito homens. Eu perdi a consciência várias vezes. Para me trazer à vida, - eles jogavam sobre mim um balde de água fria."

Elena diz que os homens de preto eram russos ou chechenos, a julgar pelo sotaque. Os de verde eram ukrainianos.
"Eles vinham e iam. Eles bafejavam a fumaça da maconha no meu rosto, para que eu acordasse. Todo esse tempo     eles riam e ouviam música."

Quando tudo acabou, os opressores deixaram a moça sozinha na sala. Ela não se mexia. Seu corpo desfigurado, semirroto, jazia no chão frio. Trouxeram-lhe comida, que ela não comeu, e roupa, que ela não vestiu. Quando a levaram para a câmera, o sol já se escondera.

No dia seguinte, Elena foi libertada.

Por que eles esperaram até o último dia para estuprá-la? Elena novamente "parafusava" na cabeça o que ouviu durante o interrogatório. "Eles disseram, que ninguém quis pagar o meu resgate: nem minha família, nem meu país. Eu não representava para eles nenhum interesse: nem informação, nem dinheiro..." - diz a jornalista.
Deste modo, eles quiseram que eu "pagasse" de outro modo?
Ou os militares separatistas queriam "quebrá-la", para que ela nunca mais voltasse com sua câmera em busca de evidências daquilo, que acontece em seu território?

Quase três anos após o que aconteceu, ela, antes uma jornalista ideológica, agora apenas sombra da anterior. Ela não sabe se receberá respostas às suas perguntas.

VIOLAÇÃO COMO MÉTODO

O que aconteceu cm Elena, não é um caso isolado no conflito, que já rasga Ukraina por quase três anos.
O número de casos de violência sexual aumentou dramaticamente. 
De acordo com o relatório "Dor silenciosa", publicado em fevereiro passado pela Coligação "Justiça pela Paz no Donbas" (uma das poucas organizações que envolve-se com esta questão), aproximadamente um terço dos entrevistados (incluindo civis e soldados detidos) mencionam casos de abuso sexual.
"Apesar da amplitude chocante de tal violência, o governo continua silenciar e ignorar esta questão", dizem os autores do relatório.
O nível de crueldade dos atos violentos, cometidos contra mulheres e homens desde a primavera de 2014 até o verão de 2015, às vezes é muito chocante.
Os atos de violência sexual, cometidos na Ukraina devastada pela guerra vão desde a intimidação e forçada nudez à eletrocussão genital e estupros.
Os autores do relato "Dor silenciosa" citam o testemunho de duas mulheres, às quais, com chave de fenda furaram os seios, e homens que estupraram pelo ânus com broca.

De acordo com este estudo realizado por Zero Impunity e também os primeiros relatórios publicados sobre este assunto, tais violências frequentemente ocorrem em centros de detenção ilegais, localizados em antigas prisões militares ou construções administrativas, nas fábricas confiscadas, em antigas escolas ou simplesmente porões.

Os questionários das vítimas são diversos. Dos participantes de lutas e membros declarados da oposição, dos simplesmente suspeitos de simpatia ao lado oposto.
Os jornalistas também são alvo, juntamente com as minorias étnicas, religiosas e sexuais.
Alguns dos prisioneiros - pessoas comuns, que se encontraram no lugar errado, na hora errada

Nem todas prisioneiras mulheres e ainda menos homens, têm coragem de contar, o que aconteceu com eles.
"Para muitas vítimas, que se recusam falar sobre os abusos sexuais, ainda é muito cedo", diz Anna Mokrussova, psicóloga, que trabalha com o "Pássaro Azul, organização pública que oferece apoio aos ex-prisioneiros. Ela entrevistou mais de 300 ex-prisioneiros civis.

Anna Makrussova - psicóloga que trabalha com "Pássaro Azul", uma ONG que oferece apoio aos ex-prisioneiros.
Mokrussova, ela ex-detenta, e durante a conclusão foi ameaçada com estupro. Ela diz que a sociedade ukrainiana, está profundamente afetada pela guerra, não está pronta para ouvir essas histórias.
"À sociedade é difícil aceitar aqueles, que estão mais feridos que ela própria". - observa o psicólogo.
Neste contexto, continua ela, iluminação recebem apenas os casos que são usados como uma ferramenta de propaganda, para os casos reais mal prestam atenção.
Isso porque, o conflito ukrainiano desenrola-se não somente na frente, mas também nos meios de comunicação. Para ganhar a mente e a alma, a mídia de ambos os lados espalha e distorce a história de que, seus inimigos nesta guerra usam o estupro como uma arma.
Os sites pró-russos e pró-ukrainianos frequentemente publicam artigos sobre os inimigos, que realizam torturas sexuais, realizam estupros em massa, estupros de menores. Tais histórias são contadas em detalhes, ilustradas cm fotos de "vítimas" fictícias, às quais pagam os autores dos artigos.

Tal propaganda ativamente espalha-se nas redes sociais, e o importante papel nela desempenha o exército de trolls, que trabalha para Moscou. Eles semeiam ódio e difamam as páginas das vítimas reais.
Mas, às vezes, a realidade é pior que a fantasia de propagandistas. Embora pareça, que no território de separatistas o número de estupros aumentou drasticamente, então, do outro lado da linha da frente, nos territórios dirigidos por Kyiv também ocorrem terríveis atos de violência.

DESJEJUM COM SENSAÇÃO DE CULPA

Zero Impunity encontrou-se com Vadim (nome alterado) em 07 de outubro de 2016 em um canto escuro do abandonado pub a poucas centenas de metros do centro da capital ukrainiana.
Veterano do batalhão ukrainiano, ele parece magro e pálido, cabeça raspada. Vadim nervosamente bebe café com creme.
Organizar a entrevista não foi fácil - Vadim teme vingança de seus ex-integrantes do antigo batalhão, se eles souberem, que ele falou.
Passaram-se quase três anos, mas ele não conseguiu recuperar-se depois daquelas cenas de violência, que testemunhou.
Vadim, que estava muito brabo pela anexação da Criméia pela Rússia, no início do verão de 2014 foi para guerra como voluntário. Depois de uma breve estada em outra unidade, ele juntou-se ao"Aydar" - batalhão ukrainiano voluntário com má reputação.

Naquele momento, tais unidades desempenhavam um papel mais importante para proteção da Ukraina, do que desorganizado, incompleto e corrompido exército regular.
Ele começou o serviço no batalhão "Aydar" na cidade Shchastia a alguns quilômetros do front.  Vadim foi designado guardião da base, que localizava-se no território da antiga academia da polícia. Sua tarefa era monitorar a prisão temporária, situada na base. Ele, desde o início, ficou perturbado pelas ações que aconteciam naquelas construções.

Quando os soldados voltavam da frente, eles estavam em estado de choque e frequentemente bêbados. Eles iam ao porão (à prisão) para "desafogar" nos prisioneiros",  - lembra Vadim.

A tarefa de Vadim era monitorar a prisão temporária situada na base.
Como guardião, Vadim, troca após troca, observava as ações de desumana violação, mas não podia parar isto. Ele ouvia gritos e sons de pancadas atrás das portas. Mas , um grito, ele nunca esquecerá.
Certa vez o homem era o único guarda no edifício, onde, como lhe disseram, mantinham uma mulher suspeita de ser um franco-atirador do inimigo, só porque ela "usava capuz".

O mito de mulheres atiradoras aparecia em muitos conflitos da antiga União Soviética. Muitas vezes as mulheres, eram erroneamente acusadas de serem atiradoras e eram estupradas como punição por suas possíveis ações.

Então, à construção entrou um comandante. - Vadim interrompeu a história, limpou a garganta. 
"Após alguns minutos eu ouvi o grito da mulher "Não, 
não! Não faça isso", - lembra ele. 
Os sons, vindos atrás da porta, não deixavam dúvidas do que estava acontecendo.
"Eu tenho certeza, que a estupravam", - dizia Vadim. Ele a viu no dia seguinte e percebeu que lhe era difícil andar".
O sentimento de culpa devora Vadim já por três anos. Frequentemente pensa sobre o que poderia, para parar o que ouvia.
Vadim espera, que poderá se redimir de sua culpa, e que ele poderá testemunhar perante o Tribunal Internacional e revelar os elementos básicos do crime, que testemunhou - nomes, datas e detalhes.
É importante que neste tribunal muito aguardado sejam considerados não apenas os crimes que foram cometidos contra os prisioneiros. Na zona de conflito na Ukraina há mais um lugar, onde as mulheres sofrem extraordinárias pressões, são os check points. 

De acordo com algumas entrevistas, realizadas por Zero Impunidade, os soldados, os soldados que lá trabalham, de tempo em tempo, forçam as mulheres para lhes proporcionar favores sexuais.
Em fevereiro de 2017 a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos publicou um relatório sobre violência sexual na Ukraina.
Ela descreve a história de uma mulher que foi vítima de estupro grupal após uma parada no ponto de verificação controlado pelo batalhão separatista "Vostok" em Donetsk. Ela foi acusada de violar o toque de recolher.
Ela foi levada, a oque parecia, uma delegacia de polícia ocupada por um batalhão. Durante três horas de espancamento e estupro batiam nela com uma barra de ferro e estupravam-na várias pessoas. Dispensaram-na no dia seguinte.

POBREZA E PROSTITUIÇÃO

Não longe de Donetsk localiza-se a pequena cidade Krasnogorivka.
O territória da cidade é controlado pelas forças de Kyiv, no entanto o limite com os separatistas é de apenas três quilômetros.
A cidade toda está coberta com cicatrizes da guerra: janelas quebradas, telhados danificados, paredes perfuradas por balas. Ouvem-se sons de tiros e artilharia, a cidade esta repleta de soldados.
Certa manhã em meados de outubro de 2016 Zero Impunity participou de um evento social organizado por jovens voluntários locais.
Lá nós conversamos com um dos voluntários, Elena Kosinova, que sussurrando nos contou, que muitos na aldeia são forçados à prostituição para os soldados.

Voluntário Elena Kosinova disse, que muitas na aldeia obrigam-se à prostituição com os soldados.
De acordo com Kosinova, ao maior risco se submetem as mulheres mal protegidas, entre as quais "mães solteiras, às quais vieram tempos difíceis" e  "meninas de famílias precárias" as quais necessitam nem mesmo dinheiro mas, pelo menos, um prato de comida."
Kosinova disse, que tal prostituição de pobreza realiza-se "sem violência". 

Em um dos parques de Kyiv nós nos encontramos com Ilya Bogdanov - um ex-membro do FSB (Serviço Secreto Russo), que posteriormente, passou para outro lado e se juntou ao grupo paramilitar ultra-nacionalista ukrainiano "Setor Direito". 
Durante a conversa ele diz, que muitos atos terríveis, em grande parte são devido ao alcoolismo, que reina na frente. Descrevendo a área, onde o conflito ocorre, Bogdanov, no uso dos termos não se humilha.
Segundo ele, este é o lugar onde "mocinhas de 13 ou 14 anos de idade bebem com os soldados e estes, afinal de contas, as têm, apesar de que elas ainda são crianças. Os comandantes fecham os olhos"

TABU SOCIAL

De acordo com o relatório "Em busca da justiça" em 2016, publicado pelo Centro de Liberdades Civis, do lado ukrainiano, mas áreas da linha de frente agem apenas 30% de forças policiais.

Se lá existissem delegações ativas, é improvável que as meninas de Krasnogorivka, assim como a maioria das vítimas de violência sexual na Ukraina registraria queixas. O medo de retaliação e vergonha é muito forte. Mesmo antes do início do último conflito as vítimas da violência não tinham vontade de falar.

Em nosso país é muito forte a cultura de culpabilidade da vítima: as pessoas dizem, que a culpa é sua, que você não devia vestir-se assim, não devia beber tanto" - diz Anastásia Melnychenko, ativista ukrainiana de 30 anos de idade.
Alguns anos atrás Melnychenko sozinha passou pela agressão sexual. Em 2016 ela começou uma campanha em redes sociais sob o hashtag eu não temo dizer, como abrir discussão em torno deste tema proibido.
No entanto, mesmo em Melnychenko as esperanças são poucas. 
"A única maneira de evitar  estupro e assédio sexual - é não nascer mulher", diz ela.
E para aquelas que se atrevem falar com a polícia, fazer queixa, frequentemente se transforma em pesadelo. Os policiais na Ukraina, muitas vezes são culpados pelos crimes sexuais. Além disso, os soldados e policiais acusados, frequentemente exercem pressão sobre as vítimas, para que retirem as declarações.

"No nosso país é muito forte a cultura de culpabilidade da vítima - diz Anastasia Melnechenko, ativista ukrainiana de 30 anos de idade.







Após a sua libertação, Elena, jornalista ukrainiana, que mantinham e estupraram em Donetsk, imediatamente foi à polícia na região separatista, para dizer o que fizeram com ela.
Nada na repartição policial não lhe adicionava confiança, mas ela "muniu-se de espírito" e descreveu o que aconteceu a ela "exceto estupro".
O tenente ouviu com um sorriso desdenhoso e disse: "Nós não podemos ser de ajuda para você."
quando ela pediu para usar o telefone para ligar aos amigos u familiares, lhe negaram e apontaram para a porta.
A visita infrutífera e dolorosa da Elena à polícia, aconteceu em Donetsk, na primavera de 2014. Desde então, pouco mudou na área formalmente controlada pelos separatistas e, infelizmente Moscou.
A esperança de que as vítimas de abuso sexual, algum dia, receberão pelo menos alguma compensação, continua ser muito fraca.

Em repúblicas populares de Donetsk e Lugansk as estruturas e administrações  ukrainianas já não agem. Elas, gradualmente, substituiu o sistema paralelo de justiça, que carece de pessoal qualificado, financiamento e transparência.
Para muitos ativistas, isso explica, por que, apesar de que crimes sexuais são cometidos em ambos os lados da frente, parece que do lado dos separatistas, ainda são mais frequentes.
"Desde o início do conflito no território separatista, o controle é com ajuda de armas e estruturas criminosas. Nos territórios ukrainianos ainda existe o sistema estatal e funcionam as procuradorias. Nos territórios  separatistas - incluindo o abuso sexual - é instrumento político destinado à intimidação da população", - diz Volodymyr Shcherbachenko, coordenador do relatório  "Dor Silenciosa". 

Como parte da realização deste estudo Zero Impunity pediu permissão para entrar em Donetsk e Lugansk. Os governos da "DNR" e "FSC" negaram sem quaisquer explicações.

ANNA, 17, REGIÃO DE KYIV

E quanto as territórios controlados por Kyiv?
Nestas zonas o nível de impunidade é menor, mas o governo ainda é incapaz de oferecer verdadeira justiça às vítimas, especialmente nos casos em que os autores fazem parte das Forças Armadas da Ukraina. Como exemplo, o caso de estupro de Anna - 17 anos.

A chuva tamborila sobre o telhado, enquanto nós conversamos no carro estacionado próximo de sua pousada nos arredores de Kyiv. A jovem moça com longos cabelos loiros e doce expressão facial sente-se aliviada após a decisão proferida pelo tribunal da cidade Ivankiv, da região de Kyiv. O estuprador foi condenado a 2 (dois) anos por estupro anal.
De acordo com a legislação ukrainiana a penetração anal não é considerado estupro. A pena máxima, de acordo com o Código Penal é de 3 anos, em comparação com 7 a 12 anos para o estupro de menor.
O homem que abusou de Anna, era soldado e serviu na seção fronteiriça. Ele participou dos combates no leste, no entanto , no momento do incidente, encontrava-se na aldeia Mlachivka, onde crescia Anna , e é situada a 110 km de Kyiv.

O homem que atacou Anna, era um soldado e servia na fronteira.
O veredicto a respeito do homem que atacou Anna, pronunciado em 10 de junho de 2016, inclui circunstâncias atenuantes, incluindo "a participação em operações anti-terroristas no leste."
Esta decisão mostra, que o governo de Kyiv está pronto para perdoar crimes, cometidos no interior do país, àqueles que são considerados heróis da principal luta nacional.

O dossiê de Anna não é o único que caiu nas mãos dos juízes ukrainianos. Cerca de uma dezena de membros do batalhão "Tornado", no momento, está sendo processado por vários crimes, cometidos no leste, incluindo violência sexual.
O promotor militar até centrou sua estratégia de comunicação sobre estas alegações de abuso sexual e, parece, que quer ver este caso como um exemplo.
No entanto, não é tarefa fácil. Muitas vezes, os manifestantes interrompem uma audiência, com participação de batalhões, para pressionar os juízes. O caso contra batalhão "Tornado" não é exceção.

O espírito nacional, agora, é muito forte na Ukraina. Numa situação como esta, quando o país, é atacado pelo país vizinho, aqueles, que protegem a pátria, parecem heróis", - explica Simon Papuashvili, coordenador da ONG Parceria Internacional para os Direitos Humanos.
No entanto, o Ministério Público apelou no caso de Anna. A última decisão - continuam dois anos de liberdade condicional, mas a multa aumentou para 3.500 euros.
As autoridades de Kyiv, parecem mais ansiosas para levar à justiça os responsáveis por crimes na zona de conflito, apesar de que em fevereiro de 2016 foi adotado um plano de ação nacional para fortalecer a proteção das mulheres em tempos de conflito armado.
As estatísticas apresentadas em novembro de 2016, pelo gabinete do procurador-geral, falam por si - foram realizadas apenas 7 investigações quanto aos casos de violência relacionados com o conflito ukrainiano. Três deles foram fechados por falta de provas.
Por sua vez, a coligação "Justiça para a paz no Donbas" compilou uma lista e mais de 200 vítimas.
Será possível, que o governo ukrainiano simplesmente nãovê sentidoo na realização de novas investigações?
O testemunho de um ex-detento , que passou um período na prisão do SBU, diz que os próprios serviços secretos ukrainianos não são isentos do pecado.
De acordo com um recente relatório da ONU, os casos de violência sexual "mais frequentemente acontecem, em relações às pessoas, especialmente homens, detidos pelo Serviço Ukrainiano de Segurança (SBU) ou de batalhões, voluntários".
Do outro lado da frente, os serviços secretos, especialmente russos, também são envolvidos. No testemunho da pessoa, que foi mantido em cativeiro dos separatistas, há a menção sobre a presença de membros do FSB (Serviço Federal de Segurança da Federação Russa) no local onde "acontecia crime sexual" e onde "eles usaram os serviços de prostitutas".

ALICE, TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, TEATRO

No deserto desta justiça, no horizonte avista-se apenas uma fraca aparência de esperança. Esperança de justiça internacional.
Com esta esperança vive Alice. Jovem jornalista que há três anos foi estuprada em Kramatorsk pelo homem, que disse ser um ex-oficial russo.
Zero Impunity reuniu-se com Alice em seu apartamento em Kyiv, em 9 de outubro de 2016.
Demonstrando coragem rara em nosso tempo na Ukraina, Alice quer que todos saibam o que aconteceu com ela. Ela espera que um dia seu caso será analisado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (CEDH).
Se eu conseguir, isso não será vingança pessoal, mas por todas as meninas que sofreram o mesmo que eu" - disse ela.
Dos 3.000 casos de violações dos direitos humanos na Ukraina, o que é atualmente considerado como CEDH nenhum é relacionado com a violência sexual.
O caso de Alice, em teoria, será o primeiro. Enquanto CEDH não pode prender os considerados culpados, as vítimas não recebem nenhuma compensação.
O Tribunal Penal Internacional - único tribunal que pode fazer julgamentos criminosos de guerra, que não podem ser julgados em ouros países .Para Alice, um tribunal internacional - é a única saída. A estrutura da justiça na Ukraina e o fato que as autoridades de Kyiv não têm acesso aos territórios ocupados, não deixam nenhuma dúvida de que a única maneira de alcançar a justiça - é atrair jogadores (meios) internacionais.
Mas será essa decisão eficaz, o tempo dirá. Apesar do fato, de que Ukraina ainda não adotou o Estatuto de Roma (Estatuto aprovado pelo Tribunal Penal Internacional), o Tribunal Penal Internacional ainda tem o direito de investigar as regiões separatistas), independentemente de quais nacionalidades se encontram sob investigação: ukrainianos, russos, etc.
Sabendo isto, alguns ativistas reuniram testemunhos de vítimas de abuso sexual e começaram transferi-los para Corte Penal Internacional
Em carta eletrônica de 9 de março de 2017, o Tribunal Penal Internacional avisa que "qualquer decisão concreta, sob o incriminado comportamento não houve.
A probabilidade de que o caso será agendado para julgamento é muito baixa, principalmente devido à expectativas extremamente longas. Em média, para a questão chegar ao tribunal, leva cerca de dez anos.

A probabilidade de que o caso será agendado para julgamento é muito baixa, principalmente devido às expectativas extremamente longas. Em média, para a questão chegar ao Tribunal, leva cerca de 10 anos. 
"É um processo longo, pode levar de dez , ou até mesmo 20 anos, mas se tudo der correr bem, podemos obter um mandado de prisão de Vladimir Putin por crimes de guerra e crimes contra a humanidade" - disse Papuashvili, coordenador da Parceria Internacional pelos direitos da pessoa.
Papuashvili já ajudou chamar a atenção da Core penal Internacional aproximadamente a 300 questões, incluindo as que relacionam-se à tortura sexual, e agora trabalha com mais de 400.
No entanto, permanece o problema de que Rússia, como parte não estatal, não é obrigada colaborar com a Corte Penal Internacional e, consequentemente, nos casos, em que mandados de prisão serão emitidos pela Corte Penal Internacional contra cidadãos russos, Rússia, antes de tudo, recusar-se-á entregar seus cidadãos a este tribunal, neste caso, o tribunal não tem o direito de interferir", - continua Papuashvili. 

De acordo com Alexander Pavlichenko, um dos autores do relatório "Dor Silenciosa", Rússia já começou a limpeza entre os separatistas.
Mais e mais líderes separatistas desaparecem em "circunstâncias misteriosas que Pavlichenko diz: " Mal cobertas ações da Rússia. tentam limpar a história". Ele teme, que nos próximos dois anos desaparecerão todos os criminosos e "com eles, quaisquer oportunidade de vir a saber a verdade".

Mas Alice não se desespera. Ela decidiu agir. 
Para quebrar o silêncio que cerca a violência sexual, Alice criou uma apresentação teatral, que duas vezes apresentou na Ukraina e uma vez em Berlim.
Neste trabalho ela mostra a sua própria opinião, incluindo a violação. Ela vai tão longe que, no palco, tira toda sua roupa. Esta é uma experiência muito poderosa... não somente para ela.
"Alguns espectadores choram. Posteriormente, os horrores de nossas guerras não são apenas números. E aqui, no teatro, você pode sentir o quanto eles são reais,..." diz ela.


"A Verdade Ukrainiana" coopera com o International Project Zero Impunidade. É um projeto Transmidia, cujo objetivo é documentação e revelação de impunidade das pessoas que cometem violência sexual durante conflitos armados.
Junto com muitos meios de comunicação internacionais, a "Verdade Ukrainiana publica investigações jornalísticas, que explicam como forma-se a "impunidade" em nossas instituições, organizações internacionais e exército.

(Observação: Espero ter traduzido corretamente - o texto estava no idioma russo. Infelizmente isto acontece no jornal ukrainiano - OK)


Tradução: O. Kowaltschuk

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