quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Eu escrevi o texto e pedi para atirarem em mim - ex-prisioneiro russo
Radio Svoboda (Rádio Liberdade), 22.09.2016
Dmitry Volchek

Nove meses Anatoly Polyakov, empresário russo e ativista social de Petrozavodsk (Rússia), foi mantido em cativeiro em Lugansk ocupada. Na primavera de 2015 ele chegou a Donbas com missão humanitária, mas depois de negociações bem sucedidas sobre a evacuação de crianças gravemente doentes e troca de militares prisioneiros, ele foi atacado na rua, algemado, colocaram um saco em sua cabeça e fecharam no subsolo. Os carcereiros fingiam ser "guerrilheiros ukrainianos", mas Anatoly logo compreendeu que foi levado para o cativeiro dos militantes, que permanecem sob controle dos serviços especiais russos. Depois ele foi parar na prisão do "ministério de segurança de estado do grupo "FSC". Ele foi cruelmente espancado, ele sobreviveu milagrosamente. Agora Anatoly Polyakov que conseguiu escapar do "novo Gulag", que apareceu nos territórios ocupados pelos separatistas no Donbas, passou pela reabilitação e esforça-se para libertar, das câmaras de tortura seus companheiros de infortúnio.

- Ainda no Maidan eu participei de vários projetos, direcionados para solução pacífica do conflito artificial na Ukraina. Depois, com o apoio do Ministério da Defesa da Ukraina, foi criada a organização "Corpo Humanitário", que eu encabecei. Sua finalidade era a normalização das relações no domínio de proteção dos direitos de militares presos e fornecimento de assistência direcionada para instituições médicas infantis no território ocupado da Ukraina.
No dia 12 de março de 2015, a convite dos líderes da "FSC", como voluntário, eu vim para Lugansk. 14 de março, no encontro como líder da "FSC", nós discutimos uma ampla gama de questões, incluindo o transporte de crianças com câncer e tuberculose, ao território da Ukraina, e formação de comissão com observação de direitos dos prisioneiros militares e pessoas civis, que eram detidas pelos militantes.

Anatoli Polyakov na marcha da oposição

- E sozinho tornou-se prisioneiro de guerra. Você acha, que isto era uma armadilha. Você foi atraído especialmente?
- Minha viagem não era segredo. Um dia antes assassinaram Nemtsov. Depois disso, começaram as detenções na Rússia, dos oponentes mais ativos. Neste momento eu chego ao porão em Lugansk. Todos os meus amigos já estavam presos na cadeia.
Quando me interrogava a "milícia", era evidente, que eram os representantes de serviços especiais.
- Como você reconheceu, que eram representantes de serviços especiais?
- Pelo estilo de comunicação, como conduzem o interrogatório, pelos hábitos profissionais. Muitas vezes eu precisei contactar com eles por causa de minha atividade política. Na Rússia eles usufruem de poder ilimitado. É suficiente olhar para seus olhos, cheios de onipotência e permissividade, que não podem ser escondidas.
Eles repetiam que não me dispensarão, não entregarão para o lado ukrainiano. "Nós proporemos por você seis pessoas. Se eles concordarem, diremos "oito". Eles deixaram claro, que à liberdade eu não saio.

E neste momento eu continuava a acreditar, que os russos me libertarão, virão, pedirão desculpas, punirão todos e me deixarão ir para casa. Como eu era ingênuo.

Duplamente triste e doloroso, que escarneceram de mim meus colegas russos.
 - Vamos voltar um pouco, para trás, no dia em que você foi atacado e tomado como refém. Como isto aconteceu?


- Isto aconteceu em 14 de março, próximo "Western Union", no meio do dia. Depois que eu saí de lá, me atingiram na cabeça, eu perdi a consciência. Recobrei os sentidos já algemado, com um saco na cabeça. À cabeça colocaram um automático. Fui arrastado para o porão, jogado no chão de concreto, e assim eu fiquei deitado por 24 horas. No dia seguinte veio o comandante, ele "contra-inteligência". Imediatamente começou gritar, passou para o idioma ukrainiano.

Em seguida eles apresentaram-se como "guerrilheiros ukrainianos", no início exigiam cem mil dólares, tudo isto acompanhava-se com espancamentos, ameaças e tiros sobre a cabeça. Depois disseram, que eu - russo-instrutor, vim aqui para ensinar separatistas.

- Então eu fui arrastado para uma dependência, pernas e mãos prenderam com algemas a um tubo, eu tive que ficar sentado no chão de concreto, o tubo estava entre as mãos e as pernas. Nesta posição, sentado, eu passei no porão um mês.

- E como você percebeu, que eles - não são aqueles, que procuram demonstrar?
- Quando o tempo todo você permanece no isolamento, e na escuridão total, a audição fica aguçada e você lembra quaisquer detalhes. Quando me levavam no banheiro, eu ouvia o idioma russo, ouvia conversas sobre questões alfandegárias. Quando eles comemoravam, do alto vinham gritos de bêbados "Hurras". Às vezes, lá funcionavam estações de rádio.

- Como lhe tratavam? Em que condições o mantinham. O que esperavam sobre você?
- Perguntavam com quem tenho relações na Ukraina e em Lugansk, com que finalidade vim a Lugansk. Falavam em ukrainiano, se não compreendia, começavam bater. Acorrentaram-me ao tubo, de modo que eu, apenas, podia ficar sentado, o saco não removeram.

Alimentavam uma vez em 24 horas. Libertavam a mão - davam comida e prendiam a mão novamente. Ao banheiro levavam uma vez por dia e por apenas 15-20 segundos, durante os quais era difícil fazer algo, eu pensava, que da pressão os intestinos sairão para fora. Isto é doloroso e humilhante. 

Várias vezes me levavam para fuzilamento. À noite retiravam dos pés as algemas de plástico, eu escorregava pelo tubo para o chão de concreto e dormia do lado direito. Depois me erguiam, novamente prendiam os pés ao tubo, metade do dia (dia e noite = 24 h) eu ficava sentado, metade ficava deitado. Chegou a hora, quando eu não senti mais dor, sentia-me tão profundamente dentro de mim que este mundo tornou-se irreal. Isto era algo estranho, incompreensível. Eu pedia, para chamarem o comandante. Ele veio, eu pedi para me fuzilarem.

Meu único pedido, é que não escarnecessem sobre meu corpo e avisassem minha esposa, onde poderia encontrá-lo, exumá-lo e levar para pátria. Desde então eles começaram a tratar-me com mais calma.

No final do mês vieram ao porão, disseram que eu era procurado em todos os lugares, você, como se fosse o nosso rapaz, nós o levaremos à cidade, lá deixaremos, conte até 300, depois pode pedir ajuda. Eles me levavam pela cidade, para dar a impressão, que estão me distanciando de Lugansk. Eu, no saco, algemas nas mãos e pés jogaram, provavelmente num caminhão ou garagem. Eu contei até 300, comecei gritar por socorro, veio um carro, eu ouvi o idioma russo. Fui colocado no carro, sem removerem o saco, levaram para outra acomodação. Lá removeram o saco. Havia duas pessoas, apresentaram-se como "voluntários" russos. Eles contraiam-se, porque havia mau cheiro: durante o mês nem sempre levavam ao banheiro, mas então, para mim já não importava.

No primeiro dia falavam normalmente comigo, disseram, que se eu, realmente dizia a verdade, então me entregariam à "milicia" e se afastariam. Disseram: escreva sobre os guerrilheiros. Perguntavam se ouvia rádio, se ouvi certas vozes, eu dizia, que nada ouvi. Dois dias depois, começou a mesma situação, imitações de fuzilamento, fui acusado de "atividades subversivas", tentavam humilhar-me insultando minha família. Em geral, os mesmos métodos.

Eu escrevi o testamento, entreguei-lhes nas mãos: "Eu já cansei de vocês, simplesmente atirem em mim".

- Você pensa, que tudo isto foi planejado com antecedência: Eles fingiram que deixam você, e estes já estavam prontos?
- Para mim tudo estava claro, quando eu ainda estava com os falsos "partisans". As minhas próximas suspeitas somente se intensificavam. Uma vez a porta se abriu, no limiar estava um homem em trajes civis, apresentou-se como colaborador do "MDB" (Ministério de Segurança do Estado da URSS), ele me disse, se eu me comportar normalmente, então, possivelmente, voltarei para casa, do contrário apodrecerei no porão. Ele, abertamente, deu a entender que tudo isso foi preparado com antecedência. 

- Você esteve sozinho no porão, e na prisão? Você não viu outros presos?
-Sim, os primeiros dois meses eu era absolutamente único. Depois me levaram ao "MDB", me  tomaram testemunhos, não interrogavam, mas instantaneamente, declararam a acusação conclusiva, onde foi estabelecido que eu, pela tarefa do "Ministério da Defesa da Ukraina" vim ao território da "FSC" com "missão subversiva".

Eu fui acusado de "espionagem", acusaram que eu queria "roubar crianças". E outras acusações. Nos últimos cinco meses, passados no porão do MDB, eu encontrei muitos prisioneiros: tanto militares das Forças Armadas da Ukraina, como militantes.

- Amigos, que lhe ajudavam na missão humanitária, tentavam salvá-lo?
- Se houver um anjo da guarda, então esta é minha esposa, graças aos esforços da qual eu sobrevivi. Nós sempre nos telefonamos, e, quando eu não mais respondi, ela imediatamente avisou aos meus amigos no Ministério da Defesa, que eu tinha desaparecido.  Enquanto eu permanecia no porão aguardando meu destino, já me procuravam, o que influenciou meu destino.

- O que aconteceu depois da apresentação das "acusações"?
- Eu fui enviado para "isolador de manutenção temporária", lá eu passei dez dias. Depois me levaram para "procuradoria" da assim chamada ""FSC", onde fui acusado de "espionagem", disseram que eu - prisioneiro de guerra. No "isolador" de inquérito" eu passei um mês e meio, depois novamente, fui enviado ao porão, onde passei mais de cinco meses.

- Como você foi tratado e como eram as condições no porão do "MDB"?
- Empoeirado porão, teto de cal, no início colocaram em confinamento solitário sob o vaso sanitário. Havia uma pequena mesa, na qual você podia dormir apenas em posição fetal. De roupas eu possuía apenas um suéter rasgado e calção militar também rasgado. Nada mais.

Completa ausência de luz do dia, ar fresco e recursos para higiene pessoal. A pele adquiriu cor cinza como as paredes no porão, pela câmara movia-me como sombra, magro, com grande barba e cabelo longo desgrenhado. Os militantes me chamaram "pessoa da cave". Na câmara havia poluição, havia calor insuportável de 35 - 40 graus. Colocava um suporte na porta e deitava-me no chão para pegar um pouco de ar fresco.

Tratamento bestial, você não sabe quanto tempo, mas começa salivar quando sente, que agora devem trazer comida. Este é um estado terrível... De noite sonha com refeição, e você está pronto para comer papel, para matar a fome. É muito difícil, em tais condições, permanecer humano. 

Às vezes abriam a porta da câmara, o imediato introduzia moças em uniforme e dizia: "Eis nossa atração local - Anatoli Polyakov, oposicionista russo, "quinta coluna", vejam, o que sobrou dele". Eu, naquele período, mal me locomovia, estava enfraquecido, olhava para eles como cachorrinho, pronto para agarrá-los e roer suas gargantas.
Eu gritava obscenidades para eles, mas isto fazia-os, apenas, rir, porque nada lhes podia fazer.
Eu os provocava, mas eles riam. Como pequena cria que apenas late, e mesmo se morder, não causará qualquer dano.

De fato forças eu já não tinha - nem físicas, nem morais. Eu entendia isto, e por causa disto moralmente é duplamente difícil, porque você não pode  fazer nada. É muito difícil. Você foi privado de tudo e constantemente escarnecem. Para quê? Por quê? Porque você se afastou da corja? E não ficou gritando como todos: "Crimeia é nossa" ?.
- Por que eles abusaram tanto de você? O que queriam? Obter resgate? Punir oposicionista russo? Pensavam que você é realmente "espião"? Você compreende as suas motivações?

- Eu, por muito tempo repetia as palavras: " Por quê? Para quê?" Como se viu depois, eles se apressaram e avisaram sobre o meu afastamento. Isto mudou o meu destino. Por que eles decidiram me manter vivo? O tempo foi perdido, graças a reação oportuna da Ukraina na minha questão, porque naquele dia em que fui sequestrado, já me procuravam e sabiam onde eu estava.

Compreendendo que devido à publicidade eliminar-me não era possível, eles fizeram o máximo de esforços para me trazer ao ponto onde você perde a linha entre o homem e o animal, em uma palavra - matar em mim a pessoa. Eles usaram todos os métodos de humilhação, solidão, fome, doenças.

Ao longo destes nove meses eles fizeram tudo para eu odiar a Rússia.

Mas isto eles não conseguiram: pelo contrário, minhas convicções, é que a autoridade da Rússia é indispensável desmantelar imediatamente, apenas fortaleceram-me.

- O que é para você - "FSC"" e "DNR"?
- Eu vejo o "FSC" e "DNR", estes dois enclaves terroristas, como territórios do Gulag, onde pode-se realizar experimentos, onde pode testar novas armas, onde pode fazer absolutamente tudo o que você quiser, onde não há nenhum sistema judicial. Você pode eliminar seus oponentes, pode enviar para lá, para o abate, mercenários russos, ninguém vai procurá-los lá.
- Este é um grande buraco negro, através do qual roubam-se bilhões de fundos públicos. Eles existem, exclusivamente, através do apoio do exército russo.
- Com certeza, entre seus conhecidos há muitos, que até 2004 simpatizavam com o movimento de protesto, mas depois, após a captura da Crimeia, sob a influência da propaganda passaram para o lado do Kremlin...
- Verdade, a maioria da oposição russa, inicialmente, apoiou Maidan. Eles vinham para Ukraina, na esperança, que, talvez, na Rússia poderia haver algo similar. Mas depois, quando o vetor da política mudou para o lado do "Mundo russo", muitos simplesmente ficaram loucos. Eles, voluntariamente, pegaram em armas e vieram matar cidadãos da Ukraina.

Treinamentos militares de militantes do grupo "FSC" na região de Lugansk. Fevereiro de 2016.




Eu acredito, que o sistema autoritário na Rússia apodreceu tanto, que voará em pedacinhos, e isto acontecerá instantaneamente. E as pessoas que apoiaram o genocídio em massa no leste da Ukraina, serão pessoalmente responsáveis pelos crimes que cometeram. Isto aplica-se a todos, àqueles que deram as ordens e àqueles que as executaram. (Vã esperança - OK).

- Quantos, segundo seus dados, reféns em Lugansk e Donetsk?
- Penso, segundo a ordem, de números oficialmente declarados, parte é mantida nos porões das  "repúblicas" - parte no território da Rússia. O número exato é difícil dizer, mas não menos 200 - 300 pessoas.

- Por que protelam a troca?
-Primeiro, os prisioneiros - é a única possibilidade com o que podem chantagear Ukraina os insurgentes e Moscou. Segundo: os militantes tem bem menos insurgentes, que detidos ............. (não consegui saber o significado da palavra, aliás ela tem um significado: "posibnyk" manual de quaisquer estudos - OK) e próprios terroristas no território da Ukraina. Terceiro: todas as decisões quanto a troca decidem-se em Moscou, apesar da posição da Ukraina, que utiliza todos os esforços possíveis para a sua libertação.

Quando a conversa com Anatoli Polyakov já estava gravada, tornou-se sabido que os militantes da "FSC" efetuaram a troca do deficiente cego Volodymyr Zhemchugov, que era mantido desde novembro de 2015. Também foi libertado o funcionário das Nações Unidas no Donbas Yuri Suprun, capturado em abril. (A história dessas pessoas já está no blog - OK).

Anatoly Polyakov reflete sobre o cativeiro: "Dia, mês, ano - o que significa este tempo na vida cotidiana? Trabalho, sem número de eventos e o mais importante, que isto é verão, outono, inverno, primavera. Durante este tempo as pessoas se apaixonam, realizam casamento e se separam. Na TV séries, action-militantes e relatórios da frente, três feridos, um morto, e seguem programas de entretenimento, brigas no Conselho e previsões astrológicas. Estamos acostumados a isso, e para nós é a vida. Mas este período para uma mãe, uma esposa o filho, marido, que está no porão de militantes, o que significa este tempo para aqueles, que a cada segundo esperam um tiro e rezam a Deus pela salvação? Isto não é prisão de uma só pessoa, é prisão de toda a família e tragédia diária. São rugas sob os olhos de mulher cansada e esgotada, que ficou completamente sozinha, e sobre seus ombros frágeis ficou todo o fardo de preocupações diárias. Isto são dois mundos, duas realidades. E sobre isto é preciso conversar, para lembrar e saber, que estas pessoas vivem entre nós, e elas precisam de ajuda. E que em seu lugar, amanhã, pode estar qualquer um de nós".

Tradução: O. Kowaltschuk

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